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Morre Alfredo Bosi, a erudição a serviço da sociedade

por Mauro Bellesa - publicado 07/04/2021 11:10 - última modificação 14/04/2021 10:58

Ex-diretor do IEA e editor da revista "Estudos Avançados" durante 30 anos, Bosi estava internado com Covid-19 em um hospital em São Paulo.

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Alfredo Bosi, diretor do IEA de 1998 a 2001 e editor da revista Estudos Avançados por 30 anos
A cultura brasileira, a USP e o IEA perderam um de seus mais eruditos e ativos integrantes: o professor Alfredo Bosi morreu hoje, aos 84 anos. Ele estava internado em um hospital em São Paulo com Covid-19.

Professor, historiador e crítico de literatura brasileira, ensaísta e membro da Academia Brasileira de Letras, Bosi teve trajetória acadêmica singular, quase totalmente vinculada à USP.

Essa dedicação de uma vida às Humanidades se completa com seu empenho em causas políticas, sociais, culturais, educacionais e ambientais. Como intelectual engajado, apoiou as lutas pela redemocratização e redução das desigualdades sociais do país, atuação iniciada com um grupo de operários da cidade de Osasco nos anos 70.

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Fotos de Alfredo Bosi

A militância pelos direitos humanos fez com que integrasse a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns e a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, criada pelo cardeal Arns.

Algumas das outras questões a que se dedicou foram a valorização do ensino básico e seus professores, o reconhecimento da importância das tradições culturais populares, a defesa dos princípios éticos e da liberdade de pensamento e pesquisa na universidade, a conservação dos ecossistemas do país e a resistência às usinas nucleares.

Trajetória docente

Nascido em 1936 no seio da colônia italiana da capital paulistana, Bosi ingressou em 1955 no curso de letras neolatinas da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, conhecida por todos como Maria Antonia, berço da Universidade.

Ele 1958, especializou-se em literatura brasileira, filologia românica e literatura italiana, que passou a lecionar no ano seguinte. Depois passou dois anos estudando estética e filosofia da renascença na Universidade de Florença, Itália. De 1963 a 1970, retomou o ensino de literatura italiana na USP, período em que defendeu o doutorado (1965; sobre a narrativa de Luigi Pirandello) e a livre-docência (1970; sobre a poesia de Leopardi).

Em 1970, Bosi passou a lecionar literatura brasileira, tendo se tornado professor titular da disciplina em 1972. Em 1966 ele já tinha publicado o livro “O Pré-Modernismo” e em 1970 lançou “História Concisa da Literatura Brasileira, um clássico já em sua 50ª edição.

No exterior

Além do período de estudos na Universidade de Florença no início dos anos 60, Bosi fez pesquisas nos Estados Unidos (1986), com o apoio da John Simon Guggenhein Memorial Foundation, e na França, onde foi pesquisador do Institut des Textes et des Manuscrits Modernes (1990), ocupou a Cátedra Brasileira de Ciências Sociais Sérgio Buarque de Holanda da Maison des Sciences de l’Homme (2003) e foi professor convidado da École des Hautes Études en Sciences Sociales (1993, 1996 e 1999).

Também ministrou cursos e proferiu conferências na França (Université de Aix-en-Provence, Université Paris—Sorbonne, Maison des Sciences de l’Homme, Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine  e École des Hautes Études en Sciences Sociales), Itália (Collegio Pio Brasiliano, Università di Roma “La Sapienza”, Instituto Brasil-Itália (Milão), Centro di Studi Brasiliani da Embaixada do Brasil em Roma e Academia della Crusca), Estados Unidos (Yale University), Cuba (Casa de las Américas), Espanha (Universidad de Salamanca) e Uruguai (Universidad de la República).

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Em 2018, o IEA inaugurou a sala de eventos Alfredo Bosi, um reconhecimento pelos 30 anos de dedicação ao Instituto
No IEA

Em paralelo à sua atuação no Departamento de Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Bosi participou do IEA desde seu início, tendo sido indicado por Antonio Candido para integrar a primeira formação do Conselho Deliberativo do Instituto, em 1987. Em 1989, foi escolhido para ser o editor da revista “Estudos Avançados”, tarefa que desempenhou com especial dedicação durante 30 anos. Bosi foi vice-diretor (1987-1997) e diretor (1998-2001) do IEA.

Bosi teve participação fundamental em várias iniciativas sediadas no Instituto, como a coordenação do Programa Educação para a Cidadania, da Cátedra Simón Bolívar (convênio com a Fundação Memorial da América Latina), Cátedra Lévi- Strauss (convênio com o Collège de France, e do Grupo de Estudos Literatura e Cultura. Também no IEA, organizou o documento coletivo “A Presença da Universidade Pública” e presidiu a comissão elaboradora do Código de Ética da USP. Foi o primeiro presidente da Comissão de Ética da Universidade.

