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Pesquisadores analisam o Zoneamento Ecológico-Econômico paulista

por Beatriz Herminio - publicado 04/04/2022 16:55 - última modificação 05/04/2022 10:12

No seminário UrbanSus "Reflexões sobre a Proposta de Zoneamento Ecológico-Econômico de São Paulo", convidados avaliaram o documento e debateram sobre o desenvolvimento econômico do estado

O principal problema que o estado de São Paulo enfrenta é a dissociação entre economia e meio ambiente, acredita José Carlos Mierzwa, da Escola Politécnica (POLI) da USP. Sem a proteção ambiental, o modelo de desenvolvimento da região se mostra insustentável.

Cantareira - 30/03/2022
Vista do Parque Estadual da Cantareira, Unidade de Conservação em São Paulo
O Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) é um ponto de partida para mudar a ocupação da terra e propor políticas públicas no território, defende Sueli Furlan, doutora em geografia física. Esse instrumento demonstra a necessidade de repensar nossa relação com o espaço e com as fragilidades do meio biofísico.

As afirmações foram feitas no seminário UrbanSus "Reflexões sobre a Proposta de Zoneamento Ecológico-Econômico de São Paulo", realizado no dia 30 de março e organizado pelo Centro de Síntese USP Cidades Globais, do IEA. O evento analisou a proposta para o ZEE apresentada pelo governo paulista em dezembro de 2021 (Decreto 66.002/21) e que hoje encontra-se em fase de consulta pública. Os convidados avaliaram as diretrizes e possibilidades desse instrumento, com o objetivo de encaminhar à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente um relato com os resultados do encontro.

O Zoneamento Ecológico-Econômico

O ZEE do Estado de São Paulo é um instrumento de planejamento ambiental que estabelece diretrizes de ordenamento e gestão do território. Ele tem como objetivo compatibilizar o desenvolvimento socioeconômico com a proteção ambiental.

Como pontos positivos do ZEE, Jean Metzger, professor de ecologia na USP, aponta a junção, organização e disponibilização de dados úteis para planejamento territorial no estado como um todo. O ZEE também apresenta transparência na utilização de indicadores, o que permite críticas e aperfeiçoamentos. "Apesar de o ZEE ser essencialmente um diagnóstico, ele abre uma oportunidade única de se pensar em novas formas de empregar inteligência para fazer interface entre os dados e as políticas públicas", afirmou Metzger no evento.

A pressão de ONGs internacionais sobre o Banco Mundial, devido ao financiamento do desmatamento no Brasil na década de 1990, e a presença de artigos que abordavam a proteção ambiental na Constituição de 1988 foram apontados pelo geógrafo Jurandyr Ross como fatores que levaram aos projetos de ZEEs no Brasil no final do século 20. A partir daquele momento, se um estado como o Mato Grosso quisesse fazer investimentos altos em obras de infraestrutura, deveria realizar o zoneamento do território considerando as reservas indígenas e as áreas de conservação presentes na região, por exemplo.

Maria da Penha - 30/03/2022
Maria da Penha Vasconcellos na abertura do evento, realizado de forma híbrida
Essa dimensão política do ZEE o torna extremamente importante, segundo Maria da Penha, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. "Esperamos que o ZEE de São Paulo norteie e desenvolva com os gestores e comunidades locais e regionais a cultura da conservação, preservação e regeneração da biodiversidade ambiental." Ela manifestou a esperança de que ele também permita o planejamento de políticas que reduzam as desigualdades econômicas, favoreçam maiores oportunidades a pessoas vulneráveis, estimulem a desconcentração de riquezas e colaborem no nível local e regional com o enfrentamento das emergências climáticas do estado.

Desenvolvimento socioeconômico e ambiental

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Eventos

Para
Arilson Favareto, da Universidade Federal do ABC (UFABC), o ZEE é um instrumento que apresenta ressalvas em torno de sua implementação, mas é uma ferramenta avançada por tratar de temas complexos. Observando suas décadas de existência, foi possível notar que os ZEEs se prestam a diferentes usos.


