Pesquisadora traça panorama do ensino público no Brasil
O cenário da educação pública brasileira ajuda a expor as profundas desigualdades sociais que marcam o país. A 6ª maior economia do mundo conta com 20 milhões de analfabetos. Dos alfabetizados, 32 milhões cursaram somente até a 4ª série e 60 milhões não concluíram o ensino fundamental, o que equivale a uma entre três pessoas.
Tais índices resultam, em parte, da carência de vagas que atinge de creches a universidades e que restringe o acesso da população pobre ao ensino. Em função disso, apenas 35% das crianças até 5 anos recebem atendimento educacional e só 15% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados em um curso superior.
Os dados foram apresentados por Lisete Arelaro, diretora da Faculdade de Educação (FE) da USP, no seminário Educação, Enfrentamento das Desigualdades Sociais e da Pobreza — França, Brasil e Inglaterra, realizado no dia 27 de setembro, na FE, pelo Grupo de Pesquisa Nutrição e Pobreza do IEA em parceria com a faculdade.
Arelaro falou sobre a importância da educação no combate à pobreza e sobre os desafios para a criação e execução de políticas públicas capazes de efetivar o direito constitucional à educação. "Não estamos num país pobre, estamos num país desigual", frisou.
De acordo com ela, o momento é particularmente oportuno para debater a democratização do ensino no país, pois está em vias de ser votado o Plano Nacional de Educação (PNE) para os próximos dez anos, que deve entrar em vigor em 2013.
Além disso, em setembro, o Conselho Universitário da USP discutiu pela primeira vez o sistema de cotas raciais e sociais para ingresso na universidade. "A USP é elitista: tem 153.800 candidatos inscritos para o vestibular e apenas 10.900 vagas", destacou.
Qualidade
À questão do acesso, soma-se o problema da qualidade. Para Arelaro, combater a defasagem do ensino público brasileiro requer a reformulação dos projetos pedagógicos, o que passa pela substituição dos currículos uniformizados por outros que considerem as especificidades da comunidade à qual são voltados.
Colocar essa reformulação em prática esbarra em dois entraves. Um refere-se às ferramentas de avaliação do ensino no país, que em geral se resumem a provas nacionais e estaduais de múltipla escolha. "As provas são padronizadas, não levam em conta a realidade particular dos estudantes e da escola", lamentou a diretora.
O outro está ligado às desigualdades entre cidades. Segundo Arelaro, 70% dos municípios brasileiros são pobres e dependem do Fundo de Participação dos Municípios (FMP). Como não têm autonomia financeira, ficam impedidos de criar políticas de educação próprias e são obrigados a se submeter às políticas federais ou estaduais.
Privatização
Arelaro chamou a atenção para a crescente transferência da educação, uma obrigação do Estado, para a iniciativa privada, "não só em termos de execução, mas também de definição dos rumos do ensino no país".
De acordo com ela, o governo tem contratado empresas privadas para cuidar do atendimento educacional da população pobre ou muito pobre alegando ser mais barato e/ou qualificado.
Como exemplo, mencionou a compra de sistemas de ensino para uso em escolas públicas e citou o caso das creches comunitárias na cidade de São Paulo, que funcionam a partir de uma parceria entre o município e entidades assistenciais. "Na verdade, essas creches são um grande negócio. Em São Paulo, há 1.120 creches conveniadas. O Instituto Ayrton Senna, por exemplo, está presente em 1.172 municípios brasileiros vendendo serviços de educação", disse (leia nota abaixo).
A presença das empresas privadas também tem aumentado consideravelmente no ensino superior, setor que, segundo Arealo, constitui um mercado potencialmente grande e em expansão.
"Não dá para melhorar a qualidade do ensino se empresas de educação exclusivamente mercantis, que oferecem uma informação incompetente, não forem combatidas. É preciso preservar e defender a educação pública. o que é difícil, pois o lobby das empresas de educação no Congresso Nacional é forte", concluiu.
Seminário
O seminário também contou com a apresentação de pesquisas realizadas na França e Inglaterra. Camila Giorgetti, do Centre Maurice Halbwachs, falou sobre o estudo que conduziu sobre os usos da Bibliothèque publique d'information (Bpi), do Centre Pompidou, em Paris, por frequentadores em situação de vulnerabilidade social.
Houve ainda a leitura de um relato produzido por Eve Gregory, da University of London, Reino Unido, sobre o trabalho que desenvolveu para investigar como as crianças aprendem em casa e como esse aprendizado pode ser aproveitado pelas escolas.
NOTA DO INSTITUTO AYRTON SENNA Por meio de sua assessoria de imprensa, o Instituto Ayrton Senna enviou ao IEA a nota abaixo sobre o comentário feito por Lisete Arelaro: "Com relação à reportagem ‘Pesquisadora traça panorama do ensino público no Brasil’, veiculada no último dia 5 de outubro, o Instituto Ayrton Senna esclarece que não vende serviços de educação. Seus programas e soluções educacionais são disponibilizados gratuitamente às redes públicas que o procuram." |
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