Corresponsabilidade gera aprendizagem

por Nelson Niero Neto - publicado 07/02/2020 13:02 - última modificação 07/02/2020 13:02

Experiências para além dos espaços escolares dependem de autonomia dos professores, apoio da gestão e colaboração das famílias
Pontos-chave

1. Reconhecem-se, nos grupos, os diferentes graus de liberdade a que estão submetidos os docentes. Enquanto alguns exercitam com frequência as saídas pedagógicas, outros esbarram em barreiras como a burocracia, a falta de recursos, a insegurança da gestão ou o medo dos pais dos alunos.

2. Quando a educação é uma responsabilidade compartilhada por todos – professores, gestores, funcionários, comunidade e os próprios alunos – as experiências dentro e fora da escola ajudam a enriquecer as relações e associações que contribuem para a aprendizagem.

3. Nos debates e rodas de conversa, foram relatadas muitas iniciativas individuais do além-aula. Em geral há pouco envolvimento da gestão da escola e das redes municipais nessa prática, que ainda está longe de ser institucionalizada.

Por Rodrigo Ratier e equipe

Uma gestão comprometida leva todos a aprender. E para isso, o olhar pedagógico precisa considerar, em cada escola, o contexto e as características de seu entorno. Com essa fala, Juliana Yade, do Itaú Social, terminou o primeiro momento do encontro e introduziu a temática da oficina “A escola além da aula”. “É cada vez mais necessário trabalhar de modo colaborativo, com flexibilidade. Há uma urgência de mudar o funcionamento do ambiente escolar”, diz. Juntamente com Vera Henriques, do Instituto de Física da USP, ela conduziu os debates em torno das experiências que ultrapassam os muros da escola. Apoiadas pelo professor de física Mikiya Muramatsu, também da USP, elas dividiram a turma em grupos de até cinco pessoas e pediram que relatassem a ação dos professores além da aula, analisando também o papel da gestão para o sucesso dessas experiências.

Em um dos grupos, a professora Elenir Caldas, da rede pública de Cubatão, no litoral paulista, contou que costuma levar as crianças para ver o que acontece nas ruas, em saídas pedagógicas. Um projeto sobre o lixo motivou sua turma do 3º ano a observar o estado precário de manutenção da cidade, com bueiros sujos, falta de lixeira nas praças, sacos pendurados nas árvores. Ver tanta coisa errada os fez pedir para escrever uma carta para o secretário de Meio Ambiente. “Ter intencionalidade durante essas saídas faz com que eles apurem o olhar para os problemas”, conta a professora. Em outras ocasiões, Elenir leva as crianças à feira e ali acontecem interações entre os feirantes e as crianças, e as informações coletadas nas barracas viram material de estudo dentro de sala. “Tenho abertura para me movimentar com meus alunos, e isso é muito bom”, reconhece, notando seu privilégio por trabalhar onde existe uma gestão que a incentiva e apoia.

O grau de liberdade responde a três características: do público a que uma determinada unidade atende, do seu entorno e da gestão escolar. Pais de colégio particular podem negar autorização para que seus filhos saiam, por preocupações com a violência. Em escolas públicas, por vezes faltam recursos ou o entorno não é interessante ou seguro o suficiente para que saiam todos a pé, como fazem os alunos de Elenir.

“Em geral, a escola perde a oportunidade de que a comunidade participe do processo de aprendizagem das crianças, como acontece, por exemplo, em Reggio Emilia”, observou Rita de Cássia Antunes, coordenadora pedagógica na rede particular de São Paulo. Se a educação é responsabilidade compartilhada por todos – professores, gestores, funcionários, comunidade e os próprios alunos –, experiências dentro e fora da escola ajudam a enriquecer as relações e associações que geram a aprendizagem. E, ainda, apurar olhares e aguçar os sentidos. “Na escola particular, o professor é muito cobrado e acaba se dedicando mais ao conteúdo do que às experiências”, analisa Rita.

Veja os vídeos do encontro na íntegra: Parte 1Parte 2

Carolina Akemi Teixeira, professora no colégio Mater Domus, em Santos, não consegue levar a turma dos anos iniciais do fundamental à praia – que fica bem próxima – para investigar sobre conchas. “Restou incentivar os alunos a pesquisar do lado de fora e, então, compartilhar. Mas sem a saída pedagógica, eles perdem o momento de troca com o professor, em que se aprende junto, ao comentar e questionar”, diz ela.

