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Seminário analisa dificuldades diante da reestruturação do mercado de trabalho

por Sandra Codo - publicado 15/10/2007 00:00 - última modificação 02/09/2013 16:29

A economista Maria Cristina Cacciamali, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP expõe no seminário "Impasses e Desafios sobre Três Temas Emergentes do Mercado de Trabalho" as dificuldades para o equacionamento das mudanças que afetam a produtividade do trabalho, entre outros problemas que serão tratados no evento.

Três temas centrais perpassam as mudanças estruturais em curso no mercado de trabalho desde os anos 80: a persistência da desigualdade entre homens e mulheres, a crise de identidade dos sindicatos e os problemas educacionais que afetam a capacitação dos trabalhadores.

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Maria Cristina Cacciamali, coordenadora do seminário

Essas questões influenciam várias dimensões da sociedade. Maria Cristina Cacciamali, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, cita como exemplo desse impacto o quanto essas questões dificultam a propagação da produtividade do trabalho por todos os setores econômicos, afetando a melhoria dos índices de distribuição de renda e o estabelecimento de um padrão de crescimento com maior eqüidade.

As dificuldades para o enfrentamento desses problemas serão debatidas no seminário "Impasses e Desafios sobre Três Temas Emergentes do Mercado de Trabalho", no dia 29 de outubro, às 14h, no IEA. O evento terá a coordenação de Cacciamali e a participação de Celia de Andrade Lessa Kerstenetzky (Faculdade de Economia da UFF), José Dari Klein (Instituto de Economia da Unicamp) e Maria Cristina Aranha Bruschini (Fundação Carlos Chagas).

O seminário tem como público-alvo pesquisadores, estudantes, parlamentares, sindicalistas, organizações de mulheres, educadores e demais interessados em relações de trabalho.

Mulheres

De acordo com Cacciamali, o persistente aumento da participação feminina no mercado de trabalho, desde meados do século 20, se concentra em trabalhos precarizados, empresas terceirizadas, funções taylorizadas — "de requerimentos ainda reconhecidos como qualidades ditas 'femininas'" — e com baixa remuneração.

Ela comenta que, de acordo com pesquisas recentes, a inovação tecnológica e a modernização empresarial não reduziram de forma significativa a segregação de gênero horizontal ou vertical no mercado de trabalho: "A meta de eqüidade de gênero preconizada pelos organismos multilaterais, introduzida na agenda das políticas públicas de muitos países, está longe de ser alcançada, especialmente pelos países periféricos".

Uma das evidências disso é o fato de mulheres com mais anos de escolaridade do que homens que desempenham as mesmas funções não obterem salários iguais ou superiores aos deles.

O que acontece com as relações de gênero no mundo globalizado do trabalho? O que deve mudar para que se alcance maior eqüidade de gênero? Quais são os mecanismos institucionais existentes para que se fomentem relações de gênero igualitárias? Essas são algumas das questões sobre o tema a serem discutidas no seminário.

Sindicalismo

Quanto aos sindicatos, Cacciamali considera que ingressaram em uma fase defensiva a partir da reestruturação produtiva dos anos 90: "Uma fase de reconhecimento da negociação dentro da ordem capitalista, inclusive para a defesa da manutenção dos empregos e para a preservação da jornada de trabalho e outros direitos sociais".

Ela lembra que, em virtude da mundialização e da globalização, países periféricos, sobretudo os industrializados, como no caso do Brasil, também sofrem o impacto das profundas transformações da estrutura produtiva, do mercado e das relações de trabalho ocorridas nos últimos 25 anos e que atingiram frontalmente os países centrais.

Essas transformações tiveram dois momentos, segundo a pesquisadora: de início, microeletrônica, automação, robótica e bioengenharia deram início a uma revolução tecnológica com grandes repercussões sobre o desemprego e a concorrência intercapitalista; em seguida, houve a reorganização territorial da produção industrial mundial em direção à Ásia. "Ambas as dinâmicas intensificam a tendência de redução de custo da mão-de-obra e, simultaneamente, devido ao excesso de força de trabalho, elevam os requisitos do perfil de qualificação."

No entender de Cacciamali, essas mudanças não apenas diminuem a base social dos sindicatos como também atingem sua consciência de classe, inibindo a ação sindical e mudando o seu foco. O papel histórico desempenhado pelo sindicalismo como principal ator da defesa da ampliação de direitos sociais de caráter universal vem sendo substituído pela ação participativa no interior das corporações: "O sindicalismo vive uma brutal crise de identidade".

Ela destaca que no caso brasileiro há também o fato de os sindicatos passarem a atuar de maneira expressiva sob o prisma institucional (sobretudo a partir do governo Lula), com um conseqüente distanciamento dos movimentos sociais autônomos.

Diante desse panorama, as questões que surgem são: como é possível resistir a mudanças tão intensas? Como é possível elaborar um programa econômico alternativo que incorpore os milhões de trabalhadores que não participam do mercado e estão na miséria ou na economia informal? Como é possível pensar numa ação que não impeça o avanço tecnológico, mas o faça em bases reais, com ciência e tecnologia de ponta desenvolvida no país? Como é possível um caminho alternativo que recupere valores verdadeiramente emancipadores?

Escolaridade

As mudanças tecnológicas, a sociedade de informação e a globalização impõem alterações nas relações sociais com repercussões importantes na aquisição, diversificação e aprofundamento de conhecimento, nas formas de aprendizagem e na sua aplicação ao trabalho. Uma das conseqüências é que "a ampliação da oferta de mão-de-obra mais escolarizada incentiva a aplicação de tecnologias que demandam melhor qualificação, implicando fator adicional para a desigualdade salarial intragrupos educacionais".

Cacciamali ressalta que no Brasil é notória a contribuição da distribuição desigual da escolaridade sobre a distribuição da renda do trabalho. O investimento em educação, portanto, "é uma condição necessária, embora não suficiente, para oferecer igualdade de oportunidades para todos na vida social e, principalmente, no mercado de trabalho".

Apesar do progresso persistente e significativo do acesso ao sistema escolar brasileiro em todos os níveis nos últimos 15 anos, no qual se destaca a taxa de matrícula da ordem de 96% no ensino fundamental, os problemas persistem: "O país ainda apresenta elevada taxa de analfabetismo — completo e/ou funcional — entre a população acima de 15 anos de idade, elevado índice de evasão após a quinta série do ensino fundamental, descompasso entre a idade prevista para uma determinada série ou nível de educação e a idade real do aluno, gargalos na oferta de ensino médio, entre outros problemas".

Cacciamali frisa que, além desses problemas, há a questão da qualidade do ensino, tema que transpassa todos os níveis do sistema escolar e que requer maior volume de pesquisas interdisciplinares para sua compreensão e superação.

Algumas das questões sobre educação a serem debatidas no evento são: como ampliar a pré-escola, que pode reduzir a taxa de evasão escolar nos primeiros anos do ensino fundamental, além de proporcionar às mães um lugar adequado para as crianças enquanto trabalham? Como e em quanto ampliar a jornada escolar? Os sistemas de avaliação coordenados pelo Ministério da Educação são suficientes para a concepção de uma política de longo prazo visando à ampliação da qualidade do ensino?

Foto: FEA-USP