Revista 'Estudos Avançados' discute identidade da arqueologia brasileira
“Existe uma contribuição teórica original que a arqueologia brasileira pode fazer à disciplina?”. O autor da pergunta é Eduardo Góes Neves, pesquisador do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP e organizador do dossiê Aspectos da Arqueologia Brasileira, que abre a nova edição (nº 83) da revista “Estudos Avançados”. (A edição digital está disponível na SciELO.)
Além da discussão sobre a identidade da arqueologia brasileira, o dossiê contém também artigos sobre a Amazônia, o Pantanal, as práticas etílicas dos tupi-guarani, o povoamento inicial da América do Sul e as paisagens culturais do planalto sul brasileiro.
História e temporalidade
No artigo introdutório “Existe Algo que se Possa Chamar de ‘Arqueologia Brasileira’?”, Neves avalia se existe um corpo de problemas e dados particulares que sejam exclusivos, ou ao menos uma prerrogativa, da arqueologia brasileira. Ele diz não ter uma resposta clara para essa questão, mas afirma estar certo de que ela passa por uma aproximação dos conceitos de história e temporalidade das sociedades indígenas sul-americanas.
O texto de Neves é comentado por Ulpiano Bezerra de Meneses, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), autor do artigo “A Identidade da Arqueologia Brasileira”.
Para Meneses, a aproximação entre história e temporalidade defendida por Neves é instigante, viável etnograficamente, mas arqueologicamente apresenta inúmeros percalços, pois “do ponto de vista dos grupos estudados, não se pode supor o mesmo tipo de relação que temos com os artefatos”.
Em relação ao quadro referencial dos arqueólogos brasileiros, Meneses diz que é necessário “reiterar o alerta feito por Eduardo Neves: é preciso olhar menos para fora do continente, em busca de referências teóricas, e, inversamente, melhor nas evidências locais disponíveis”.
Os outros artigos do dossiê são: “O determinismo Agrícola na Arqueologia Brasileira”, de Claide de Paula Moraes; “Arqueologia e História Indígena no Pantanal”, de Eduardo Bespalez; “Arqueologia dos Fermentados: A Etílica História dos Tupi-Guarani”, de Fernando Ozório de Almeida; “Povoamento Inicial da América do Sul: Contribuições do Contexto Brasileiro”, de Lucas Bueno e Adriana Dias; e “Gênese das Paisagens Culturais do Planalto Sul Brasileiro”, de Silvia Moehlecke Copé.
Ciência e valores
Além do dossiê sobre a arqueologia brasileira, a edição 83 publica a segunda parte do dossiê Ciências, Valores e Alternativas, organizado pelo Grupo de Pesquisa História, Filosofia e Sociologia da Ciência e da Tecnologia e constituído de resultados das pesquisas desenvolvidas pelo grupo no âmbito do Projeto Temático Fapesp Gênese e significado da Tecnociência: Das Relações entre Ciência, Tecnologia e Valores.
Se na primeira parte (publicada na edição 82) os textos se preocupavam com questões metodológicas das pesquisas sobre as relações entre ciência e valores, desta vez os artigos tratam de três áreas onde a atenção aos valores se reveste de importância fundamental: agroecologia, saúde e biodiversidade.
O primeiro tópico é discutido por Hugh Lacey, em “A Agroecologia: Uma Ilustração da Fecundidade da Pesquisa Multiestratégica”, e por Rubens Onofre Nodari e Miguel Pedro Guerra, em “A Agroecologia: Estratégias de Pesquisa e Valores”. Lacey foi professor visitante do IEA em 2011 e 2013 e atualmente coordena o Grupo de Trabalho Agroecologia, do Grupo de Pesquisa Filosofia, História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia do IEA.
Os dois outros tópicos são tratados por Nicolas Lechopier, professor visitante do IEA em 2013, que colabora com “Quatro Tensões na Saúde Pública”, e Ana Tereza Reis da Silva, autora de “A Conservação da Biodiversidade entre os Saberes da Tradição e da Ciência”.
Outros textos
A revista traz também artigos sobre economia, mudanças na ortografia e antropologia.
O economista Ladislau Dowbor, docente da PUC-SP, é o autor do artigo “O Sistema Financeiro Atual Trava o Desenvolvimento Econômico”. Nele, Dowbor analisa como o sistema de intermediação financeira esteriliza os recursos do país ao drenar volumes impressionantes de recursos que deveriam servir ao fomento produtivo e ao desenvolvimento econômico.
Em “Uma Visão Tranquila e Científica do Novo Acordo Ortográfico”, o filólogo Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras, comenta as críticas ao Acordo Ortográfico de 1990.
No artigo “A ‘ocupação’ do Congresso: Contra o Quê Lutam os Índios?”, as antropólogas Artionka Capiberibe, da Unicamp, e Oiara Bonilla, da Universidade Federal Fluminense (UFF), tratam do embate entre política e modelo econômico subjacente à resistência das populações indígenas ao agronegócio e seus representantes no Congresso Nacional.
A edição se completa com seis resenhas sobre os livros mais recentes de Nabil Bonduki, Ana Paula Koury, Marco Bobbio, Michael Löwy, Mauro Rosso (como organizador) e um ensaio de Lorenzo Mammì sobre a instalação “Clara Clara” de Laura Vinci.
“Estudos Avançados” nº 83 (janeiro-abril/2015), 352 páginas, R$ 30,00. Assinatura anual (três edições): R$ 80,00. Informações: www.iea.usp.br/revista, estavan@usp.br ou telefone (11) 3091-1675.