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Texto de Maria Lúcia Montes

por Mauro Bellesa - publicado 04/07/2013 15:05 - última modificação 18/09/2013 17:31

Participação da pesquisadora no encontro Como Avançar?, realizado pelo IEA no dia 3 de julho de 2013.

"Paris 68, Brasil 2013? Há, sim, semelhanças e diferenças! Em 68, o inicio dos protestos pelo movimento estudantil foi seguido, três ou quatro dias depois da violenta repressão policial, por um desfile de 4 horas de todas as centrais sindicais, e em seguida pelo início da ocupação das fábricas, e os sindicatos vinham apresentar a informação aos estudantes na Sorbonne acreditando que ali haveria uma coordenação do movimento. Havia um foco claro de esquerda em todo o movimento, e ao longo de todo o mês de maio e parte de junho Paris reviveu a Comuna de Paris. Nada mais funcionava - bancos, postos de gasolina, qualquer loja, nada! - mas o abastecimento de Paris estava sendo garantido diretamente pelos produtores, que enviavam mantimentos recebidos pelos comitês de bairro e depois redistribuídos à população. Um extraordinário sentimento de solidariedade e comunidade! Enquanto isso, assisti durante mais de 20 dias todos os partidos e agrupamentos de esquerda discutindo sobre a organização do movimento dali para a frente e como continuar avançando. E a cada dia uma organização acreditava poder ter hegemonia e poder liderar a condução da ação organizada. Enquanto isso, a mídia e a direita se mantiveram inteiramente afastadas, porque não tinham nem o que propor ou como agir, exceto pela repressão, que só aumentaria a adesão ao movimento. Isso durou até que De Gaulle, num discurso de 10 minutos, onde quase todas as frases começavam por "moi, le président de la République..." disse que era preciso "restabelecer a ordem" e algumas horas depois havia 1 milhão de pessoas nos Champs Elysées, a maioria fazendo a saudação nazista, garantida pelas tropas francesas da OTAN estacionadas às portas de Paris. Por isso, eu digo que havia semelhanças e também diferenças. A diferença é o foco e a orientação claramente de esquerda, lá, indefinida aqui,  a semelhança o problema da organização, falho lá e, pelo visto, por enquanto também aqui. A heterogeneidade de classe do movimento, aqui, já foi apontada acertadamente pelo André. O que virá em seguida dependerá do rumo do movimento, se orientado por uma ideologia da classe média urbana que foi a protagonista majoritária das manifestações, ou por outra visão, a da população que sentiu os efeitos da diminuição da desigualdade social e, naturalmente, da capacidade de organização desses diferentes grupos. Por enquanto está tudo em aberto. Mas outra questão essencial é a ação da mídia, e gostei muito da colocação do professor Bucci sobre a disputa de símbolos e a dimensão de espetáculo que ela deu às manifestações. Não se pode esquecer que há aí interesses em jogo, tendo a mídia representado cada vez mais nos últimos anos o papel que os partidos políticos de oposição não foram capazes de assumir. Em resumo, creio que há um elemento positivo no fato de que todas as instituições políticas estão sendo obrigadas a reavaliar sua ação e seu papel. Mas acredito também que esta reavaliação deveria ir no sentido do aperfeiçoamento  das instituições democráticas e vejo o perigo de que a manipulação da informação e a atuação cada vez mais clara de grupos de direita, inclusive na condução dos atos de violência, venham a provocar uma ruptura institucional e a "volta dos militares", como vi mais de uma vez nos cartazes das manifestações. Minha amiga Marilena Chauí escreveu para um amigo comum que hoje ela está fazendo uma declaração de princípios: "nasci numa ditadura, passei a maior parte da minha juventude e de minha vida adulta em uma ditadura, e não estou disposta a passar minha velhice sob outra ditadura", se a direita conseguir se apropriar dos movimentos, de início de esquerda, que deram origem às manifestações. E eu concordo com Marilena!"