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O desafio jurídico do fluxo sem controle de pessoas, bens e serviços

por Mauro Bellesa - publicado 04/11/2016 12:35 - última modificação 04/11/2016 15:48

No dia 27 de outubro, Jean-Sylvestre Bergé, professor de direito na Universidade de Lyon 3 - Jean Moulin, fez a conferência "Movimento Completo além do Controle".
Jean-Sylvestre Bergé
O jurista Jean-Sylvestre Bergé

A imensa quantidade de lixo que circula em todo o mundo, o fluxo cada vez maior de dados pessoais que trafegam na internet e a movimentação sem precedentes de populações em busca de asilo são exemplo do que Jean-Sylvestre Bergé, professor de direito na Universidade de Lyon 3 - Jean Moulin, chama de "movimento completo além do controle".

Em conferência no dia 27 de outubro, Bergé apresentou suas ideias sobre o movimento massivo de pessoas, bens, serviços e capitais e detalhou as diretrizes de pesquisa que está iniciando sobre o tema (leia artigo sobre o projeto).

O objetivo da pesquisa é introduzir um novo conceito legal para lidar com esse fluxo, uma vez que "o direito ainda não dá conta disso", em sua opinião. O projeto pretende comparar como o Brasil e a União Europeia veem esse tipo de movimento e a forma como categorizá-lo juridicamente.

Para ele, um movimento deve ser considerado “completo” quando se torna massificado, sendo objeto da atenção e das ações de todos os operadores públicos e privados (Estados, companhias e cidadãos), em nível local, nacional e internacional, com esses agentes contribuindo para o desenvolvimento do fenômeno como um todo ou em parte, voluntária ou involuntariamente.

Esse movimento completo caracteriza-se como "além do controle" quando em situações específicas ou de reduzida duração, como no caso de crises, os operadores não possuem controle total sobre ele.

Bergé disse que o direito trata do movimento, mas nunca lida especificamente com o fenômeno do movimento completo além do controle. Ele recomenda um método que leve em conta a dimensão social do processo em andamento, além de sua natureza altamente multifacetada e complexa.

Para que atenda a esses fins, ele propõe que a pesquisa seja feita em três fases, com a primeira sendo dedicada à análise multidisciplinar do fenômeno, de modo a identificar o vocabulário e os métodos que cada área pode usar. "O objetivo é encontrar um ponto de partida comum a várias disciplinas."

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A segunda fase considera a adoção do fenômeno do movimento completo além do controle pelo direito. Bergé disse que na visão positivista do direito, "compartilhada pela maioria dos advogados e magistrados", a lei transforma um ato numa noção legal ao classificá-lo - criando uma nova categoria quando não consegue encontrar uma adequada – e regulá-lo. No caso desse tipo de movimento, “será necessário considerar os elementos de classificação que possam ser usados e testados em todas as possíveis combinações.”

A terceira fase compreenderá a reavaliação das políticas legais à luz dos efeitos que elas produzem, pois "o trabalho de um profissional do direito não para na formulação de uma categoria, uma classificação ou um regime legal: na fase final, ele deve se comprometer com a implantação de suas construções e com as consequências dela", comentou.

O projeto tem duas metas que se complementam: os resultados a serem atingidos até 2021 e o estabelecimento de novos programas de pesquisa durante o andamento da pesquisa.

No primeiro caso, Bergé espera instituir um programa de doutorado formatado para uma abordagem multidisciplinar do problema. Isso deve ser implantado em parceria com os cursos de pós-graduação da Universidade de Lyon 3 - Jean Moulin. O projeto pretende também realizar três simpósios internacionais sobre como o direito trata o fenômeno e a produção de um ensaio acessível a não especialistas em direito.

Em relação à segunda meta, dois caminhos serão perseguidos: o estabelecimento de um projeto do tipo Advanced Grant do Conselho Europeu de Pesquisa, que possibilita o financiamento de um trabalho por até cinco anos e recursos que podem chegar a 2,5 milhões de euros (cerca de R$ 8,8 milhões), e de outro projeto numa agência de fomento brasileira. "Se os dois forem contemplados, será possível dar uma real dimensão interdisciplinar à pesquisa", afirmou o pesquisador.

A conferência do Bergé no IEA teve moderação de Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, coordenadora do Núcleo de Antropologia do Direito (Nadir), da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Durante sua estada São Paulo, ele participou também de um seminário do Nadir, no dia 26 de outubro.

Foto: Leonor Calazans/IEA-USP