Na prática, ele afirmou, os ZEEs são utilizados para legitimar decisões. Na Amazônia, já serviu como fonte de informação tanto para melhorar as conservações e investimentos quanto para rever os contornos das Unidades de Conservação (UCs) e as políticas ambientais, no sentido de "afrouxamento", não de seu aperfeiçoamento. "É preciso muita atenção para a maneira como o ZEE pode ser utilizado para informar a atuação dos agentes públicos e privados", reiterou.

Pensando no desenvolvimento econômico, destacou que as economias do século 21 devem se basear na redução de desigualdades e em novas relações entre sociedade e natureza. O ZEE oferece possibilidades para isso, mas ainda há temas a serem abordados para seu funcionamento. É o caso das diretrizes propostas, que são diversas, genéricas e amplas. Para que se concretizem, é preciso pensar como coordená-las em diferentes níveis de governo.

Apesar de São Paulo ser visto como um estado desenvolvido, a região é muito fragmentada e apresenta bastante desigualdade, por isso necessita de projetos estratégicos que "refundem um modelo de desenvolvimento econômico mais coerente com os desafios do século 21", afirmou.

"Se discutia muito levar o ZEE para Casa Civil e retirar do Ministério do Meio Ambiente", apontou Marcos Dal Fabbro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Para ele, o fato de o ZEE estar alocado na Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo é uma garantia da força do debate sobre as questões ambientais em sua formulação. Mas faz uma ressalva: o diálogo com a sociedade é essencial para a efetividade desse instrumento.


 

"O que acontece nos estudos de zoneamento é que a produção de um documento técnico-científico bem embasado não pode ser pensada no prazo do gestor ambiental do momento, e sim em prazos curtos, médios e longos."

Metodologia do ZEE-SP e a gestão territorial

Em relação às diretrizes apresentadas no decreto, Sueli Furlan afirmou que várias delas discorrem sobre restauração, mas faltam propostas que confrontem os sistemas produtivos. Por exemplo, se o PIB do estado for sustentado por ações que degradam o meio ambiente, e continuar havendo degradação em favor da economia, então essa ação está entre os "usos que devoram a funcionalidade dos recursos naturais". Para ela, é positivo que a ZEE consolide muita informação, mas esse é um ponto de partida para mudar a ocupação da terra.

No produto final do zoneamento, são levadas em conta as terras indígenas e quilombolas, populações tradicionais, desigualdades sociais, biodiversidade, mudanças climáticas e produção de energia limpa. "Um espectro grande de intenções em que acreditamos enquanto pesquisadores, mas que também nos decepcionamos, porque o retorno para a sociedade não aparece devido à falta de continuidade dos governos", afirmou Jurandyr.

"O que acontece nos estudos de zoneamento é que a produção de um documento técnico-científico bem embasado não pode ser pensada no prazo do gestor ambiental do momento, e sim em prazos curtos, médios e longos." Ele apontou que há uma distância entre quem produz o conhecimento e quem usufrui dele. Os gestores públicos têm foco na atualidade, mas não pensam no futuro. "Esse é o primeiro grande defeito", afirmou o geógrafo.

Em relação à gestão, Jean Metzger disse que, muitas vezes, nas escalas municipais, não há competência para fazer uso dos dados. Modelagem, cruzamento, qualificação e análise de dados precisam ser feitos como base para tomadas de decisão. Por isso, acredita que há oportunidade de criar uma instituição que una governo e academia no uso do instrumento, e que centros de síntese como o USP Cidades Globais podem "fazer a interface da ciência com política pública".

Expositores UrbanSus - 30/03/2022Na visão de José Carlos Mierzwa, o documento cumpre o que propõe, que é apresentar um diagnóstico para o estado a partir do qual os entes possam estruturar políticas públicas e trazer melhorias de qualidade de vida para a população com estruturas sustentáveis.

Marcos Buckeridge, coordenador do USP Cidades Globais e diretor do Instituto de Biociências da USP, participou da abertura do evento. Hugo Rogério de Barros e Ivan Maglio, pós-doutorandos do USP Cidades Globais, foram moderadores de dois painéis. Moacir Arruda, analista ambiental do quadro permanente do Ibama/ICMBio, participou como expositor. O encerramento foi feito por Pedro Roberto Jacobi, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) e do IEA.