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Incertezas no futuro com Trump

por Sylvia Miguel - publicado 05/04/2017 12:35 - última modificação 07/04/2017 16:48

Para analistas, Brasil precisa ir contra tendência desglobalizante e promover abertura e regulamentação de seus mercados

 

Trump - Brasil e AL

Ascensão de Trump está em linha com tendência de desglobalização, dizem analistas

A linha adotada por Trump está em sintonia com a tendência mundial de desglobalização, de emergência do populismo, do nacionalismo e do xenofobismo. Brasil e América Latina em geral terão que inovar na busca de novas parcerias comerciais, já que a região parece não estar na agenda do republicano. Além disso, grandes líderes e analistas financeiros possuem uma visão negativa do futuro e do governo dos Estados Unidos no médio e no longo prazo. Essa foi a visão geral dos palestrantes que participaram do debate As Novas Fronteiras da Geopolítica Econômica: Trump, Brasil e América Latina, realizado no dia 28 de março.

Organizado pelo IEA, pelo Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (NUPRI) da USP e pelo Grupo de Pesquisa Cidade do Conhecimento, o encontro teve a coordenação do professor Gilson Schwartz, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e integrante do Programa Ano Sabático do IEA de 2017.

Participaram o economista Otaviano Canuto, do Banco Mundial, o sociólogo Demétrio Magnoli, colunista da Folha de S. Paulo e GloboNews, o embaixador Regis Arslanian, da GO Associados, o economista Octavio de Barros, do Instituto República, o economista Marcelo Carvalho, do BNP Paribas, o economista Marcelo P. Cypriano, da Brazil Investment, o professor Rafael Duarte Villa , do NUPRI-USP e o professor Alberto Pfeifer , do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP.

Para Magnoli, “a ideia de construir um muro em toda a fronteira dos EUA e México traz em si a ideia de anular a história, a geografia, os resultados da globalização e do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA)”.

Para o sociólogo, as cidades fronteiriças daqueles países deveriam ser vistas como uma metáfora de fluxos de pessoas, bens e investimentos. “A integração entre esses dois países tem sido tão intensa que quando os EUA falam de México, estão falando de política externa e também de política interna. Toda uma cadeia produtiva se estruturou desde 1994 e interliga empresas dos dois países. O México terá que se redefinir do ponto de vista do seu lugar no mundo. Uma catástrofe social se apresenta diante do país”, disse Magnoli.

Para Canuto, do Banco Mundial, a emergência das direitas nacionalistas xenófobas na Europa e a própria vitória de Trump representam “um efeito retardado da crise de 2008”. Diante de um quadro social e econômico complicado, Trump soube usar a retórica para arrebanhar o americano empobrecido com a crise, disse.

Trump - Brasil e AL

Trump soube trabalhar o imaginário do eleitor que está se sentindo marginalizado, segundo Canuto

O economista cita o aumento do suicídio e do uso de drogas entre homens brancos não hispânicos nos EUA. “As classes pobres estão cada vez achatadas. O eleitor mostra cada vez mais desalento e descrédito nos políticos de Washington. A situação é propícia à emergência de governos populistas”, avalia.

“Políticos populistas sabem lidar com o simbólico e Trump soube usar bem o imaginário para falar com essa gente que está se sentindo à margem. Quando usou no seu discurso de posse a expressão ‘Drain the swamp’, estava se dirigindo à massa de eleitores desacreditados de Washington. E ao falar de ‘carnificina’ (“The American carnage stops right here and stops right now”), estava falando aos pobres, desempregados e jovens viciados”, disse Canuto.

Armadilhas da economia global
Para Canuto, a América Latina precisa entender três grandes nós que estão se desenrolando na estrutura da economia global. A primeira está ligada ao aumento da massa trabalhadora com baixas aspirações salariais, principalmente na China, Rússia, Camboja, Vietnam e parcelas da África. Isso combinado às inovações tecnológicas e à fragmentação do processo produtivo global, o resultado é uma queda brutal no preço do fator trabalho.

Otaviano Canuto 1

Otaviano Canuto, do Banco Mundial

Ao mesmo tempo, há uma super abundância do fator capital no mundo e uma exaustão de oportunidades de investimentos nas economias avançadas, que se expressa numa tendência brutal secular de queda da taxa de juro, disse Canuto. “O dinheiro ficou barato e deixa de ser uma restrição imediata. Quanto mais cai a taxa de retorno do capital financeiro, maior a disposição de encontrar alternativas mais rentáveis, o que casa com a emergência do dinamismo na periferia do capitalismo”, explica.

A conjunção de baixo preço do fator trabalho e abundância de capital geram um super ciclo de commodities, o que tem dado certa vantagem ao Brasil devido às suas riquezas naturais. “Mas na indústria e em outras atividades, estamos imprensados devido à competitividade de salários e tecnologias em outros países”, disse.