Além dos citados “O Pré-Modernismo” e “História Concisa da Literatura Brasileira”, Bosi é autor de, entre outros livros, “O Ser e o Tempo da Poesia” (1977), “Dialética da Colonização” (1992; Prêmio Jabuti de 1993), “Machado de Assis: O Enigma do Olhar” (1999; Prêmio Jabuti de 2000) e “Ideologia e Contraideologia” (2010).

Bosi ocupava a Cadeira nº 12 da Academia Brasileira de Letras, para a qual foi em eleito em 2003. Entre as honrarias que recebeu estão os títulos de professor eméritos da FFLCH-USP (2009) e professor honorário do IEA (2006), a Ordem do Mérito Cultural, concedida pelo Ministério da Cultura (2005), o título de Comendador da Ordem de Rio Branco, outorgado pela Presidência da República (1996), e a distinção “Homem de Idéias de 1992”, conferida pelo “Jornal do Brasil”.

Bosi foi casado com a psicóloga social e escritora Ecléa Bosi (1936-2017), professora titular e emérita do Instituto de Psicologia da USP, com quem teve os filhos Viviana e José Alfredo. Além dos filhos, ele deixa os netos Tiago e Daniel.

Homenagens

Neste momento de sua partida prematura, a comunidade do IEA-USP se despede do professor Alfredo Bosi, seu anterior Conselheiro, Diretor e editor da revista "Estudos Avançados", com uma palavra: Obrigado! Palavra que o professor Bosi caracterizou “a mais simples e ao mesmo tempo a mais densa. (...) Moeda corrente do cotidiano, traz, porém, no metal em que se fundiu o compromisso ético que lhe vem da ideia de obrigação. Dizê-la é também um dever”. Que a memória do querido professor Alfredo Bosi ilumine o caminho do IEA e de todos que com ele tiveram o privilégio de conviver.

Guilherme Ary Plonski, diretor do IEA

 

O mundo ao qual Alfredo Bosi pertencia, repleto de cultura, de delicadezas, de virtudes, também morre um pouco com essa triste perda. Um homem raro.

Paulo Saldiva, diretor do IEA de 2016 a 2020

 

Intelectual, Erudito, Honorário, Emérito, Imortal, mas humano, muito humano. É assim que guardo o Alfredo em minhas memórias, em particular em nosso convívio no Instituto de Estudos Avançados da USP. O que Bosi magistralmente sintetiza na frase abaixo, acerca do polímata Leonardo Da Vinci, cabe muito bem a ele mesmo:

"De todo o modo, o artista só alcança esse grau de liberdade depois de ter fixado o olhar com longa e amorosa atenção na variedade prodigiosa do universo."

Além do olhar atento “represado por lentes” (como descrito em um poema por Ecléa, sua eterna companheira), Alfredo desenvolveu um poder de escuta singular, seja em suas reflexões e escritos, seja nas participações e no engajamento na universidade, como também na sociedade, na militância, no ativismo, em ações humanitárias. No pluralismo e na diversidade de um Instituto de Estudos Avançados, contar com um polímata da estatura e humanidade de Alfredo Bosi, não é só privilégio, mas uma diferença.

Martin Grossmann, diretor do IEA de 2012 a 2016

 

Com tristeza tomei conhecimento da perda irreparável do nosso querido Prof. Alfredo Bosi. Estamos todos imbuídos de um sentimento de orfandade. Suas conferências, seus escritos e os muitos diálogos passam a constituir memórias inspiradoras  indeléveis. Sua contribuição para a cultura e para o ensino público constituem uma referência inigualável. Um dos seus principais legados é a Revista de Estudos Avançados. Conviver com Alfredo significa aprender com a riqueza do seu pensamento, a elegância da sua escrita e a generosidade da sua alma. Por isso, Alfredo Bosi permanece para sempre na nossa memória como referência de vida significativa dedicada à construção de um Brasil imbuído de paz, justiça e solidariedade.

Jacques Marcovitch, diretor do IEA de 1989 a 1993


Um dia muito triste para todos nós e para mim em particular. Nos 30 anos que assisti o professor Alfredo Bosi na revista "Estudos Avançados" pude conviver de perto com uma pessoa maravilhosa e de um espírito humanista muito elevado. Fará muita falta e deixará saudades. O seu legado como ser humano, docente e crítico da cultura permanecerá para a geração presente e futura. Estamos de luto.

Dario Borelli, editor assistente da revista Estudos Avançados