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O tempo da consciência e da não consciência

por Sylvia Miguel - publicado 11/04/2016 17:15 - última modificação 19/04/2016 14:58

Os filtros mentais moldam nossa experiência sobre o que são objetos, pessoas e o próprio tempo. Ao contrário, a dissolução do ego através da meditação abre o caminho para o ser holístico e desprovido de qualquer noção de tempo, mostrou especialista durante a ICA.
Kirill Thompson

Kirill Thompson aborda a percepção do tempo na consciência.

Daoism, Zen, Time Awareness, and the Reality of Time foi o título da palestra ministrada por Kirill O. Thompson, da National Taiwan University, no dia 10 de março, durante os workshops de Humanidades e Ciências Sociais da Intercontinental Academia(ICA).

Realizada em Nagoya, Japão, de 618 de março, a segunda fase da ICA reuniu cientistas de diversas áreas e 13 jovens pesquisadores selecionados para desenvolver estudos sobre o tema “tempo”. O conteúdo das pesquisas subsidiará os estudos dos jovens participantes da ICA na criação de um Massive Open Online Course (Mooc), que será disponibilizado gratuitamente na plataforma Cousera.

Especialista na filosofia neo-confucionista e filosofia chinesa, Thompson analisou a percepção do tempo na consciência humana segundo tradições orientais como o Taoismo e o Zen budismo, e comparou essa noção à filosofia ocidental do alemão Immanuel Kant (1724-1804).

O Taoismo e o Zen budismo são tradições filosófico religiosas do leste da Ásia destinadas a reorientar a experiência pessoal comum para uma experiência de vida mais ampla. A consciência do tempo é uma parte dessa reorientação, disse Thompson.

Para Kant, o tempo não está simplesmente inserido na experiência: o tempo é a própria condição da experiência, a forma pura da intuição interna. O tempo sintetiza o fluxo ou o pulso de consciência e, assim, a mente sincroniza e aplica esse tempo ao fluxo de eventos do mundo, disse Thompson, que é diretor associado na área de Humanidades no Institute for Advanced Studies in Humanities and Social Sciences (IHS), da National University of Taiwan (NTU).

O filósofo alemão também conceitua a percepção de objetos como uma experiência básica que requer “tempo” para permitir que a mente recorra à memória e identifique o objeto. Neurologicamente, esse caminho acontece na direção “egocêntrica”, porque moldado por filtros mentais. É uma resposta sensorial que requer “tempo” para ser filtrada pela experiência pessoal, disse Thompson.

Mais que isso, o reconhecimento ou percepção de objetos ou pessoas é um fenômeno experiencial fundamentado no Númeno que, para Kant, é inacessível. O Númeno (do alemão, Ding an sich, ou “a coisa em si”), é a esfera da realidade superior da mente filosófica. Também pode ser entendido como a essência de algo, aquilo que faz algo ser o que é. O Númeno existe em si, independente das condições dos fenômenos da experiência comum, incluindo tempo e espaço. Em termos neurológicos, o Númeno é independente dos filtros mentais da experiência, disse o professor.

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Daoism, Zen, Time Awareness, and the Reality of Time

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Sendo assim, a experiência comum nunca é uma sensação bruta; sempre vem condicionada pelas formas de intuição e categorias do entendimento. O objeto, como fenômeno, é visto no contexto das necessidades subjetivas, desejos, aversões, metas, ou, além de seu próprio caráter e relações.

Segundo o professor, as ciências sociais tendem a valorizar a visão egocêntrica referindo os interesses racionais como o guia ótimo de conduta pessoal ideal. Ao contrário, a resposta Taoista para a existência é a negação do ego e a dissolução dos filtros da mente.

Sendo assim, o mais antigo texto Taoista, o Laozi, desafia e refuta a independência e ultimidade dos objetos, mostrando sua origem do não-ser (imperceptível, sem forma) e de mútua co-dependência. “Mas como seria possível experimentar isso?”, questiona o professor.

