Bons projetos nascem da escuta dos alunos

por Nelson Niero Neto - publicado 07/02/2020 12:06 - última modificação 07/02/2020 12:06

Propostas motivadoras consideram o contexto escolar e dos estudantes. Para criá-las, é necessário conhecê-los e respeitar as características do grupo
Pontos-chave

1. É impossível mobilizar os interesses do aluno sem investigar o contexto em que ele vive, suas preocupações e ações. Em crianças pequenas vale a observação atenta dos professores, no caso de adolescentes é importante que a escola se coloque como um espaço de diálogo e de troca de saberes.

2. Atividades que incentivam uma postura empreendedora nos alunos têm poder de fazê-los se sentirem corresponsáveis por seu aprendizado e se reconhecerem como sujeitos críticos, participantes e transformadores da sociedade.

3. Projetos que discutem comportamentos ou atuam para melhorar o ambiente físico fazem sentido para crianças e adolescentes e permitem que experimentem uma sensação de pertencimento ao grupo e à unidade escolar.

Por Rodrigo Ratier e equipe

Valorizar o interesse, o histórico de vida, as preocupações dos alunos e o que eles estudam na escola ajuda a lidar com a diversidade e a promover a equidade? Que recursos podemos mobilizar para dar sentido à trajetória escolar deles? Estas foram as provocações lançadas pelo professor Lino de Macedo aos cerca participantes da atividade temática "Escola: Desenvolvimento de Interesses", durante o primeiro encontro do Ciclo A Escola: Espaços e Tempos das Ações Docentes, da Cátedra de Educação Básica da USP. A discussão entre educadores de redes públicas e particulares de várias regiões do Brasil, coordenada por Helena Singer e Claudia Petri, teve o objetivo de levantar questões que pudessem reverberar dentro das escolas e, ao mesmo tempo, dar oportunidades para professores e gestores da educação básica serem autores, criando propostas de atuação. “Sabendo o quanto a escola é importante, como podemos pensar em desenvolver o interesse do aluno, considerando a situação em que ele vive?”, perguntou a socióloga Helena Singer.

Os participantes, divididos em grupos de quatro a cinco pessoas, iniciaram a atividade discutindo impressões acerca da palestra "Escola, Diversidade e Equidade", apresentada pelo professor José Francisco Soares, e sobre diferentes estratégias para desenvolver o interesse dos alunos pela aprendizagem. Deviam relembrar exemplos para relacionar com o tema desigualdade e equidade, refletir sobre como trabalham esses conceitos no dia a dia e lidam com a inclusão.

Valorização dos saberes

Quando as coordenadoras abriram a roda de conversa para que os educadores apresentassem o conteúdo discutido, sobressaíram projetos que reconhecem histórias de vida e privilegiam o diálogo, como os do primeiro grupo:

  • As professoras de uma escola municipal decidiram que era importante escutar os responsáveis e criaram o projeto “Famílias que ensinam” quando a lei mudou e as crianças passaram a entrar no Ensino Fundamental aos 6 anos.
  • Com base em um aprendizado adquirido na escola, um estudante de EJA fundou um movimento de economia criativa, com banco e moeda própria, no bairro paulistano do Campo Limpo, que tem como objetivo viabilizar a produção artística da periferia.
  • Durante uma pesquisa de preços no supermercado, atividade de educação financeira, uma aluna cega percebeu que havia pouquíssimos produtos com identificação em braille. Ela e seus colegas 4º ano resolveram escrever para a Nestlé, contando sobre seu direito tolhido, já que não poderia ler o rótulo de uma caixa de bombons. A empresa enviou caixas de bombons com impressão em Braile e contou que daquele momento em diante mudaria suas embalagens. O fato deu às crianças a certeza de que cobrar por seus direitos é legítimo e transformador.

O segundo grupo destacou a tarefa de uma coordenadora pedagógica de São Paulo, que repensou, junto com uma supervisora de ensino, o Projeto Político Pedagógico (PPP) de um CEI (Centro de Educação Infantil), uma EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) e uma EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental). As três unidades escolares ocupam o mesmo quarteirão e não se conversavam. O desafio foi planejar espaços e tempos, em uma proposta que respeitasse o conceito de educação integral.

