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Coalizão global será necessária para evitar novas pandemias, dizem especialistas

por Letícia Martins Tanaka - publicado 11/09/2020 15:07 - última modificação 11/09/2020 15:07

O evento "A Pandemia e a Ética" levantou questões sobre os erros éticos na gestão da pandemia de Covid-19 e o que devemos aprender para o futuro

A Covid-19 se tornou uma pandemia em seis semanas, revelando que “um país sozinho não consegue segurar uma doença, muito menos impedir que chegue no seu território”, como avaliou Paulo Saldiva, ex-diretor do IEA e professor da Faculdade de Medicina da USP (FM-USP). “Depende de articulação sistêmica, depende de conceitos como empatia, solidariedade, transparência”, disse. Ele e Margareth Dalcolmo, especialista em doenças respiratórias da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), participaram do webinar “A Pandemia e a Ética”, realizado pelo IEA no dia 29 de julho. O debate teve mediação do filósofo Renato Janine Ribeiro, professor honorário do IEA.

O evento discutiu as novas questões éticas levantadas pela pandemia da Covid-19 e os caminhos possíveis para melhorar a gestão de futuras crises globais. Considerando que as doenças estão se espalhando mais rapidamente, os participantes do debate defendem que é necessário ter como valor ético a construção de um futuro que evite os danos causados por catástrofes como a causada pelo coronavírus.

Para Margareth coalizões internacionais são inarredáveis, mas para isso é preciso que os países e os governos saiam de qualquer veleidade obscurantista. “Esse momento que o mundo está vivendo exige uma grandeza que, atualmente, não vejo. Vivemos em um momento historicamente muito ruim, quando os valores mais elementares e humanos estão sendo vilipendiados em nome de qualquer outra coisa”, alegou Margareth. A Pandemia e a ética - Imagem

Os casos de países confiscando insumos já comercializados e, de quebra, contratos de venda para especulação destes insumos também preocupam os debatedores. “Nós estamos fazendo política de mercado. Se não tivermos um investimento a fundo perdido para estarmos prontos para os próximos vírus, vamos ter mortalidade”, comentou Saldiva. Na opinião dele, caso não sejam feitos tais investimentos, as perdas derivadas do arrefecimento da economia serão muito maiores do que os gastos para manter uma estrutura globalizada funcionando. “Precisamos redescobrir o prazer em fazer o certo sem recompensa ou mensuração”, argumentou.

Apesar de terem ganhado holofote durante a pandemia, muitos dos problemas sociais e éticos já existiam antes, como foi ressaltado no debate. “Tudo foi desnudado de uma maneira absolutamente obscena, sobretudo num país como o Brasil, uma das maiores concentrações de renda do mundo”, afirmou Margareth. Diante de notícias de aglomerações públicas e que de pessoas que se recusam a usar máscaras, a especialista complementou: “O entendimento do direito coletivo é violado quando aqui no Rio de Janeiro, por exemplo,  ficou todo mundo em uma rua do Leblon. Eu descrevi como ato de arrogância, porque elas ali totalmente desprotegidas, aglomeradas e desrespeitando os trabalhadores que estavam ali servindo e usando máscara”.

Conforme mostraram alguns estudos, adensamento populacional e uso do transporte público são fatores que impactam na forma como a doença se espalha pela cidade e nos índices de mortalidade. Saldiva lembra que a mortalidade na cidade de São Paulo se concentra em bairros de baixo índice socioeconômico e como mostrou a professora Raquel Rolnik, da FAU-USP, também está atrelada ao uso de transporte público. “São pessoas que, por pouca resiliência econômica, têm que se locomover em transporte público. Nós, que nos servimos dessas pessoas, temos que pensar se temos o direito ético ou não de exercer essa pressão naqueles que menos têm”, comentou o professor.

Ao complementar Saldiva, Margareth afirma que o saneamento básico e a educação também precisam ser melhor preparadas para evitar novas tragédias pandêmicas. “A realidade de saneamento no Brasil é, talvez, a coisa mais constrangedora, e não falo dos sertões ou lugares remotos, falo das periferias, das comunidades”, disse a médica. Para a especialista em doenças respiratórias, também “não é possível que ainda possa existir em 2021 alguém que não saiba a ler, que não tenha acesso à educação básica. Educação, saúde e saneamento são os bens mais preciosos para ter espírito crítico e, assim, criar um futuro mais consciente”, finalizou.