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Debate reúne autores do manifesto "A USP Precisa Mudar"

por Sandra Codo - publicado 15/08/2009 00:00 - última modificação 09/10/2014 10:59

"A USP Precisa Mudar" é o tema do debate que o IEA realiza no dia 3 de setembro, às 14h30, com os sete docentes autores do manifesto homônimo divulgado no início de agosto.

"A USP Precisa Mudar" é o tema do debate que o IEA realiza no dia 3 de setembro, às 14h30, com os sete docentes autores do manifesto homônimo divulgado no início de agosto (leia o documento abaixo).

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A USP Precisa Mudar

O debate terá início com a leitura do manifesto por Renato Janine Ribeiro (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), um dos seus autores. Em seguida haverá um debate reunindo Ribeiro e os demais signatários do manifesto: Adalberto de Fazzio (Instituto de Física), Hernan Chaimovich (Instituto de Química), Jorge Kalil Filho (Faculdade de Medicina), Marco Antonio Zago (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto), Vahan Agopyan (Escola Politécnica) e Glauco Arbix (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e IEA), que coordenará o encontro.

O debate acontece no Auditório Alberto Carvalho da Silva, sede do IEA, Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J, 374, Edifício da Antiga Reitoria, Cidade Universitária, São Paulo. As vagas são limitadas.

MANIFESTO

A USP precisa mudar

A Universidade precisa mudar. A USP precisa modernizar-se sem perder suas tradições de qualidade. A USP precisa assumir suas responsabilidades para com a sociedade que a mantém. O momento de escolha do novo reitor é um momento apropriado para levantar idéias - para pensar grande! Não importa qual candidato cada um de nós irá apoiar: quem for eleito deve garantir a excelência de nossa instituição num quadro novo do mundo e do conhecimento, combinando a tradição de qualidade da USP com a agilidade necessária no mundo moderno.

As mudanças globais acentuadas pela recente crise criaram novos eixos de poder político e econômico no mundo e apontaram novas prioridades, gerando oportunidades para o Brasil. Se nossa Universidade está entre as que têm maior projeção no mundo, o dado decisivo é que ela figura entre as cinco primeiras dos países que hoje, mais que antes, estão de fato emergindo. Neste quadro, o papel da USP pode ser decisivo para que nosso país cresça e assuma o lugar por que todos ansiamos. Para o futuro chegar, a USP precisa mudar. As mudanças implicam fortalecer os critérios de qualidade em todas as suas ações e mecanismos de gestão, a começar pela escolha de seu próprio reitor, favorecendo o predomínio da academia sobre os interesses menores. Isso exige subordinar os procedimentos burocráticos e de gestão às atividades-fim, despindo-os dos seus componentes ritualísticos e cartoriais.

A forma de escolha do reitor da USP precisa ser modificada no primeiro ano da futura gestão. É necessário assegurar uma participação mais ampla e representativa do conjunto da universidade na decisão final, sempre com o objetivo de aprimorar a qualidade das atividades-fim da universidade. Novas formas de escolha do reitor devem ser discutidas com a comunidade acadêmica. Seja pelo reforço do atual colégio eleitoral do primeiro turno ou pela sua ampliação, estamos de acordo quanto à premência da mudança, quanto à importância de que qualquer reforma preserve e aumente a qualidade da USP, e quanto a pelo menos a eliminação do atual colégio do segundo turno.

Porém, as mudanças na estrutura do poder são apenas parte das alterações que garantam a melhora da qualidade de nossa instituição. Temos grupos fortes e altamente competitivos, ao lado de grupos incipientes ou que necessitam crescer ou se aperfeiçoar. A existência de grupos ou cursos de reduzida relevância acadêmica, quer no ensino ou na pesquisa, é sim responsabilidade da reitoria e das diretorias, e exige formas criativas de intervenção por parte das autoridades acadêmicas, visando a garantir que uns mantenham ou ampliem a sua liderança e outros passem a estar à altura da missão da USP. A instituição tem que atuar em conjunto, sinérgica e complementarmente, evitando a competição interna que arrisca desagregar o ethos comum da universidade.