Primeiramente, disse, devemos notar que a experiência egocêntrica comum se baseia no ego como um sistema unificado, ou, um conjunto que reúne a experiência e suas categorias e formas de intuição que filtram e moldam a experiência. Nesse caso, o tempo linear é uma condição para o exercício da memória, que recorda eventos passados e planeja a sequência de eventos futuros.

Por outro lado, no Taoismo, a apropriação do tempo requer um “passo atrás” na experiência comum do ser e de suas formas e categorias de entendimento. Isso envolve uma mudança de perspectiva, uma reorientação geral, para que Laozi e o Zen Budismo possam transmitir sua mensagem. A chave é relaxar e concentrar a mente através da meditação.

Assim, é possível ver diretamente as coisas como co-emergentes e interdependentes, segundo Thompson. Se tal postura mental – a meditação – for bem sucedida, o resultado será uma dissolução da forma de intuição, das categorias de compreensão, dos filtros da mente, incluindo simultaneamente a dissolução do ego e, claro, do tempo linear. A meditação abre o caminho para a ser holístico e o tempo fica em suspenso, afirma.

Thompson cita o neurologista norte-americano James H. Austin, que incursionou na experimentação holística pelo Zen budismo. Autor do livro Zen and the Brain, Austin busca relacionar a atividade neurológica do cérebro humano e a prática da meditação. Seu livro foi premiado com o Scientific and Medical Network Book Prize de 1998.

“Austin submeteu-se à experimentação Zen budista e rastreou seu impacto sobre os processos neurais, durante a meditação. Ele confirmou que o metrônomo neural interno se desliga em relação às horas do relógio e, assim, o tempo cessa. Tal dissolução dos filtros que interligam a experiência e dividem sujeito e objeto, abrem o caminho para uma orientação direta e holística”, disse.

O sentido de acronia (cesação de tempo, eternidade) acompanha a kenshi profunda e a experiência satori quando a pessoa abre-se para o vazio. Ele define acronia como a ausência de qualquer senso de tempo durante o desprendimento meditativo.  Não é uma sensação de atemporalidade ou perda de tempo.

O horizonte da consciência se abre para além de todas as noções de limites anteriores. Nem passado nem presente existem. Esta ausência do tempo entra na experiência não verbal como eternidade. Neurologicamente, esse tipo de orientação contrasta com o padrão egocêntrico da experiência ocidental esboçada acima.

Na experiência alocêntrica – que possui interesses e considerações centrados no outro, contrariamente à orientação egocêntrica –, o ser pode apreender os objetos como eles são realmente. Em vez de uma percepção subjetiva filtrada por desejos e necessidades, a pessoa adquire uma percepção objetiva para consigo e para com os outros.

Quando a consciência se vê livre de categorias rígidas e de filtros mentais, o caminho estará aberto para uma maior flexibilidade e fluidez em pensamento e ação, o que aumenta a criatividade tanto no campo das artes, como na solução de problemas, na gestão da vida ou no campo das ideias.

Em última análise, a noção Zen sobre a natureza de Buda no que se refere a “vazio” e “iluminação” complementam o Númeno (Ding an sich) de Kant, disse Thompson. As ideias do filósofo são estáticas e logicamente encadeadas e postulam o objeto como ele é, ou seja, antecedente às imposições de intuição, categorias e filtros mentais que moldam a experiência comum, disse.

Teoricamente, a concepção de Ding an sich, o Númeno, encoraja-nos a ver através dos fenômenos como eles aparecem primariamente.

O tempo linear, como forma pura de intuição interna, é uma condição da experiência comum.  Dada essa forma de intuição, o metrônomo neural interno acompanha o pulso e o fluxo da experiência a partir de dentro, o que também permite nos manter em sincronia com o fluxo de eventos no mundo.

Em contraste, no nível mais profundo da experiência alocêntrica, quando o ego é dissolvido e o metrônomo neural interno cessa, o tempo fica em suspenso. O tempo, portanto, assim como a distância, está atrelado às formas ou sistemas de medir o tempo, disse.