Experiências de destaque

Após as discussões, as mediadoras incentivaram a socialização das experiências que mais chamaram a atenção em cada um dos grupos. Veja algumas:

  • A rede de Itapeva, no interior de São Paulo, faz um levantamento das potencialidades do território, para que crianças e adolescentes possam ocupar com segurança certos pontos do bairro onde cada escola está inserida e transformá-los em espaço de aprendizagem.
  • A EMEI Gabriel Prestes fica na rua da Consolação, em São Paulo, e aproveita as possibilidades educativas das bibliotecas Mário de Andrade e Monteiro Lobato, da praça Roosevelt, do SESC e do cemitério da Consolação. Tem a prática de circular com as crianças pequenas pelo entorno da escola, para que sejam vistas, admiradas e reconhecidas. No cortejo, elas cantam e ecoam gritos de guerra. A escola adotou o termo “territórios das infâncias”, abraçando o papel de mostrar aos adultos que é possível se surpreender com a cultura infantil.
  • Em uma rede pública do litoral sul paulista, uma diretora fez uma pesquisa junto aos pais e detectou que tinham poucos momentos de lazer com os filhos. Isso motivou a escola a incentivar o convívio, dando ideias para que adultos e crianças andem pela praia, conversem e brinquem juntos.
  • Uma rede particular fez um projeto sobre suicídio com as turmas de 9º ano. Os alunos decoraram as salas, distribuíram abraços em toda a escola e orientaram colegas. Com apoio da gestão, distribuíram folhetos sobre a temática nas ruas. Outro projeto para sensibilização da comunidade no entorno foi feito por uma turma de 4 e 5 anos de uma escola pública da Cohab de Itaquera, periferia da cidade de São Paulo, que vasculhou o quarteirão para procurar focos de dengue, elaborou um funk sobre o tema e distribuiu panfletos na localidade.
  • Uma professora de escola privada da capital colabora com uma ONG e seus alunos resolveram arrecadar brinquedos para a instituição. O envolvimento foi além do esperado, com as famílias mobilizadas, entendendo que, mesmo não conseguindo entregar pessoalmente as doações, solidariedade gera transformação para o estudante e para o território social em que a escola está inserida.

 

Criando um plano de ação

Na segunda parte do encontro, em grupos de 10 a 12 pessoas, os participantes escolheram um tema para desenvolver um plano de ação na escola. Ele deveria conter a ideia, os elementos de aprendizado e as seguintes questões: Quem envolver? Como envolver? Onde? Quando? Com qual cronograma? Como manter?

Leia os relatos resumidos abaixo. Os títulos são os nomes dados aos projetos criados por cada grupo:

Futuro sustentávelEnvolve da Educação Infantil ao Ensino Médio em coletas de materiais recicláveis dentro e fora da escola, em paralelo com a discussão de conhecimentos como o tempo de degradação dos materiais em Biologia, as quantidades de resíduo em Matemática. A escola serve como posto de coleta e promove gincanas para motivar as crianças. O prazo pode ser trimestral, semestral ou anual. “O projeto deve envolver a comunidade como um todo, como nas campanhas Tampinha Legal e Brasil sem Frestas”, diz a professora Maryana Eiras, da rede privada, relatora do grupo.

Quem é Vera B. Henriques
Graduada em Física pela University of Edinburgh, é doutora em Física pela Universidade de São Paulo (USP). É especialista em Física Estatística com aplicações em Físico-Química e Biofísica Molecular, atua como professora associada da USP e como coordenadora dos projetos de colaboração entre a universidade e a escola pública.

Nossas origensO objetivo é discutir a pluralidade, tirando barreiras socialmente impostas. “É necessário conhecermos o nosso entorno e a sociedade onde estamos inseridos, pois cada um vive na sua própria bolha”, ressalta a professora Carla Batista, professora da rede particular nos arredores da favela Paraisópolis. O projeto sugere uma parceria entre escola pública e privada, mediada pela cátedra da Educação Básica. Entre as ações pensadas estão: musicalidade e brincadeiras na Educação Infantil, show de talentos musicais e esportes nos anos iniciais do Fundamental e cinema e cultura nos anos finais do Fundamental e no Ensino Médio. Espaços públicos como parques podem abrigar mostras, shows e piqueniques com presença da comunidade e das famílias.

Quem é Juliana Yade
Possui graduação em Pedagogia com habilitação em Orientação Educacional e concluiu Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Atuou como professora nas séries iniciais do Ensino Fundamental com o sistema Montessori de Ensino. Tem se aprofundado nos seguintes temas: afrodescendência; africanidades; currículo; movimentos sociais de maioria afrodescendente; educação escolar; espaços periféricos urbanos.

Aula do saberTrazer as experiências além da aula para o nível de gestão, envolvendo professores e a equipe escolar. “A escola além aula precisa ter vínculo com o currículo e ser uma atividade regular”, observa Josicelle Neves, professora da rede municipal de Itapeva. A ideia é promover formação continuada sobre o tema e envolver as turmas em situações de aprendizagem indo à feira, ao supermercado, a lojas do entorno. Além disso, trazer a comunidade para a escola quando as saídas não forem possíveis. O período proposto é o ano inteiro e o projeto se mantém porque seus resultados são avaliados na própria formação em serviço (HTPC).  É papel dos gestores articular e incentivar o grupo, evitando que a iniciativa morra.

Por fim, houve uma palavra de síntese dos mediadores. “Nosso desafio é construir uma nova sociedade, colaborativa, corresponsável, que pensa, que ouça. Queremos sonhar, mas também colocar isso em prática”, observa a professora Vera Henriques. Para Nílson Machado, da Cátedra de Educação Básica da USP, o além da aula é muito mais do que a aula, é uma atividade sem formato tradicional para concretizar a educação inclusiva. “Essa seria uma recomendação interessante para a constituição de políticas educacionais”, diz o professor.