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Teixeira Coelho, emérito: líder, mediador cultural, provocador

por Sylvia Miguel - publicado 25/09/2015 15:45 - última modificação 04/02/2016 12:18

“Intelectual é uma pessoa que diz não por princípio”, diz o escritor durante seminário em sua homenagem, ocasião em que recebeu o título máximo da Universidade
Margarida Kunsch entrega Titulo ao Professor José Teixeira Coelho
Margarida Kunsch, diretora da ECA-USP, entrega titulo de professor Emérito a Teixeira Coelho

“Precisamos inverter aquela armadilha do século 19 que diz que a economia está no centro e a cultura, na periferia. Sempre insisti no contrário. Isso também foi o que nos motivou a escrever sobre política cultural”. As preocupações sobre cultura, ativismo político e desenvolvimento foram expressas por José Teixeira Coelho Netto, durante o encontro Ampliação da Esfera de Presença do Ser: Reflexões sobre a Obra de Teixeira Coelho.

Realizado pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP com apoio do IEA, sob a coordenação de Lúcia Maciel Barbosa de Oliveira, integrante do Grupo de Pesquisa do IEA Fórum Permanente: Sistema Cultural entre o Público e o Privado, o seminário antecedeu a solenidade de titulação do escritor como professor emérito pela ECA e aconteceu na antiga sala do Conselho Universitário (CO) da USP no dia 23 de setembro.

Crítico literário, especialista em política cultural, doutor em teoria literária e literatura comparada pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Teixeira Coelho recebeu homenagens de colegas e amigos com estreita relação com sua produção intelectual, como Celso Favaretto (Faculdade de Educação e FFLCH, ambas USP), Regina Silveira (ECA-USP), Manuel da Costa Pinto (jornalista e crítico literário), Alfons Martinell (Universidad de Girona, Espanha), Gerardo Caetano (Universidad de La República, Uruguai) e Martin Grossmann (diretor do IEA-USP e professor da ECA).

Mesa de abertura da entrega do título de Professor Emérito da USP ao professor José Teixeira Coelho
A partir da esq.: Milanesi, Kunsch, Agopyan e Monteiro

Na mesa de abertura estavam Vahan Agopyan, vice-reitor da USP, Margarida Krohling Kunsch, diretora da ECA-USP, Eduardo Henrique Soares Monteiro, vice-diretor da ECA-USP, e Luiz Augusto Milanesi, chefe do Departamento de Biblioteconomia da ECA-USP, ao qual Teixeira Coelho era vinculado desde 1973, quando iniciou sua carreira docente na USP.

O homenageado chamou a atenção para o atual momento do Brasil e o seu significado. “O desenvolvimento não é resultado apenas de condições materiais objetivas. O país precisa também de condições culturais para se desenvolver. Será que a cada 10 anos teremos de enfrentar a ameaça da década perdida?  Muito provavelmente não temos condições culturais de garantir o desenvolvimento”, disse.

Ele destacou o papel dos cursos de arte e dos mediadores na disseminação cultural. Para desfrutar a cultura de excelência, o público precisa estar preparado, defendeu. “Não adianta cobrar da arte clareza. As pessoas precisam estar preparadas para recebê-la. Cabe à universidade preparar os mediadores culturais que podem fazer a ponte entre a arte e o grande público”.

Cultura como demanda social

A ditadura militar, período que “não larga quem o viveu”, deve servir como indicativo para entender o momento em que os estudos sobre política cultural surgiram na USP", disse Teixeira Coelho. Naquela época, contou, a ECA e a USP já formavam “interpretadores” ou “explicadores” das questões brasileiras, professores não especializados na questão cultural. Porém, já havia demanda da sociedade e de segmentos culturais para formar mediadores.

“Nossa decisão de iniciar esses estudos não foi autônoma. O que fizemos foi ouvir as demandas sociais e compreender o momento pelo qual passávamos. Isso vale até hoje, pois cabe à universidade reagir às necessidades externas. Os estudos não surgiram da nossa vontade e sim da sociedade”, disse.

O desafio seguinte foi preparar a disciplina e os cursos que tratam de política cultural, contou. “O pessoal de política cultural teve que demonstrar que esse tema poderia ser uma disciplina acadêmica, que depois virou especialização e mestrado. O jeito de fazer isso foi criar um léxico de conceitos correlatos da área”, lembrou, referindo-se ao “Dicionário Crítico de Política Cultural – Cultura e Imaginário”, uma obra referencial.

José Teixeira Coelho
Teixeira Coelho: "A literatura não é algo pessoal."

Provocador

Sobre a condição de ativista e provocador colocada por colegas durante a homenagem, o novo professor emérito disse aceitá-la. “Isso nunca me incomodou. Ao contrário, cheguei a escrever um pequeno livro, 'O intelectual brasileiro, dogmatismos e outras confusões’, para afirmar minha crença de que intelectual é uma pessoa que diz 'não' por princípio. Porque me incomoda muito as adesões surgirem antes das conclusões”.

