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A importância da biodiversidade para o futuro da vida

por Mauro Bellesa - publicado 06/05/2015 15:55 - última modificação 03/08/2018 17:16

A bióloga Vera Lúcia Imperatriz-Fonseca fez a conferência Biodiversidade e Políticas Globais no dia 25 de abril.
Conferência com Vera Lucia Imperatiz-Fonseca - 25 de abril de 2015
A bióloga Vera Lúcia Imperatriz-Fonseca,
do Instituto de Biociências da USP

É significativo que a Intercontinental Academia (ICA) tenha acontecido este ano e tendo como tema central o tempo, uma vez que 2015 é considerado um ano crítico para que a humanidade tome decisões inadiáveis sobre seu futuro.

Em três ocasiões deste ano, líderes mundiais irão decidir sobre as próximas décadas. Em julho, os chefes de estado se reunirão para debater o financiamento do desenvolvimento. Em setembro, serão adotadas as Metas de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Em dezembro, os países integrantes das Nações Unidas negociarão o novo acordo climático mundial.

Para falar sobre as dificuldades impostas à vida no passado recente do planeta, mudanças globais e perspectivas para a biodiversidade nas próximas décadas, a Intercontinental Academia convidou a bióloga Vera Lúcia Imperatriz-Fonseca, do Instituto de Biociências da USP e ex-coordenadora do Grupo de Pesquisa Serviços de Ecossistemas do IEA.

Vera Lúcia fez a conferência Biodiversidade e Políticas Globais, na qual tratou dos impactos das ações humanas sobre o meio ambiente, dando destaque para a perda crescente de biodiversidade e às negociações que possam levar à proteção de ecossistemas e à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas sobre eles.

Vera Lúcia é adepta da proposta de classificação da história do planeta a partir do início da Revolução Industrial, no século19, como uma nova época, o Antropoceno, em sucessão ao Holoceno, iniciado há 11,5 mil anos, quando do final da última glaciação. A intensa alteração do meio ambiente provocada pela humanidade seria a característica definidora do Antropoceno.

No entanto, Vera Lúcia destacou na conferência que alguns indicadores importantes relacionados com as mudanças globais passaram a crescer exponencialmente a partir de meados do século 20, entre os quais: o total da população mundial, a utilização de terras antes virgens, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial, a drenagem de rios, o consumo de fertilizantes, o uso da água, o consumo de papel, o turismo internacional, o uso de veículos automotores e a população urbana. Uma das consequências desse quadro é a enorme parcela da superfície terrestre que já é ocupada por áreas urbanas, agricultura e pecuária.

A bióloga observa que se deve notar a alta quantidade de emissões de carbono que são “transferidas” entre os países pelo comércio internacional de mercadorias. O mesmo acontece com o uso da água, como insumo na produção de bens industriais e agrícolas. Ela afirmou que a China é um dos grandes importadores de água nesses termos, “ao mesmo tempo em que está adotando várias medidas para restaurar seu meio ambiente para futuras gerações”.

Segundo ela, em 1700 a população mundial era de 650 milhões e menos de 2% dos ecossistemas terrestres tinham sido alterados, ao passo que a previsão para 2025 é que a população chegue a 8,2 bilhões e mais da metade dos ecossistemas estejam alterados.

A pesquisadora relatou os avanços na conscientização sobre meio ambiente e sustentabilidade ocorridas desde o Relatório Brudtland da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1972, passando pela Rio 92, Rio+20 e outros fóruns internacionais de negociação climática e sobre biodiversidade.

Ela também tratou dos entraves à adoção de políticas internacionais em benefício do meio ambiente, como no caso da iniciativa Millennium Ecosystem Assessment (MS).

Em 2000, o então secretário geral da ONU, Kofi Annan, perguntou a 1.360 especialistas qual era a importância da preservação da natureza. Desse levantamento resultou a MS, destinada a avaliar as consequências das alterações nos ecossistemas para o bem-estar humano e as bases científicas para as ações necessárias em prol da melhoria da conservação e sustentabilidade desses ecossistemas.

No entanto, comentou Vera Lúcia, quando o trabalho foi apresentado aos países membros da ONU, eles não encamparam a iniciativa, por julgarem que se tratava de uma ação da Secretaria Geral da ONU e não algo negociado e aprovado pelos países signatários da organização.

De acordo com Vera Lúcia, depois de os governos recusarem a MS, um grupo de países, com a participação ativa do então presidente da França, Jacques Chirac, começou a pensar se havia novas possibilidades de tratar da biodiversidade e acabaram por organizar um painel similar ao Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).

“Chirac considerava que já se sabia de muitas coisas relacionadas com as mudanças climáticas e seria preciso realizar um trabalho similar em relação à biodiversidade.”

No Reino Unido, de acordo com Vera Lúcia, falou-se de uma perfect storm (tempestade completa), caracterizada pelo crescimento da população e da urbanização, pelas metas de diminuição da pobreza e pelas mudanças climáticas, sendo preciso propiciar mais comida, mais água e mais energia às populações necessitadas.

Algumas das perguntas da proposta eram: se 9 bilhões de pessoas poderiam ser alimentadas com igualdade e sustentabilidade de forma saudável; como seria possível lidar com a futura demanda de água; como fornecer energia suficiente, como mitigar os efeitos das mudanças climáticas; e se seria possível atender a essas demandas mantendo-se a biodiversidade preservada em nível aceitável.

“A preservação é essencial porque a biodiversidade leva muito tempo para se constituir e, além disso, a morfologia, a anatomia, a aparência dos animais constituem uma biodiversidade genética muito importante e da qual precisamos para lidar com todas as mudanças, principalmente aquelas resultantes das mudanças climáticas. As ferramentas moleculares propiciam exemplos de como identificar populações, como verificar se elas possuem melhores recursos para regulação térmica ou capacidade de viver em condições ambientais difíceis.”

Vera Lúcia lembrou que em setembro de 2015 a ONU adota uma nova agenda: as Metas de Desenvolvimento Sustentável, elaboradas por pesquisadores. “Nesse novo paradigma temos a economia no centro, a sociedade em torno dela e o sistema de suporte da vida na Terra em torno das duas.”

Esse panorama unificado é constituído por um conjunto de seis metas derivadas da combinação das Metas de Desenvolvimento do Milênio com as condições necessárias para assegurar a estabilidade dos sistemas da Terra.

As seis metas são: melhoria das condições de vida e dos meios de subsistência, segurança alimentar sustentável, segurança de água sustentável, energia limpa universal, ecossistemas produtivos e saudáveis e governança para sociedades sustentáveis.

Na parte final da conferência, Vera Lúcia falou de um projeto em que está diretamente envolvida, a Intergovernmental Plataform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES), lançada em abril de 2012. A plataforma foi criada pela comunidade internacional como um corpo intergovernamental independente aberto a todos os membros das Nações Unidas.

O objetivo da iniciativa é propiciar conhecimentos politicamente relevantes sobre biodiversidade e serviços de ecossistemas de forma a subsidiar a tomada de decisões. Atualmente, 124 países participam dela. Os organismos da ONU parceiros na iniciativa são a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Programa de Meio Ambiente (Unep) e o Programa de Desenvolvimento (UNDP).

Foto: Leonor Calazans/IEA-USP