Formação continuada exige compromisso coletivo

por Nelson Niero Neto - publicado 07/02/2020 13:04 - última modificação 07/02/2020 13:04

Para que as discussões das reuniões pedagógicas impactem na prática docente, é necessário um olhar amplo de toda a comunidade
Pontos-chave

1. O primeiro espaço de trabalho pedagógico coletivo é o PPP. Como orientador das ações da instituição, ele direciona as formações. Por isso, a importância dos professores se envolverem também na construção do documento.

2. É preciso incentivar momentos para o trabalho pedagógico coletivo. Em algumas escolas, não há horário dedicado a formação continuada. Nas instituições particulares, a questão de pagamento dos professores para permanecer mais horas na escola aparece como um empecilho.

3. Nem sempre o horário pedagógico coletivo é bem aproveitado. Por falta de planejamento, o tempo é subaproveitado para recados, reclamações ou formações que não dialogam com as necessidades docentes.

4. Ouvir a comunidade é essencial. Iniciativas de buscar insumos para a formação nos instrumentos de registros docentes, diálogo com pais e responsáveis e olhar para os profissionais não docentes tende a reverberar positivamente na prática educativa.

Por Rodrigo Ratier e equipe

O fio condutor de um bom planejamento e da execução eficiente do trabalho pedagógico coletivo passa pela construção do projeto político-pedagógico (PPP) da escola. “A necessidade das reuniões pedagógicas precisa estar descrita no PPP para que o horário não vire um lugar de comércio entre os professores e de mero compartilhamento de avisos”, pontua Mônica Almeida, gestora da rede municipal de São Paulo. Ao lado do professor Luís Carlos de Menezes, Mônica coordenou a atividade temática “Trabalho Pedagógico Coletivo” no terceiro encontro do Ciclo A Escola: Espaços e Tempos das Ações Docentes.

Justamente pelo papel de guia que o documento possui, é essencial que toda a comunidade participe da construção dele. O PPP é o primeiro local em que se descreve o espaço das formações em serviço na instituição. Já nos momentos iniciais da atividade ficou visível a fragilidade dos momentos formativos nas escolas. Falta de engajamento dos professores, temas que não dialogam com as necessidades práticas e momentos subutilizados com discussões paralelas e informativos sobre a escola foram alguns dos problemas identificados pelos presentes.

Quatro grupos foram formados para discutir suas vivências com reuniões pedagógicas e elencar boas práticas. Na socialização, alguns grupos apontaram mais questões problemáticas do que propostas bem sucedidas. A situação é distante da desejável em diversas instituições de ensino – públicas e privadas. Algumas delas sequer reservam um espaço semanal para a atividade, inviabilizando o aprimoramento da prática docente dentro da instituição e concentrando a responsabilidade e investimento da formação continuada nos próprios professores. Veja abaixo as principais análises desenvolvidas na atividade temática pelos grupos:

O incentivo das boas práticas como ponto de partida

A postura dos professores em relação aos horários de trabalho pedagógico coletivo foi apontada como um fator que dificulta o melhor aproveitamento da formação continuada dentro da escola. “A ação do diretor e do coordenador é muito importante, mas eles são facilitadores. Existem muitos professores desanimados. Como motivá-los e tirá-los da zona de conforto para integrá-los ao projeto pedagógico?”, questionou Alexandre Souza de Morais, diretor na rede municipal de Taquarituba (SP). A pergunta guiou o debate do grupo. Apenas cobrar a participação docente não teria efeito. Por isso, a sugestão foi se aproximar dos professores e tentar engajá-los primeiramente a partir do e apoio ao desenvolvimento de projetos individuais ou em pequenos grupos. “Começar com pequenas ações pode sensibilizá-los e provocá-los para participar de outros projetos que a escola desenvolve”, defende Alexandre.