A liderança e a competência intelectual de muitos Professores da USP edificaram a tradição de qualidade desta Universidade. Grupos e cientistas bem sucedidos também trazem significativas contribuições para a universidade, aplicadas em equipamentos, laboratórios, reagentes, instrumentos e bolsas. Mas as dificuldades criadas para infra-estrutura e gestão, acompanhadas muitas vezes de atitudes de rejeição à liderança destes cientistas nas estruturas departamentais, levaram a seu progressivo afastamento da vida da universidade: buscaram isolamento e independência, recorreram a mecanismos ágeis de gestão de recursos extra-universitários. Esses grupos têm que ser ativamente reincorporados ao funcionamento da instituição, seus líderes precisam receber incumbências compatíveis com sua expressão científica, os entraves administrativos e de gestão de recursos necessitam ser resolvidos e simplificados, para que a própria universidade possa assumir todas ou a maior parte das ações conduzidas por centenas de entidades que a ela vão se somando de forma incontrolada. Essas seriam importantes medidas para conter as forças centrífugas que tendem a desagregar a USP.

A USP tem o maior quadro de pesquisadores e especialistas entre as universidades brasileiras. Não pode isolar-se: sem se partidarizar, tem que dialogar com os governos e com a sociedade que a mantém. Além de sua missão educacional, a USP tem o dever de criar conhecimento, contribuir com soluções e prover especialistas para resolver gargalos e ajudar a promover o desenvolvimento do país.

Os desafios que o Brasil enfrenta são de duas ordens: déficits e oportunidades. O rol de tópicos nos quais a intervenção da USP pode ser de grande valor é muito amplo, e a título de exemplo dos nossos déficits sociais podemos lembrar a violência com suas múltiplas raízes; a desigualdade em todas as suas dimensões; a crescente poluição; o desnecessário antagonismo entre por um lado o desenvolvimento e por outro a biodiversidade e a culturodiversidade (por exemplo, a extinção de línguas indígenas, o estudo de culturas como a coreana e a boliviana, dois povos que estão se incorporando ao nosso dia a dia); o risco de que a capital de S. Paulo seja paralisada pelo trânsito, abafando sua pujança econômica, social e cultural; a extraordinária mudança do perfil demográfico, em que o crescente aumento da proporção de idosos se associa à extrema redução da natalidade, fenômeno que já afeta todas as atividades, do atendimento à saúde até o planejamento urbano, passando pelas relações de trabalho e a previdência social. Mas a maior contribuição que a USP precisa e pode dar ao país e ao Estado de S. Paulo, em proporção muito maior do que o faz, é com relação à educação em todos os níveis.

E há também as grandes oportunidades para o Brasil: podemos ser a primeira potência ambiental do planeta, temos especialistas capazes de liderar os grandes desafios que vão ditar o ritmo do crescimento dos diferentes países, como a biotecnologia, a nanotecnologia, a geração sustentável de energia, o uso da água. Nossa diversidade cultural pode revelar fontes de riquezas insuspeitas, que podem se converter em contribuições científicas, tecnológicas e sociais inovadoras.

A USP tem uma responsabilidade especial com o ensino de graduação especialmente com a qualidade e com as mudanças necessárias num mundo de profissões mais variadas, de uso intenso de instrumentos de educação a distância, de educação continuada de estudantes, profissionais e professores, com a criação, revisão, fusão e extinção de cursos. Ela deve levar cada vez mais em conta seu papel de propor modelos e iniciativas inovadoras, em lugar de repetir aquilo que outras instituições podem fazer em volume maior. Ela deve renovar a formação universitária, para que nossos alunos enfrentem uma vida que só pode ser abordada de forma interdisciplinar; deve entender que as profissões se multiplicaram e nem sempre estão ancoradas num diploma.

