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Amazônia 4.0 inicia capacitação de comunidades amazônicas para a produção de chocolate

por Mauro Bellesa - publicado 11/12/2023 14:00 - última modificação 20/12/2023 17:08

Laboratórios Criativos da Amazônia, ramo do projeto Amazônia 4.0, iniciou em setembro a capacitação de comunidade extrativista de cacau para a produção de chocolate.

Barras de chocolate e amêndoas de cacau
Chocolate produzido na Amazônica com certificação de origem podem ser vendidos a mais de R$ 200,00 o quilo

Comunidades tradicionais da Amazônia geralmente vivem com recursos modestos provenientes da comercialização in natura ou com processamento básico do que extraem da floresta. É possível, porém, elevar consideravelmente a renda dessas comunidades por meio de qualificação e infraestrutura para que produzam, de forma sustentável, mercadorias com maior valor agregado.

Um exemplo disso é a fabricação de chocolate em vez de apenas comercializar amêndoas de cacau fermentadas, cujo preço não passa de R$ 10,00 o quilo, ao passo que o chocolate pode atingir preço superior a R$ 200,00 o quilo, dada sua certificação de origem amazônica e preocupação socioambiental em sua produção.

Iniciativas desse tipo estão no centro da proposta do projeto Amazônia 4.0, uma organização não governamental e sem fins lucrativos do qual o IEA é parceiro técnico [leia texto ao lado direito].

Atuando em parceria com outras organizações e com as comunidades locais, o projeto busca incentivar a a exploração comercial de recursos da floresta de maneira associada à sua preservação e em benefício das comunidades amazônicas. Uma das ferramentas para atingir esse objetivo são os Laboratórios Criativos da Amazônia (LCA), estruturas modulares de fácil instalação e transporte que são montadas nas comunidades durante o período adequado para sua capacitação.

O primeiro LAC está funcionando desde setembro na comunidade Suruacá, na margem esquerda do rio Tapajós, no Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, no Pará. Até o final dezembro, a comunidade local estará capacitada a produzir chocolate com as melhores práticas para a fabricação de um produto gourmet, cujo mercado está em franco crescimento.

O LAC ficará cerca de três meses em cada comunidade paraense. Em janeiro será transplantado para outra da região de Santarém, ficando à disposição da Associação de Mulheres Trabalhadores Rurais de Belterra (Amabela), que se dedica à produção do cupulate (feito de amêndoas de cupuaçu). Na sequência, o laboratório irá para Moju, para subsidiar a produção de chocolate da Associação de Moradores Quilombolas de Moju-Miri, que atualmente já comercializa o produto, além de cacau in natura. Finalmente, o LAC será instalado em comunidade ribeirinha na margem direita do rio Acará, que comercializa amêndoas de cacau fermentadas, de acordo com informações da coordenadora tecnológica do Amazônia 4.0, a professora Tereza Cristina de Melo Brito Carvalho, da Escola Politécnica (EP) da USP, onde fundou e é responsável pelo Laboratório de Sustentabilidade em TI (Lassu).

LCA de Suruacá (do alto)

O LCA é uma instalação móvel constituída de domos geodésicos ("ocas") alimentados por energia solar fotovoltaica e com conectividade. O laboratório conta com três ocas: uma para armazenagem das baterias de energia elétrica; uma para a fabricação do chocolate; uma para aulas à comunidade.

Todas as fases da produção do chocolate acontecem no LCA, desde a fermentação das sementes, passando pela torrefação e descascamento das amêndoas e terminando com a moagem dos nibs para a feitura do chocolate e sua temperagem (que inclui a adição de manteiga de cacau, responsável pela textura e brilho do produto).

O processo é monitorado por sensores conectados a uma rede wi-fi. Ao final, as embalagens terão um código QR, que permitirá ao consumidor obter todas as informações sobre a origem do chocolate, inclusive sobre qual árvore produziu o cacau utilizado. Todas as informações serão validáveis e rastreáveis por blockchain. O escoamento da produção para pontos de conexão do transporte do chocolate será feito por tuk-tuks refrigerados (por energia solar) e drones.