A relação de Teixeira Coelho com a escrita começou cedo. Desde idade muita tenra, contou, sua vontade era escrever. “Era um desejo intransitivo. Escrever. Nem sobre nada ou ninguém especificamente. Simplesmente escrever.” Mas num país de alto índice de analfabetos e de pouca leitura, aparece nas entrelinhas que às vezes é doloroso escrever. “Sendo o autor que sou, o que sobrevém após uma publicação é um monumental silêncio. De vez em quando aparece alguém que leu e comenta. Mas aqui no Brasil, onde todos somos muito amigos, contornar a coisa é norma. Ninguém critica”, observa.

Para ele, a vida e a literatura sofrem influências externas. “Por mais estranho que possa parecer, acho que a vida não é algo pessoal. A literatura também não é algo pessoal, pelo menos para mim. O autor nem sempre escolhe o que vai escrever”, comparou.

Aos colegas que analisaram sua vasta trajetória intelectual, disse: “Nunca teorizei nem expliquei nada sobre minhas narrativas. Sinto como se de fato fosse outra dimensão do meu trabalho. Ao ouvir o Manuel (da Costa Pinto) e o Celso (Favaretto) falarem sobre o meu trabalho, sinto como se falassem de uma outra pessoa que não sei exatamente quem é”.

Arte-ativismo

A artista plástica Regina Silveira, docente aposentada do Departamento de Artes Plásticas da ECA/USP, pertenceu ao conselho curatorial do Museu de Arte de São Paulo (MASP) quando Teixeira Coelho foi curador-coordenador da instituição. Segundo ela, Teixeira Coelho assumiu o cargo num momento em que o museu tentava descobrir rumos. Usou de seu talento de “contador de histórias” e compôs “narrativas visuais instigantes com aproximações inusitadas”, contou.

Regina citou os modos de apresentação do acervo, não mais por países ou períodos históricos, mas por grandes temas capazes de abranger artes e artistas de diferentes tempos e expressões. “Isso foi para mim a marca maior dessas exposições do acervo”, disse.

Em outras exposições, como em Romantismo: a arte do entusiasmo; ou mesmo a “radical” De Fora para dentro, a artista ressaltou a capacidade do curador de subverter a abordagem do tema retratado e atrair a atenção do grande público.

Outro trabalho lembrado foi o livro “Dicionário Crítico de Políticas Culturais”, com o qual Teixeira Coelho chamou a atenção do especialista em políticas culturais Alfons Martinell, da Universidade de Girona, rendendo-lhe um convite para lecionar no mestrado da Universidade de Girona, em que Martinell era diretor.

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Vídeo (palavras de Teixeira Coelho)

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“Teixeira Coelho participa no debate sobre novas políticas culturais a partir de uma reflexão profunda sobre o sentido da cultura na sociedade contemporânea e estabelece que as políticas culturais são somente uma parte do sentido da cultura para o ser humano”, disse Martinell.

A formação em Direito permite estender suas preocupações sobre política cultural para o campo dos Direitos Humanos e Direitos Culturais, segundo Martinell.

“Não foi um acadêmico de escritório, mas atuou na gestão cultural de forma direta”, enfatizou o historiador Gerardo Caetano, Universidad de La República, Uruguai. Durante os debates, ressaltou que Teixeira Coelho tem o hábito de provocar os colegas não apenas a terem ideias novas, mas a abandonarem as antigas.

Para o diretor do IEA, Martin Grossmann, Teixeira Coelho é o tipo de curador que enfrenta a realidade brasileira, a qual necessita de intelectuais públicos capazes de assumir o papel de liderança, como fez Teixeira Coelho em várias ocasiões.

Na sua gestão como diretor do MAC-USP (de 1998 a 2002), o museu criou uma parceria com o Sesi e expôs, na Avenida Paulista, seu desconhecido acervo em curadorias que exploravam diferentes facetas da arte na contemporaneidade, aproximando assim o grande público das pesquisas realizadas pela universidade no campo das artes visuais. Além de transformar, com uma decisiva reforma, a sede no campus do Butantã em um espaço arquitetônico condizente à operação de um museu de arte, propôs um programa audacioso de construção de uma nova sede na Barra Funda para o MAC, que contou na época com o apoio do então reitor da USP Jacques Marcovitch, do Ministério da Cultura e da Prefeitura da Cidade.

Atualmente, Teixeira Coelho é curador da Bienal de Curitiba e colaborador da Cátedra Unesco de Política Cultural da Universidad de Girona, na Espanha, além de consultor do Observatório de Política Cultural do Instituto Itaú Cultural. Ele também foi diretor do Departamento de Informação e Documentação Artística (IDART), da Secretaria de Cultura da Cidade de São Paulo, escreveu livros sobre cultura e arte e também obras de ficção. Seu livro "História Natural da Ditadura", publicado em 2006, recebeu o Prêmio Portugal Telecom 2007.

Foto 1: Cecília Bastos
Fotos 2 e 3: Maria Leonor Calasans