Para isso, a estrutura acadêmica e departamental tem que ser reformada, para se liberar do imobilismo e da burocracia que subordina o mérito ao rito. A burocracia universitária não é produto exclusivamente de uma elite de servidores, mas também do conservadorismo dos professores, especialmente aqueles encastelados em posições administrativas ou em milhares de comissões da universidade ou das unidades. Cabe ao reitor e pró-reitores quebrar a estagnação derivada do exercício cego e repetitivo das rotinas e observância inquestionável de regras que deveriam ser fugazes e transitórias e não transformadas em leis imutáveis.

A USP tem mais que o dobro dos programas de pós-graduação do que a universidade subseqüente. Abrange quase todos os setores do conhecimento em seus mais de 200 programas, 90% deles incluindo doutorado, caracterizados por alta qualidade e liderança. A USP já formou mais de metade dos doutores do Brasil, e hoje titula quase um quarto: essa própria redução é uma das provas de seu sucesso, pois grande parte dos novos programas de pós-graduação são liderados por egressos da USP, que hoje se encontram em todas as unidades da federação e em praticamente todas as universidades brasileiras. O Sistema de Pós-Graduação do Brasil deve seu formato e sucesso atuais em grande medida à USP. Por isso mesmo, cabe à USP a grande responsabilidade de renovar a pós-graduação. Sem abandonar as metas quantitativas, deve ela focalizar-se nos seus novos desafios, como por exemplo fazer um grande esforço para cursos que extrapolem as barreiras disciplinares clássicas, que lidem com a complexidade do mundo e do saber, em novas formas de articular os grupos de pesquisa e as áreas de pensamento. Nesta nova visão deve ter um lugar muito proeminente o pós-doutorado, principalmente tendo em vista que os docentes e pesquisadores de todo o sistema brasileiro de pós-graduação, espalhado nas universidades mais tradicionais e naquelas que estão sendo expandidas, precisarão de apoio importante para manter e consolidar suas atividades científicas. Essa talvez seja a contribuição mais relevante que a USP possa dar no futuro para o sistema universitário brasileiro.

A avaliação é instrumento central na de gestão em qualquer instituição, pública ou privada. Avaliação é, também, elemento chave na definição de metas e na prestação de contas à sociedade. Avaliação de metas deve fazer parte da vida diária da USP, em todos os níveis. Não pode ser um fenômeno episódico, um exercício amadorístico, nem ser o foco de pressões de grupos variados dentro da própria universidade para controlar-lhe os desfechos. Deve ser um processo cujo produto final, no lugar de apenas alimentar as páginas dos noticiários, sirva à Reitoria, às diretorias e ao próprio governo para melhorar o desempenho da USP.

Em suma, precisamos de uma universidade dinâmica que, sem abandonar suas raízes, se mostre aberta às mudanças que garantam sua excelência. Seu reitor necessitará de autoridade científica, representatividade acadêmica e compromisso social para fortalecer as boas potencialidades, reunificando a instituição, restaurando-lhe o entusiasmo e o vigor, qualidades que devem estender-se a todos os que venham a participar da gestão. Somos nós, todos os que se empenham na qualidade universitária, que precisamos dizer como a USP deve ser, e buscar um reitor que tenha compromisso com as melhores idéias e real possibilidade de executá-las. Exortamos nossos colegas a trazer a público suas idéias mais preciosas, seus ideais mais valiosos, para que a sucessão reitoral ultrapasse a simples escolha de um nome e seja a ocasião de se reafirmar a ousadia científica e a responsabilidade social de nossa universidade.

Adalberto de Fazzio
Instituto de Física da USP

Glauco A. Truzzi Arbix
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

Hernán Chaimovich Guralnik
Instituto de Química da USP

Jorge Kalil Filho
Faculdade de Medicina da USP

Marco Antonio Zago
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP

Renato Janine Ribeiro
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

Vahan Agopyan
Escola Politécnica da USP