O projeto Amazônia 4.0

A criação do Amazônia 4.0 [referência à chamada 4ª revolução industrial, que prevê a automatização intensiva das indústrias] foi gestada no IEA pelo programa Terceira Via Amazônica - Amazônia 4.0, liderado pelo climatologista Carlos Nobre, pesquisador colaborador do Instituto; Ismael Nobre, biólogo; Maritta Koch-Weser, antropóloga; Adalberto Veríssimo, consultor ambiental; e Maria Beatriz Bley Martins Costa, especialista em bioeconomia. O programa foi uma parceria do IEA com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), com financiamento do Instituto Arapyaú. Uma das propostas do programa é a criação de um Instituto de Tecnologia da Amazônia, ideia que continua a ser desenvolvida pelo Amazônia 4.0.

O Amazônia 4.0 é uma instituição sem fins lucrativos que trabalha em parcerias com outras organizações em soluções ambientais para o bem-estar da população amazônica. A parceria se estende às comunidades locais, “aprendendo e compartilhando conhecimentos que possam melhorar a vida de todos, inclusive dos animais e árvores que existentes na Amazônia”, segundo o site da instituição.

O objetivo é permitir, “com base na economia, a integração das potencialidades econômicas da sociobiodiversidade amazônica às novas tecnologias e possibilidades que emergem da 4ª Revolução Industrial” e a partir disso gerar produtos de alto valor agregado.

O instituto tem 40 parceiros, entre instituições acadêmicas, de governos estrangeiros (EUA, França e Austrália), empresas e organizações não governamentais brasileiras e internacionais. Deles, 22 são parceiros técnicos, inclusive o IEA.

De acordo com os coordenadores do projeto, os Laboratórios Criativos da Amazônia (LCAs) foram criados para demonstrar uma nova bioeconomia com protagonismo dos povos tradicionais e indígenas na produção de produtos de alto valor agregado, a partir da valorização cultural e ambiental.

O objetivo é promover os aspectos técnicos, tecnológicos e o desenvolvimento da capacidade empreendedora centrada em produtos não madeireiros da biodiversidade amazônica, com ações de capacitação, realizadas diretamente nas comunidades locais.

Com isso, torna-se possível a inovação em pequena escala, com o desenho e proposição de soluções eficazes para os povos da Amazônia.

São utilizados instrumentos para a prototipagem do processamento de matérias-primas da Amazônia para então transformá-las em produtos de alto valor agregado, beneficiando os diversos elos das cadeias de valor.

Além de propor inovações tecnológicas, os pesquisadores dedicam-se à capacitação de comunidades locais com mais informações sobre os recursos naturais à sua disposição e sobre a utilização de tecnologias de ponta que podem auxiliar no desenvolvimento de produtos da floresta.

Por outro lado, os pesquisadores também aprendem com a comunidade e incorporam os conhecimentos tradicionais aos desenvolvimentos e propostas, num processo de cocriação de soluções inovadoras e disruptivas para manutenção da floresta em pé.

Tuk-tuk e oca - LCA de SuruacáA ideia é de que as futuras biofábricas dessas localidades sejam de uso não apenas das comunidades onde forem instaladas, mas também de outras próximas, que alugariam sua utilização. Além do emprego de energia renovável, outra característica da sustentabilidade do projeto será o fato de trabalhar a prática de lixo zero, graças ao aproveitamento de todos os componentes do cacau e dos resíduos de seu processamento (a fermentação das amêndoas gera o mel do cacau, utilizado para suco e cosmético; a casca da amêndoa torrada permite a produção de chá; e a moagem dos nibs – pedaços da amêndoa torrada e descascada -  permite a produção tanto de chocolate quanto de manteiga de cacau). A perspectiva é que uma biofábrica produza entre 100 e 200 quilos de chocolate por dia.

O domínio da cadeia produtiva do cacau-cupuaçu é o que está mais adiantado nos estudos do Amazônia 4.0. Depois, o trabalho deve ser estendido para as cadeias de produção de polpa de açaí (polpa), castanhas (do Brasil e bacuri) e azeites especiais (de castanhas do Brasil, buriti, patauá e tucumã).

Futuramente, o projeto pretende atuar no sequenciamento genético de plantas com propriedades terapêuticas e cosméticas apontadas pelo conhecimento tradicional de comunidades amazônicas. A ideia é fornecer esse sequenciamento para pesquisas de novos medicamentos e cosméticos pelas indústrias desses setores, que remunerariam as comunidades pelo seu conhecimento sobre as plantas.

Fotos: Amazônia 4.0 (Divulgação)