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As conexões entre investimento público, ensino de engenharia e indústria

por Mauro Bellesa - publicado 09/05/2017 15:35 - última modificação 10/05/2017 15:34

Grupo de Pesquisa Observatório da Inovação e Competitividade/NAP (OIC) realizou no dia 5 de maio o seminário "Engenheiros, Doutores e Desenvolvimento Industrial", com exposição de Luiz Bevilacqua, professor visitante do IEA.
Luiz Bevilacqua - OIC - 5/5/17
Luiz Bevilacqua, professor visitante do IEA

Sem investimento público não há como estimular o avanço tecnológico e a inovação, condição necessária para motivar o interesse pela engenharia, a melhoria na formação dos engenheiros e seu direcionamento para atividades próprias do setor, criando-se assim um círculo virtuoso para o desenvolvimento industrial do Brasil.

Essa é a avaliação do professor visitante Luiz Bevilacqua, emérito da Coppe-UFRJ e membro da Academia Brasileira de Ciências. No dia 5 de maio, ele foi o expositor do seminário Engenheiros, Doutores e Desenvolvimento Industrial, organizado pelo Grupo de Pesquisa Observatório da Inovação e Competitividade/NAP (OIC) do IEA.

Tendo como referência sua vasta experiência como engenheiro na iniciativa privada e em projetos governamentais, professor de graduação e pós-graduação em engenharia e também administrador de organismos públicos, Bevilacqua traçou um panorama histórico da formação e pesquisa em engenharia e das contribuições da área em projetos essenciais para o país.

Ele comentou que antes de 1965 não havia pós-graduação em engenharia e eram poucos os experimentos na área, cujo “grande foco era a engenharia civil”. Graças a alguns investimentos públicos, sobretudo para a construção de Brasília e de hidrelétricas, surgiram oportunidades para empresas ampliarem suas atividades e se dedicarem também a construção de estradas, pontes e outras obras de infraestrutura, explicou.

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Bevilacqua divide o período pós-1965 em três fases: 1965-1990, 1991-2002 e 2003-2014. Ele destaca que a primeira fase foi marcada por grandes investimentos na graduação em engenharia. “Um dos marcos foi a utilização de computadores em 1967. A engenharia de software passou a ser bastante importante, envolvendo cooperação internacional. Também foi um período de aproximação entre as universidades e as empresas.”

Outros avanços importantes daquela fase propiciados pelo investimento estatal foram, segundo ele: o Programa Nuclear para a construção das usinas Angra 1 e Angra 2, o posterior domínio do ciclo de enriquecimento do urânio para uso nas usinas, o início da indústria de defesa, os investimentos no Programa Espacial, a política de substituição de importações na informática e o início da agroindústria.

Ele deu alguns exemplos de como o trabalho foi difícil à época. Disse que quando foi trabalhar na empresa de engenharia Promon, encarregada de construir as usinas, na primeira reunião alguém sugeriu que fosse contratado um consultor estrangeiro. "Isso é um exemplo de um traço cultural brasileiro: 'O medo de enfrentar os problemas'."

“Quando da construção de Angra 1 notamos a importância das normas técnicas, que só são feitas a partir de pesquisa. Tivemos de estudar as normas da KVU [empresa fornecedora da usina] em alemão”. Os códigos computacionais também começaram a ser desenvolvidos por causa dos processos dinâmicos da tecnologia nuclear, afirmou Bevilacqua. A Promon tinhas códigos computacionais desenvolvidos na Coppe melhores do que os dos alemães da KVU, mas "foi preciso um mês de discussões para comprovar que os nossos eram melhores”.

Aquela época presenciou também um grande avanço no desenvolvimento de software para engenharia estrutural, importante para a exploração de óleo e gás em águas profundas, e o apoio institucional (Petrobrás e Coppe-UFRJ) foi fundamental para isso, explicou.

Na segunda fase (1991 a 2003), houve grande progresso na formação de mestres e doutores em engenharia, e a área de automação e robótica teve crescimento significativo, em função das demandas da Petrobras, comentou o expositor”

No entanto, sobreveio o governo Fernando Collor, que iniciou uma inversão de prioridades, com a abertura do mercado à competição com empresas internacionais. "Várias empresas faliram ou foram incorporadas por empresas estrangeiras, entre elas a Metal Leve e a Engesa." Depois, no governo Fernando Henrique Cardoso, "a situação não foi tão drástica para as empresas, mas foi nela que começou a grande atração dos engenheiros pelo mercado financeiro".

Segundo Bevilacqua, na terceira fase (2003 a 2014) houve uma retomada de investimentos, expansão de pesquisa, formação interdisciplinar mais forte, expansão editorial, congressos, inserção internacional e novos cursos de pós-graduação, com a contrapartida da "falta de bons alunos de pós-graduação, uma vez que eles saíam da graduação já com bons empregos".

Ele defende um projeto de Estado que privilegie o investimento em inovação, produção e no sistema educacional. "Por que comprar os caças Gripen da Suécia em vez de encomendar o desenvolvimento de um avião avançado aqui mesmo?"

No caso do Programa Espacial, considera que houve um investimento muito pequeno nos últimos anos. Com isso, o país tem um veículo lançador que "funciona muito bem, mas para uso suborbital". Quanto ao pré-sal, acredita que investimentos de porte trariam grandes vantagens competitivas ao Brasil.

Durante o debate, o sociólogo Glauco Arbix, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e integrante do OIC, perguntou ao expositor se as escolas de engenharia estão se atualizando ou "continuam fazendo mais do mesmo, apenas com nome diferente".

Bevilacqua disse que as mudanças no ensino de engenharia não estão ocorrendo no ritmo que deveriam acontecer. "Há um grande conservadorismo nas universidades. Ninguém quer sair de sua zona de conforto. A parte profissionalizante da formação do engenheiro está sendo prejudicada. A formação clássica é importante, valeu durante muitos anos, mas tem de ser revista."

Para ele, os alunos não precisam de tantas disciplinas e horas de aulas expositivas, mas sim de mais tempo para estudar e realizarem atividades conjuntas. Defende também o ensino regionalizado, ao contrário do atual conteúdo uniforme para todo o país. "Quem faz engenharia naval na Amazônia tem de projetar barcos para rio, o que é diferente de fazer para o oceano."

Carlos Dantas, do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP e do IEA, comentou a forma como é feita a avaliação dos docentes, "com foco no indivíduo, o que gera uma competição que não é salutar". Bevilacqua também questionou o processo de avaliação. "No mundo inteiro considera-se o número de artigos publicados e isso faz com que os pesquisadores orientem sua produção para as publicações, muitas vezes fatiando um trabalho em vários artigos ou justapondo vários deles."

"Universidade não é só pesquisa. É também ensino e atuação para a sociedade. Minha proposta é que seja perguntado: 'O que você fez'. Pode ser um curso dado, a aposta numa ideia que não deu certo, cooperação com o exterior, atuação em sociedades científicas, organização de congressos etc.", completou.

Fotos: Fernanda Rezende/IEA-USP