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Livro e seminário sobre democracia ajudam a pensar a lógica da política nacional

por Sylvia Miguel - publicado 30/05/2016 15:55 - última modificação 28/06/2016 17:11

Para quem o voto é obrigatório de fato? E quem está realmente representado no Congresso Nacional? Essas são algumas das questões colocadas por autores reunidos em livro que será lançado em seminário organizado pelo NUPPs, no dia 28 de junho.
Campanha Diretas já - Praça da Sé

Manifestantes pelas Diretas-Já, na praça da Sé, em 1989. Campanha levou milhares a lutar pelo direito ao voto.

Práticas antidemocráticas perduram até hoje, 26 anos após as primeiras eleições diretas para a Presidência da República, após o período 1960-1989. Com um grande número de candidatos, o pleito de 1989 teve uma das mais expressivas participações populares em eleições diretas na história do país. Instados pelos acontecimentos que renovariam os ares da política após longa Ditadura Militar, os brasileiros participaram em peso também nas eleições gerais de 1990. Naquele momento memorável, o clima de debate favoreceu o comparecimento nas urnas.

Mas o que, nos últimos anos, tem motivado a participação popular nos processos eleitorais? Por razões diferentes, funcionários públicos e trabalhadores com carteira assinada e com certo nível de renda são levados a manter o título em dia para não sofrer as penalidades impostas a essas categorias. Entre elas, a perda do direito de trabalhar no setor público ou, ainda, a impossibilidade de retirar passaporte, por exemplo.

Mas existe a hipótese da má informação. Na dúvida, muitos eleitores podem achar mais fácil simplesmente votar em vez de tomar procedimentos como justificar o voto ou pagar as multas. Por outro lado, a obrigatoriedade do voto pode não ser de todo ruim, já que os estudiosos consideram que a participação política é capaz de gerar um círculo virtuoso, na medida em que mais participação pode levar a um maior interesse por política.

No extenso estudo empreendido pelo cientista político Guilherme Pires Arbache, publicado no livro “Brasil: 25 anos de democracia – participação, sociedade civil e cultura política”, o autor mostra as dificuldades de chegar a uma relação causal capaz de apontar decisivamente quão representativo é o processo eleitoral no Brasil.

Debate trará autores de livro

 

O seminário Brasil: 25 anos de Democracia. Participação, Sociedade Civil e Cultura Política, organizado pelo Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP (NUPPs), sob a coordenação do professor José Álvaro Moises, reunirá no dia 28 de junho, das 10h às 12h30, na Sala Ruy Leme na FEA, cientistas políticos, escritores e pesquisadores do NUPPs.

O debate é gratuito, requer inscrição prévia e será transmitido ao vivo. Na programação está prevista a participação de diversos autores que integram a coletânea reunida pelo cientista político Nuno Coimbra Mesquita.

Com a moderação do professor Carlos Melo, do Insper, e abertura dos professores Moisés e Mesquita, o debate trará como expositores os seguintes pesquisadores do NUPPs: Guilherme Arbache; o professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Marcelo Burgos P. dos Santos; Nuno Coimbra Mesquita; Rolf Rauschenbach, da Universität St. Gallen, Suíça; e Stefania Lapolla Cantoni.

O livro homônimo ao debate será lançado no mesmo dia. Os textos fazem parte de uma grande pesquisa de avaliação dos 30 anos da democracia brasileira desenvolvida NUPPs da USP.

A coletânea reúne artigos que consolidam contribuições voltadas ao exame da participação política no Brasil, em especial, seu impacto na qualidade da democracia vigente. Os capítulos reexaminam dados empíricos associados ao tema, destacando-se, em particular, um survey de opinião pública realizado em 2014 envolvendo uma amostra representativa do conjunto do país.

Os artigos valorizam a interação entre a sociedade civil e as instituições e estruturas representativas do Estado. As contribuições não apenas apontam caminhos para o aperfeiçoamento do regime democrático, como também representam uma alternativa à parte da literatura recente, em especial no que tange a análises sobre mecanismos Orçamento Participativo e Conselhos Gestores, por exemplo.

 

O título, da editora Fundação Konrad AdenauerStiftung, terá lançamento durante o seminário Brasil: 25 anos de Democracia. Participação, Sociedade Civil e Cultura Política, que acontece no dia 28 de junho, das 10h às 12h30, na Sala Ruy Leme da FEA. Além das discussões presentes no livro, o seminário promete levantar questões candentes sobre o atual momento político e contará com a participação de diversos autores que compõem a coletânea.

