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Bioeconomia pode ser alternativa para preservação e desenvolvimento da Amazônia, dizem pesquisadores

por Letícia Martins Tanaka - publicado 30/09/2020 11:15 - última modificação 06/10/2020 20:38

Sistema florestal amazônico está perto de não conseguir se recuperar das queimadas pode virar uma savana

A necessidade de ampliar os esforços para a conservação da floresta amazônica voltou ao centro do debate graças ao aumento das taxas de desmatamento nos últimos anos. “A gente vê essa explosão de incêndios desde agosto do ano passado, associados com a expansão das fronteiras agrárias, principalmente para pastagens e soja”, alertou o cientista ambiental Carlos Afonso Nobre, pesquisador colaborador do IEA. “Se passarmos de 20% a 25% de área desmatada - e já estamos em 17%, ultrapassaremos esse ponto e não haverá volta.”

Desmatamento

A conservação da Amazônia voltou a ter repercussão global em 2019, quando dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelaram uma alta nas taxas de desmatamento da floresta. Na época, o governo federal afirmou que os dados eram falsos, e o então diretor do Inpe, Ricardo Galvão, foi exonerado por defender a metodologia do instituto, que registrara aumento de 88% do desmatamento da Amazônia.

Galvão participou do evento Amazônia: Alternativas à Devastação e lamentou: “Infelizmente houve a destruição do protagonismo e prestígio do Brasil em questões climáticas, principalmente na preservação da Amazônia”, disse.

Em setembro deste ano, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que a divulgação de dados negativos pelo instituto era parte de uma conspiração de funcionários do instituto. "É alguém lá de dentro que faz oposição ao governo. Eu estou deixando muito claro isso aqui. Aí, quando o dado é negativo, o cara vai lá e divulga. Quando é positivo, não divulga”, disse.

Lúbia Vinhas, pesquisadora do Inpe que também esteve no evento, explicou que a metodologia do instituto é regida por consistência nos dados, transparência de informação e propósito de monitoramento. “O Inpe construiu essa maneira transparente de trabalhar, os dados estão lá [no site]. Se o tema é relevante, as pessoas confiam e vão ao Inpe buscar. Mas acho que o vice-presidente se equivocou. Eu não vejo isso em nenhuma hipótese, conhecendo a equipe técnica e os gestores responsáveis pelo monitoramento”, argumentou.

Nobre e outros oito pesquisadores ligados ao estudo da Amazônia, povos amazônicos e bioeconomia participaram do evento Amazônia: Alternativas à Devastação. Realizado nos dias 15 e 16 de setembro, o webinar foi organizado pelo Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade do IEA. Os vídeos podem ser vistos na íntegra no site.

Segundo Nobre, o bioma amazônico está passando por um processo de savanização, devido à queda da umidade e aumento das temperaturas globais, intensificados pelo desmatamento.

Os pesquisadores não negam a importância de explorar os potenciais econômicos da Amazônia. No entanto, é consenso entre eles que o desenvolvimento da região deve acontecer de forma sustentável, preservando a biodiversidade e inserindo os povos da região como participantes ativos dessa economia.

Para pensar alternativas à exploração predatória na Amazônia, Josué da Costa Silva, geógrafo e professor da Universidade Federal de Rondônia, ressalta a necessidade de repensar o conceito de progresso. “É preciso fazer mudanças radicais nas ideias que hoje são aceitas pelo desenvolvimento para promover uma discussão que vá além da questão econômica”, afirmou. O professor argumenta a necessidade de retomar a ideia de “bem-viver” para pensar soluções para o futuro. Ele explicou que o conceito visa a um futuro com respeito à natureza, ao homem, à mulher, a diversidade e a inclusão.

Neste contexto, Ivani Faria, geógrafa e pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas, defendeu a necessidade de reconhecer que as populações locais têm conhecimentos e organizações sociais e econômicas diferentes, voltadas para o bem-viver. “Essas formas precisam ser conservadas e compreendidas para a formulação de políticas públicas endógenas e efetivas para essas comunidades”, argumentou Ivani. A pesquisadora, no entanto, lamentou a existência de uma desvalorização das cadeias produtivas da sociobiodiversidade, dos conhecimentos e das tecnologias que vêm do território e da terra.

Na opinião de Ricardo Abramoway, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE), o desenvolvimento de uma economia da sociobiodiversidade da floresta deve ser norteado pela ciência, tecnologia e conhecimento, incluindo os saberes dos povos da floresta, que podem ser fontes de inspiração. Porém, ele afirmou que “um dos desafios mais importantes é que essa economia tenha uma expressão econômica significativa”, disse Abramoway. “Empresas estão sendo criadas justamente para enfrentar o desafio de ampliar a oferta dos produtos, mantendo as propriedades biológicas e respeitando a riqueza material e espiritual dos povos da floresta”, completou.

Também estiveram presentes no evento o professor Ricardo Galvão, do Instituto de Física da USP (IF) e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); a pesquisadora do Inpe, Lúbia Vinhas e o pesquisador do Ministério da Ciência, Tecnologia e Telecomunicações Roberto Araújo. Os seminários foram mediados pelos membros do Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Sociedade, Wagner Costa Ribeiro e Pedro Roberto Jacobi, atual coordenador.

Projetos no IEA

O projeto Amazônia 4.0, ancorado no IEA e apresentado por Nobre no seminário, propõe um desenvolvimento alternativo à produção agropecuária e ao extrativismo nocivo na região. “Estamos trabalhando com conceitos de economia baseada na biodiversidade, que implica trazer os conhecimentos modernos e equilibrá-los com o conhecimento indigena milenar num círculo virtuoso. Usando também as ferramentas da quarta revolução industrial, [podemos] explorar economicamente de forma sustentável e com equidade social”. Duas estratégias do projeto são os Laboratórios Criativos da Amazônia (LCA) e a Rainforest Business School.

O LCA é composto de laboratórios móveis e portáteis, que funcionam como biofábricas e capacitam comunidades e alunos em universidades para a operação de linhas de produção da industrialização de recursos amazônicos, como cacau, cupuaçu, castanha, entre outros. Esses laboratórios terão tecnologias capazes de realizar sequenciamento genômico de plantas, animais e microorganismos. A primeira biofábrica, voltada para cupuaçu e cacau, já está sendo construída e, segundo Nobre, deve ficar pronta em fevereiro do ano que vem.

Desenvolvido no IEA e na Universidade Federal do Amazonas, a Rainforest Business School é um projeto para construir um currículo de negócio sustentável, voltado à discussão e inovação dos modelos de desenvolvimento em florestas tropicais, com tecnologia e conhecimentos encontrados nos LCAs. “Estamos projetando ainda, mas estou esperançoso que vamos construir uma escola de floresta em pé inovadora e que ainda não existe em nenhum lugar do mundo”, comentou Nobre.