Pesquisadores analisam o Zoneamento Ecológico-Econômico paulista
O principal problema que o estado de São Paulo enfrenta é a dissociação entre economia e meio ambiente, acredita José Carlos Mierzwa, da Escola Politécnica (POLI) da USP. Sem a proteção ambiental, o modelo de desenvolvimento da região se mostra insustentável.
O Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) é um ponto de partida para mudar a ocupação da terra e propor políticas públicas no território, defende Sueli Furlan, doutora em geografia física. Esse instrumento demonstra a necessidade de repensar nossa relação com o espaço e com as fragilidades do meio biofísico.
As afirmações foram feitas no seminário UrbanSus "Reflexões sobre a Proposta de Zoneamento Ecológico-Econômico de São Paulo", realizado no dia 30 de março e organizado pelo Centro de Síntese USP Cidades Globais, do IEA. O evento analisou a proposta para o ZEE apresentada pelo governo paulista em dezembro de 2021 (Decreto 66.002/21) e que hoje encontra-se em fase de consulta pública. Os convidados avaliaram as diretrizes e possibilidades desse instrumento, com o objetivo de encaminhar à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente um relato com os resultados do encontro.
O Zoneamento Ecológico-Econômico
O ZEE do Estado de São Paulo é um instrumento de planejamento ambiental que estabelece diretrizes de ordenamento e gestão do território. Ele tem como objetivo compatibilizar o desenvolvimento socioeconômico com a proteção ambiental.
Como pontos positivos do ZEE, Jean Metzger, professor de ecologia na USP, aponta a junção, organização e disponibilização de dados úteis para planejamento territorial no estado como um todo. O ZEE também apresenta transparência na utilização de indicadores, o que permite críticas e aperfeiçoamentos. "Apesar de o ZEE ser essencialmente um diagnóstico, ele abre uma oportunidade única de se pensar em novas formas de empregar inteligência para fazer interface entre os dados e as políticas públicas", afirmou Metzger no evento.
A pressão de ONGs internacionais sobre o Banco Mundial, devido ao financiamento do desmatamento no Brasil na década de 1990, e a presença de artigos que abordavam a proteção ambiental na Constituição de 1988 foram apontados pelo geógrafo Jurandyr Ross como fatores que levaram aos projetos de ZEEs no Brasil no final do século 20. A partir daquele momento, se um estado como o Mato Grosso quisesse fazer investimentos altos em obras de infraestrutura, deveria realizar o zoneamento do território considerando as reservas indígenas e as áreas de conservação presentes na região, por exemplo.
Essa dimensão política do ZEE o torna extremamente importante, segundo Maria da Penha, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. "Esperamos que o ZEE de São Paulo norteie e desenvolva com os gestores e comunidades locais e regionais a cultura da conservação, preservação e regeneração da biodiversidade ambiental." Ela manifestou a esperança de que ele também permita o planejamento de políticas que reduzam as desigualdades econômicas, favoreçam maiores oportunidades a pessoas vulneráveis, estimulem a desconcentração de riquezas e colaborem no nível local e regional com o enfrentamento das emergências climáticas do estado.
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Na prática, ele afirmou, os ZEEs são utilizados para legitimar decisões. Na Amazônia, já serviu como fonte de informação tanto para melhorar as conservações e investimentos quanto para rever os contornos das Unidades de Conservação (UCs) e as políticas ambientais, no sentido de "afrouxamento", não de seu aperfeiçoamento. "É preciso muita atenção para a maneira como o ZEE pode ser utilizado para informar a atuação dos agentes públicos e privados", reiterou.
Pensando no desenvolvimento econômico, destacou que as economias do século 21 devem se basear na redução de desigualdades e em novas relações entre sociedade e natureza. O ZEE oferece possibilidades para isso, mas ainda há temas a serem abordados para seu funcionamento. É o caso das diretrizes propostas, que são diversas, genéricas e amplas. Para que se concretizem, é preciso pensar como coordená-las em diferentes níveis de governo.
Apesar de São Paulo ser visto como um estado desenvolvido, a região é muito fragmentada e apresenta bastante desigualdade, por isso necessita de projetos estratégicos que "refundem um modelo de desenvolvimento econômico mais coerente com os desafios do século 21", afirmou.
"O que acontece nos estudos de zoneamento é que a produção de um documento técnico-científico bem embasado não pode ser pensada no prazo do gestor ambiental do momento, e sim em prazos curtos, médios e longos."
Metodologia do ZEE-SP e a gestão territorial
Em relação às diretrizes apresentadas no decreto, Sueli Furlan afirmou que várias delas discorrem sobre restauração, mas faltam propostas que confrontem os sistemas produtivos. Por exemplo, se o PIB do estado for sustentado por ações que degradam o meio ambiente, e continuar havendo degradação em favor da economia, então essa ação está entre os "usos que devoram a funcionalidade dos recursos naturais". Para ela, é positivo que a ZEE consolide muita informação, mas esse é um ponto de partida para mudar a ocupação da terra.
No produto final do zoneamento, são levadas em conta as terras indígenas e quilombolas, populações tradicionais, desigualdades sociais, biodiversidade, mudanças climáticas e produção de energia limpa. "Um espectro grande de intenções em que acreditamos enquanto pesquisadores, mas que também nos decepcionamos, porque o retorno para a sociedade não aparece devido à falta de continuidade dos governos", afirmou Jurandyr.
"O que acontece nos estudos de zoneamento é que a produção de um documento técnico-científico bem embasado não pode ser pensada no prazo do gestor ambiental do momento, e sim em prazos curtos, médios e longos." Ele apontou que há uma distância entre quem produz o conhecimento e quem usufrui dele. Os gestores públicos têm foco na atualidade, mas não pensam no futuro. "Esse é o primeiro grande defeito", afirmou o geógrafo.
Em relação à gestão, Jean Metzger disse que, muitas vezes, nas escalas municipais, não há competência para fazer uso dos dados. Modelagem, cruzamento, qualificação e análise de dados precisam ser feitos como base para tomadas de decisão. Por isso, acredita que há oportunidade de criar uma instituição que una governo e academia no uso do instrumento, e que centros de síntese como o USP Cidades Globais podem "fazer a interface da ciência com política pública".
Na visão de José Carlos Mierzwa, o documento cumpre o que propõe, que é apresentar um diagnóstico para o estado a partir do qual os entes possam estruturar políticas públicas e trazer melhorias de qualidade de vida para a população com estruturas sustentáveis.
Marcos Buckeridge, coordenador do USP Cidades Globais e diretor do Instituto de Biociências da USP, participou da abertura do evento. Hugo Rogério de Barros e Ivan Maglio, pós-doutorandos do USP Cidades Globais, foram moderadores de dois painéis. Moacir Arruda, analista ambiental do quadro permanente do Ibama/ICMBio, participou como expositor. O encerramento foi feito por Pedro Roberto Jacobi, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) e do IEA.