Arbache, por exemplo, falará sobre o tema “Participação Eleitoral no Regime Democrático Brasileiro”. Para o autor, ao contrário dos países onde as eleições são facultativas, o contexto do voto obrigatório traz uma relação totalmente diferente entre participação e as variáveis normalmente utilizadas na literatura sobre o tema.

“O voto obrigatório causa mais participação, mas também altera a qualidade da participação política. (...) Uma igualdade política formal convive com profundas desigualdades de fato, já que os afrodescendentes e as mulheres, por exemplo, ainda são pouco representados politicamente”, escreve o autor.

Mas há significância estatística em alguns números encontrados por Arbache. Por exemplo, a falta de interesse no pleito foi a causa de 10% das abstenções, entre os faltosos do primeiro turno das eleições de 2006. Dos que não votaram naquele ano, 5% relacionaram esse comportamento à descrença no sistema eleitoral. A localização dos eleitores responde por 25% das abstenções, ou seja, pessoas que estavam fora da sua cidade no dia da votação. “Isso, hipoteticamente, envolve a falta de interesse desses eleitores”, afirma o autor.

A obrigatoriedade do voto parece ser uma pauta a ser pensada no atual momento da política nacional. Mas não só isso. Uma seara fértil de ideias e questionamentos colocados nos artigos reunidos por Nuno Coimbra Mesquita mostra que os brasileiros ainda têm muito dever de casa a fazer.

 

Quem nos representa

O brasileiro não tem uma noção clara da composição política do Congresso Nacional ou, ainda, quais grupos de interesse mais influenciam nos processos e mecanismos daquela Casa.

O artigo de Pablo Silva Cesário, que integra a coletânea, mostra que o Brasil é “um caso excepcional no mundo, em que grupos de interesse ligados a empresas não ultrapassam os 30% das ações de lobby”.

Cientista político e gerente executivo da Confederação Nacional da Indústria, Cesário investigou o papel dos grupos de interesse no Poder Legislativo nos anos de 2011 e 2012. Nesse período, mapeou a atuação desses grupos em comissões, conselhos ou audiências públicas. Foram registrados 975 grupos de interesse e 2092 ações de lobby.

Manifestantes na cobertura do Congresso Nacional - 2

Manifestantes na cobertura do Congresso Nacional, em Brasília.

O estudo indicou que sindicatos de trabalhadores, grupos profissionais e organizações voltadas ao “interesse público” (aspas do autor) formam juntas “um grupo de maior acesso, ainda que sua participação esteja muito concentrada em um pequeno número de comissões parlamentares”, escreve.

Se 34,6% da atuação de grupos de interesse está ligada à participação do setor de negócios, as organizações de sindicatos de trabalhadores, áreas profissionais e de interesse público respondem, juntas, por 45% das ações de lobby no Poder Legislativo federal.

Entre os grupos mais ativos estão os de categorias de funcionários públicos, os Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), os fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (SINAIT), os fiscais da Receita Federal (ANFIP) e os magistrados (AMB). Ainda na categoria profissionais destaca-se a representação dos advogados (OAB) e dos médicos (CFM).

Vale observar que entre os grupos de interesse mais ativos estão entidades empresariais de origem corporativista ou centrais e confederações sindicais “criadas por força de lei e que também recebem recursos públicos”, escreve Cesário.

O resultado da pesquisa demonstrou, segundo o autor, “a prevalência de uma estrutura de representação da sociedade civil corporativista e, portanto, um papel relevanto do Estado também na própria organização da sociedade civil”.

“A realidade é que os atores estatais fazem parte do processo de influência e isso fica bastante claro, por exemplo, com as assessorias parlamentares dos ministérios, agências, autarquias e empresas estatais”, segundo Cesário.

Créditos: Rolando Freitas; Arthur Monteiro/Agência Senado.

 


Brasil: 25 anos de Democracia. Participação, Sociedade Civil e Cultura Política
28 de junho, das 10h às 12h30
Sala Ruy Leme - FEA/USP - Av. Prof. Luciano Gualberto, 908, 1º andar, Cidade Universitária, São Paulo, SP.
Evento gratuito, com inscrição prévia e transmissão ao vivo.
Informações com Cláudia R. Tavares
Programação do evento aqui.

Lançamento do livro: “Brasil: 25 anos de democracia – participação, sociedade civil e cultura política”, editora Fundação Konrad AdenauerStiftung. Nuno Coimbra Mesquita (Org.)