Veja os vídeos do encontro na íntegra: Parte 1Parte 2

Outros relatos da turma incluíram uma feira de educação científica com mais de 60 experimentos ‘mão na massa’ para 400 crianças da rede pública; um projeto sobre mestras da cultura popular brasileira, valorizando as mulheres; e o programa Colônias do Saber, do município de Itapeva (SP), em que atividades de Língua Portuguesa, Matemática e Educação Física foram apresentadas de modo atrativo, durante 10 dias nas férias, a alunos do Ensino Fundamental em situação de vulnerabilidade social ou que não atingiram as metas de aprendizagem.
Projetos que motivam

No segundo momento da atividade temática, as coordenadoras convidaram os educadores – agora divididos em grupos de 8 a 10 pessoas – a desenhar em conjunto atividades ou projetos. “O professor e a gestão escolar precisam pensar em práticas que sensibilizem os alunos e valorizem seus interesses. O ponto de partida é identificar quem é esse aluno, qual a sua família e o seu território”, introduziu a especialista em formação Claudia Petri. “Vale mobilizar seus conhecimentos prévios e lembrar de aspectos da discussão da manhã, como a garantia da inclusão de todas as pessoas no processo de aprendizagem”, pediu Claudia. “A ideia é construir propostas que tragam significado para a vida do estudante e que devolvam a ele um sentimento de pertencimento àquela escola.”
Cinema e juventude

O projeto apresentado por Kelly Cristine Correa da Silva, professora do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, foi o escolhido como proposta de um dos grupos. Oferecida desde 2013 na escola, a disciplina eletiva Cinejuventude consiste em assistir a filmes com protagonistas jovens e discutir seus temas por 1 hora e meia por semana, em horário regular. “O projeto é simples, mas tem potencial, pois os jovens querem se ver na imagem e discuti-la. Eles desenvolvem um olhar crítico sobre a mídia, percebem estereótipos e rótulos”, conta a professora, que ressalta que os adolescentes precisam de espaço para conversar sobre suas preocupações. Em setembro são apresentados filmes estrangeiros e nacionais que abordam o suicídio juvenil e especialistas vão à escola para falar do tema.
Como se descobre a aptidão para a música, o talento para o esporte ou o gosto pela tecnologia se não existe uma oferta de atividades na escola? Foi essa a questão orientadora para a criação de um projeto de oficinas para a pré-escola e os anos iniciais do Ensino Fundamental. “A ideia é que os alunos identifiquem o que mobiliza o seu interesse”, explica Mauricio Ortiz Neto, diretor de escola em Taquarituba (SP). Não se trata de eleger temáticas, mas sim oferecer práticas e observar o envolvimento das crianças. Os alunos seriam divididos por ciclos (2ºs e 3ºs anos e 4ºs e 5ºs anos) e as áreas sugeridas foram: música e dança; tecnologia; criação em sala maker; mágica; leitura teatral e vivência corporal.

Estudantes em transformação

“Para Educação Infantil e Ensino Fundamental de redes públicas e privadas, imaginamos um projeto em que as crianças pensem em um sonho, algo que gostariam de ver nas suas salas ou na escola, que pudesse ser concretizado até o final do ano”, descreve Carolina Simabuturo Teixeira, professora da rede particular da capital paulista. A transformação não dá para prever, pois depende de demandas ou incômodos das crianças, por isso seus desejos precisam ser ouvidos de maneira respeitosa pelo professor. Os desdobramentos podem ser uma nova decoração, um mutirão de limpeza na escola e muitos outros. Ao tentar implantar mudanças, com mediação de docentes, o aluno se sente corresponsável pelo espaço escolar.

Quem é Claudia Petri
Pedagoga e Mestre em Educação: Formação de Formadores, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), atua com programas e projetos na área de formação da Fundação Itaú Social. Trabalhou na Secretaria Estadual de São Paulo como professora, coordenadora pedagógica e diretora escolar e foi coordenadora e gerente de projetos educacionais no Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).
Quem é Helena Singer
Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Ensino e Diversidade da Universidade Estadual de Campinas (LEPED-Unicamp). É vice-presidente Ashoka para a Juventude na América Latina. Foi assessora especial do Ministro da Educação (2015), diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP. É autora livros e artigos sobre educação e direitos humanos.
Outra proposta recebeu até título: “Quem jogou o lixo que está aqui? Olhares sensíveis e transformadores do nosso espaço”. O objetivo é envolver estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental para aprender sobre reaproveitamento de lixo e descarte e sensibilizar moradores do entorno. O planejamento inclui uma sequência didática que dura um semestre. “O projeto é multidisciplinar e prevê pesquisa de campo, para que eles verifiquem as condições de um bueiro, por exemplo, uma campanha de conscientização e uma mostra cultural”, conta Maria Isabel Calleja, coordenadora de Educação Física de um colégio particular da capital.

Nos projetos criados pelos grupos ficou evidente que se entende que crianças e jovens precisam empreender e que as atividades da escola precisam ser readequadas. “Eles trouxeram o conhecimento da prática e fizeram trocas enriquecedoras. Os projetos são muito possíveis em qualquer realidade escolar”, elogia Claudia. Na opinião de Helena, os participantes se preocupam em conhecer seus alunos, fazem uma sensibilização dentro do contexto do bairro e da cidade e propõem experiências de escuta, pesquisa e diagnóstico, para então trabalhar considerando os interesses de crianças e jovens.