A despeito de tudo o que falam da globalização, diz Canuto, há um fenômeno estatístico inconteste mostrando que mais de um bilhão de pessoas saiu da linha de pobreza por conta desse movimento do capital rumo às economias emergentes. “O problema disso é que em economias avançadas como a dos EUA, França, Inglaterra, a atividade ficou praticamente no mesmo nível e as classe mais pobres ficaram mais achatadas. A prosperidade da Ásia, da China e de outros países periféricos irrita muita gente”, disse.

Canuto observa que os mercados desabaram antes das eleições americanas, mas voltaram a subir a partir do discurso de posse. “O que entusiasmou todo mundo foi a agenda expressa no discurso, prevendo um programa de investimentos em infra-estrutura consistente, a redução de impostos corporativos e a desregulamentação da economia. É uma agenda de política fiscal expansionista”, disse.

“Mas isso começou a mudar e o mercado vem desabando há algumas semanas, pois está percebendo que aquilo que Trump prometeu não vai conseguir entregar. Será inevitável a frustração de quem votou nele porque o que prometeu não pode ser feito, principalmente barrar produtos chineses e mexicanos”, disse Canuto.

Octavio de Barros, Gilson Schwartz e Regis Arslanian 1

A partir da esq.: o economista Octavio de Barros, o professor Gilson Schwartz e o embaixador Regis Arslanian

“Nosso modelo negociador está ultrapassado”
O embaixador Regis Percy Arslanian, que já participou da Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul (Parlasul) e serviu no Itamaraty por cerca de 35 anos, lamentou o modelo de negociação de comércio exterior que o Brasil ainda insiste em seguir e ressaltou o papel secundário que o país deverá ocupar na agenda do governo Trump.

“Numa conversa telefônica, Trump teria convidado o presidente Michel Temer para ‘passar na Casa Branca, caso estivesse em Washington’. Em 35 anos de Itamaraty, eu nunca tinha visto um convite tão informal. Isso na diplomacia é uma indicação clara de que o Brasil não é prioridade alguma para os EUA”, disse.

Nas negociações internacionais, o Brasil ainda erra ao manter a postura protecionista, acredita o embaixador. “É possível um país ser nacionalista depois de atingir certo patamar de integração econômica, quando já faz parte das cadeias globais de valor e possui competitividade e tecnologia. Nossa indústria teve crescimento negativo de 7% no ano passado. O Brasil não pode se dar ao luxo de ignorar a negociação de regras e normas”, afirma.

Não basta ao Mercosul dizer que existe vontade política, afirma. “Temos de parar de achar que acordo comercial é negociar tarifa. Precisamos de acordos mais abrangentes e ambiciosos. Nosso modelo de negociação é da época da Rodada Uruguai. Não adianta discurso se não conseguimos negociar regras e normas. A consolidação normativa significa dar as garantias legais que já ocorrem na prática. Os mercados não irão se abrir, se insistirmos em acordos com base em tarifas apenas”, destaca Arslanian, que está atuando na GO Associados.

O embaixador exemplifica com o que ocorre com a lei geral do setor de telecomunicações. “Na era digital, o Brasil proíbe acesso ao mercado para empresas estrangeiras de telecomunicações que não tenham escritório comercial aqui. Nosso arcabouço jurídico interno é muito antiquado”, disse.

A insistência no tema da agricultura nas negociações comerciais também está ultrapassada, acredita. “Numa agenda de livre comércio que inclua serviços e investimentos, não temos que condicionar toda uma negociação à agricultura, onde já somos competitivos. Precisamos ser mais abertos e talvez assim consigamos negociar com México, Canadá e até, quem sabe, União Européia. Agora com esses problemas com a carne tudo ficou mais complicado”, lamenta.

“Só abertura pode salvar a indústria”
Ex-economista chefe do Bradesco e atualmente ligado ao Instituto República, Octavio de Barros ressalta que o grande desafio do Brasil no momento é abrir sua economia. “A essa altura do campeonato, o Brasil está se consolidando como o país mais protecionista do mundo sob qualquer critério que se avalie”, disse.

“Diria que o país deve dar uma sinalização de abertura mesmo que unilateralmente, a fim de pensar prioritariamente o acesso ao seu mercado. Num momento em que algumas economias tendem à desglobalização isso parece complexo. Mas temos a agenda da produtividade e do crescimento. Só a abertura econômica poderá salvar a indústria brasileira”, disse.

Sobre a tendência mundial de desglobalização, Barros lembra que os dois tipos de eleitorado dos EUA, mesmo com perfis diferentes, queriam algo em comum: proteção. “De um lado, queriam proteção social por parte do Estado. Outros, proteção das fronteiras, da invasão chinesa ou dos refugiados. No Fórum Econômico de Davos, o termo que mais se ouviu foi a desglobalização. O Brasil criou uma crise que é só nossa, uma idiossincrasia, pois é o momento de enfrentarmos novos desafios e nos prepararmos para um mundo maduro”, disse.

