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Envelhecimento saudável depende da qualidade do ambiente urbano, avaliam pesquisadores

por Beatriz Herminio - publicado 16/03/2022 16:50 - última modificação 18/03/2022 15:09

O envolvimento ativo na vida em sociedade, a prevenção de doenças e o bom funcionamento cognitivo e físico são fundamentais para garantir o envelhecimento com saúde, segundo pesquisadores no evento "Envelhecimento Saudável e Ambiente Urbano"

Envelhecimento saudável
O exercício físico está entre as práticas do envelhecimento ativo (Foto: Prefeitura de Jundiaí)
A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que até 2050 a população com mais de 60 anos chegará a 2 bilhões de pessoas em todo o planeta. Com uma transição demográfica dessa escala, diversas pesquisas buscam entender como é possível promover o envelhecimento saudável, que pressupõe baixa chance de doença, bom funcionamento cognitivo e físico e envolvimento ativo na vida em sociedade.


O evento "Envelhecimento Saudável e Ambiente Urbano", que aconteceu no dia 8 de março, debateu o papel do ambiente urbano nesse desafio e propostas para torná-lo mais saudável e amigável à população idosa. O encontro foi organizado pelo
Grupo de Estudos Espaço Urbano e Saúde, do IEA.

Ambiente amigável

Para entender como os ambientes físico e social influenciam o envelhecimento saudável, o conferencista Thiago Hérick de Sá destacou que é preciso considerar que o processo de urbanização não ocorre de forma homogênea, tanto entre países como dentro das próprias populações. "Nas cidades brasileiras, temos uma trajetória ascendente, uma urbanização rápida, desigual e muitas vezes descontrolada. Nos dá um paralelo do que acontece em muitas cidades da África e da Ásia", em países como Gana e Bangladesh, afirmou. Esse fator tem influência no próprio planejamento urbano e na construção de cidades mais humanizadas. Thiago é doutor em nutrição pública pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e trabalha com ambiente urbano saudável no departamento Age-Friendly Environments da OMS.

Uma comparação da OMS entre a expectativa de vida das pessoas existentes e a expectativa de vida ao nascer de novas pessoas do ano 2000 a 2019 mostra que estamos vivendo mais, mas não necessariamente melhor. Segundo Thiago, alguns fatores que determinam o ambiente e o contexto em que os indivíduos vivem são: lar e infraestrutura; as relações sociais; atitudes e valores; e as políticas sociais e de saúde.

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Ele expôs dois conceitos para entender o impacto do ambiente nas pessoas: a capacidade intrínseca – que diz respeito às capacidades do indivíduo que tendem a se perder com o envelhecimento, como a capacidade de andar; e a capacidade funcional – que corresponde às capacidades intrínsecas associadas ao que o ambiente pode oferecer, como tecnologias assistivas, transporte público acessível, modificações habitacionais e assistência pessoal para as atividades diárias.

Um ambiente amigo do envelhecimento saudável seria, portanto, "um ambiente que promove o envelhecimento saudável e ativo ao longo da vida e que permite que você prolongue as suas capacidades intrínsecas e garanta suas capacidades funcionais até o fim da vida", pontuou. De acordo com a OMS, as cidades e comunidades amigas das pessoas idosas precisam de atividades que perpassem domínios relacionados aos serviços públicos, serviços municipais, e aos ambientes físico e social.

Isso quer dizer que, ao sair de casa e caminhar até o mercado, uma pessoa idosa deve poder encontrar habitações acessíveis, bairros seguros, bancos para descansar, banheiros públicos, calçadas e travessias disponíveis por toda a parte, serviços de suporte, transporte público acessível e atendentes receptíveis. A OMS mantém um registro de cidades amigáveis pelo mundo, e é possível inscrever as ações praticadas em cada local.

Laís Fajersztajn, membra da Latin American and Caribbean Consortium on Dementia e pesquisadora do IEA, apresentou um trabalho em andamento que busca entender a relação entre local de moradia (distância das vias de tráfego intenso) e patologias do cérebro relacionadas ao envelhecimento, como problemas cognitivos e a doença de Alzheimer. O estudo foi realizado com o professor Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina (FM) da USP, e outros colaboradores em parceria com o banco de cérebros da faculdade. As amostras são de pessoas falecidas com mais de 50 anos que entraram no banco do cérebro da FMUSP entre 2004 e 2013.