Marcelo Carvalho 1

"Brasil precisa resolver seus problemas internos, seja qual for a agenda global", diz Marcelo Carvalho, do BNP Paripas

O economista Marcelo Carvalho, do BNP Paribas, disse que o super ciclo de commodities que proporcionou um bom momento para a economia brasileira mostra quanto o Brasil é sensível ao que ocorre no exterior. “Por isso temos de nos preocupar com a economia chinesa, que vem desacelerando, e é um grande consumidor de commodities. O que ocorrer lá afeta toda a América Latina. Já o México pode ser afetado diretamente pelos EUA. Então as economias latinas são muito sensíveis à China e EUA”, disse.

Para o economista, Brasil e Argentina não fizeram a tarefa de melhorar a produtividade, o que se alcança pelo investimento em infraestrutura e educação, afirma.  “Para o Brasil crescer, precisa melhorar a produtividade do capital, que está ligada a infraestrutura, e a produtividade do trabalho, que está ligada a educação”.

A agenda global é importante, mas Brasil precisa resolver seus problemas internos para crescer, acredita. “Brasil e Argentina se destacam quando o tema é ambiente de negócios ruim. Precisam melhorar isso, independentemente da agenda global”, destaca.

Marcelo Cypriano, da Brazil Investment e NUPRI-USP, aponta caminhos mais otimistas. “Apesar da complexidade do cenário, há oportunidades para o Brasil, em especial na sofisticação do setor de serviços e segmentos diferenciados. Temos uma combinação boa de oferta de commodities e de serviços. O setor de fundos de investimentos e meios de pagamentos, por exemplo, é muito sofisticado no Brasil e poderá diferenciar o país no mercado internacional. Por outro lado, a regulação do setor de serviços precisa ser mais inteligente”, afirma.

Redefinição de forças com eleições em 2018
O professor Alberto Pfeifer, do IRI-USP, faz coro sobre a necessidade de o Brasil abrir seu comércio para ativar a economia. E vê no cenário de crise a possibilidade de novas oportunidades. “México, por exemplo, poderá pensar numa nova cartografia para implementar a diversidade na sua agenda e escapar da concentração norte americana, já que 70% de seu comércio é feito com os EUA. Por outro lado, diversos países da América Latina realizam eleições em 2018 e se Trump sobreviver até lá, enfrentará uma redefinição de forças. Os EUA provavelmente precisarão rever o seu lugar”, disse.

Pfeifer lembra que o debate corrente na gestão do Ministro de Relações Exteriores José Serra, sobre se o Mercosul é válido ou não, “precisa se sofisticar”. “Não se trata apenas de comércio. Significa pensar a integração densa das sub-regiões e isso envolve segurança hídrica, transportes, imigração, ilícitos ligados a narcotráficos e corrupção, entre outros temas”, disse.

Para o analista, o Brasil deve diversificar suas conexões, ativando ou reativando mecanismos já existentes, como a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) e a organização composta pelos BRICS – Brasil, Russia, Índia, China e África do Sul. “O Brasil deve usar as vias rápidas desses espaços e também se aproximar mais das boas práticas emanadas da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)”, cita.

 

Rafael Duarte Villa, Gilson Schwartz e Alberto Pfeifer 1

A partir da esq.: professor Rafael Villa, professor Gilson Schwartz e professor Alberto Pfeifer

"A via do Sul pode ser a saída para o Brasil"

Para o professor Rafael Duarte Villa, do NUPRI-USP, “a conseqüência mais relevante da vitória de Trump é o aprofundamento da irrelevância da América Latina para a política externa dos EUA. Na era Obama já havia um afastamento”, compara.

O professor acredita que a América Latina será alvo de atenção por questões controversas. “Três países estarão na agenda dos EUA, mas de maneira negativa. O México, pelos problemas aqui falados. Já os acordos recém-estabelecidos com Cuba poderão ser revistos. E Venezuela ganha atenção não só pelas diferenças políticas, mas pelo fornecimento de petróleo, já que 10% do petróleo que consomem, vem da Venezuela”, afirma Villa.

A saída será o Brasil se voltar para o Hemisfério Sul, embora isso tenha o complicador de problemas que se arrastam desde a década de 1990, afirma. “A saída mais certa nesse momento é continuar investindo em infraestrutura, aumentar a capacidade produtiva. E buscar a via do Sul global, com países da Ásia e dos BRICS”, avalia.

Imagens: 1)Avi Ohayon-GPO/Fotos Pública; 2) skeeze/Pixabay; 3 a 6) Marcos Santos/Jornal da USP