Apesar de apresentar limitações, como falta de dados sobre o tempo de moradia, Laís afirmou que o estudo não mede exatamente a poluição do ar, mas sim uma série de condições do ambiente que influenciam os resultados, bem como questões socioeconômicas, pois o tempo despendido no trânsito (daqueles que moram mais longe das grandes vias de tráfego) para deslocamento seria um fator importante no contato com a carga de poluição. Segundo a doutora em ciências pela FM-USP, os resultados preliminares mostram um indício forte de que o ambiente está influenciando a cognição dos idosos em São Paulo.

Sentido do envelhecimento

Saldiva acredita que em cidades grandes há o benefício da invisibilidade, que pode corresponder a uma certa liberdade de viver sem julgamentos. Com o tempo, essa invisibilidade pode se tornar uma "maldição", conforme se perdem laços e redes de suporte físico e emocional ao envelhecer. Para ele, uma cidade saudável é aquela que dá sentido para o cidadão acordar no dia seguinte, independentemente de sua vulnerabilidade.

"Se a saúde é desigual no mundo, em todos os indicadores, talvez o maior nível de desigualdade se encontre nos idosos de regiões pobres em relação aos mais ricos", apontou Saldiva.

Para o professor, além das políticas públicas citadas, seria preciso identificar as redes de colaboração social da microcomunidade, ou seja, de que forma as comunidades "sobrevivem às vicissitudes da vida" e estabelecem ajuda mútua, principalmente quando há falta de políticas públicas. Da mesma forma, "a questão da regulamentação do trabalho urbano compromete o sentido da sua vida quando ele passa a ser pagar boleto e trabalhar longas horas sem que você possa cuidar de si e das pessoas que você gosta e investir na sua própria saúde", afirmou Saldiva.

Envelhecimento ativo

Paulo Saldiva, Lígia Vizeu e Thiago Hérick de Sá
Da esquerda para a direita: Paulo Saldiva, Thiago Hérick de Sá e Ligia Vizeu com conferencistas em transmissão
O envelhecimento ativo foi conceituado pela OMS, antevendo as mudanças demográficas que o mundo estava sofrendo em razão da longevidade. Segundo Egídio Dorea, doutor em nefrologia pela USP, o termo diz respeito ao fenômeno de envelhecimento social no qual, com o aumento da expectativa de vida, é permitido às pessoas uma maior participação em trabalhos formais e atividades não remuneradas, bem como manter vidas saudáveis, autônomas e independentes. Dorea apontou que esse envelhecimento se baseia em quatro pilares principais: saúde, participação, educação e proteção.

Um fator importante para o envelhecimento saudável apontado pelo médico é a percepção sobre o próprio envelhecimento, pois uma percepção positiva estimula a adoção de hábitos saudáveis e de controle de doenças. Outro fator é a inclusão digital e aprendizado continuado, como forma de inserção na sociedade atual. Dorea apontou que, no Brasil, a primeira cidade "amiga de todas as idades" é Veranópolis, no Rio Grande do Sul. O projeto começou em 2015 e hoje é uma cidade adaptada à população idosa.

Carlos Leite, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do IEA, expôs uma pesquisa realizada pelo Mackpesquisa em 2022 sobre as possíveis relações do ambiente construído em São Paulo com o infarto do miocárdio. O estudo demonstrou que as chances de óbitos de pacientes com menos de 60 anos que vivem mais próximos aos equipamentos relacionados a atividades físicas diminuem significativamente em comparação aos que vivem mais longe. Segundo ele, a pesquisa demonstra que se a cidade tivesse equipamentos relacionados a atividades físicas a uma distância média de 1km de seus moradores, teríamos uma cidade mais saudável no que se refere a doenças do coração.

Como referências para informações sobre cidades amigáveis de todas as idades, Leite indicou os Bapi (Bairros Amigáveis à Primeira Infância), a Fundação Bernard van Leer, holandesa, e o Guia Global: Cidade Amiga do Idoso, da OMS.

A coordenação do evento foi de Ligia Vizeu Barrozo, professora na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e coordenadora do Grupo de Estudos Espaço Urbano e Saúde.