 

Veja os vídeos do encontro na íntegra: Parte 1Parte 2

O compromisso coletivo com o projeto da escola

A coordenadora pedagógica Maria Izabel Pamplona compartilhou a experiência de um colégio particular em São Paulo que usou a tecnologia para facilitar o trabalho em grupo. A escola optou pelo uso da ferramenta Wiki, que possibilita a criação de textos de forma coletiva, permitindo que o documento pudesse receber contribuições de qualquer pessoa da equipe da escola. Todos os professores e funcionários passaram por uma formação com a diretora para utilizarem a ferramenta com maior facilidade. “Todos fizeram parte e se tornaram co-autores do PPP”, relatou a coordenadora.

Um projeto do Colégio Ítaca também foi destacado pelo grupo como caminho possível para contemplar o olhar dos alunos sobre o projeto de escola. O FOCAR (sigla para as palavras Focar, Ouvir, Calar, Argumentar e Rever), desenvolvido com os alunos do Ensino Médio, possibilita captar insumos das falas dos estudantes para tratar em reuniões pedagógicas. Entre os temas discutidos, surgem questões de clima escolar, aprendizagem e projetos.

Tecnologia a favor da informação

A colaboração da tecnologia também surgiu como uma oportunidade para garantir que todos os docentes tenham acesso ao que é discutido coletivamente. “Sabemos que tem professores que trabalham em mais de uma escola, às vezes, em cidades diferentes. Por isso, não conseguem estar no horário de trabalho pedagógico coletivo”, relatou Elisângela Machado, diretora na rede municipal de Vargem Grande Paulista, no interior de São Paulo. A proposta trazida pelo grupo para superar esse obstáculo seria disponibilizar online as informações discutidas nos espaços de formação. Desta forma, os aprendizados das reuniões pedagógicas estariam à disposição para futuras consultas.

O grupo também debateu o perfil dos gestores na condução do trabalho coletivo. Liderando a equipe, é necessário que estes profissionais sejam mobilizadores do conhecimento e tenham uma postura ativa de pesquisa para que as formações possam agregar, de fato, para a prática docente.

O olhar para o todo

Um dos grupos levantou a necessidade de ter em vista no planejamento as reais lacunas e necessidades da equipe, o desenvolvimento dos funcionários não docentes e o espaço em que as formações acontecem. Um dos pontos trazidos foi de que nem sempre as formações ajudam nos desafios do dia a dia da escola. Como possibilidade para contornar a situação, foi sugerido um olhar mais apurado para os instrumentos de registro docente, como o diário de classe, e uma escuta sensível no dia a dia da escola. Duas educadoras que integram a rede municipal de Santos relataram que foi com base nessa observação que a escola percebeu que havia poucas atividades de leitura nas aulas. Conversando com os docentes, descobriram que eles sentiam necessidade e tinham interesse em se aprofundar no assunto – o que acabou se tornando tema de formação na escola.

Quem é Luís Carlos de Menezes
Doutor em Física pela Universidade Regensburg, é professor sênior do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. Membro do Conselho Estadual de Educação em São Paulo. Consultor da Unesco para propostas curriculares. Principais focos de trabalho em educação: currículos para a educação básica, formação de professores e ensino de ciências.
Quem é Mônica Almeida
Formada em Pedagogia pela Universidade Santo Amaro, é educadora na Educação Básica há 24 anos. Atua como coordenadora pedagógica e professora na rede municipal de São Paulo. Possui pós-graduação e especialização em Educação inclusiva pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Trabalha com autismo, surdez e deficiência intelectual. Foi intérprete de libras na rede estadual de São Paulo.

E o olhar para as necessidades formativas não deve parar nos docentes. Profissionais da limpeza, cozinha, inspetoria e vigilância que atuam na escola também são considerados educadores e, por isso, é importante que eles possam refletir sobre a escola. Vanessa Rodrigues, diretora na rede municipal de São Paulo, relatou que a instituição em que trabalha promove encontros formativos quinzenais com esses profissionais. “Trabalhamos com a metodologia da investigação temática de Paulo Freire. Vamos fazendo uma leitura dos discursos, das concepções subjacentes dos discursos e vamos juntos construindo um percurso formativo”, conta a diretora.

Por fim, o grupo ressaltou a importância do espaço em que os encontros acontecem. “O espaço educa e precisa ser pensado e planejado com intencionalidade. Não dá pra conceber a formação dos profissionais em espaços que são inadequados”, disse Vanessa. Salas desorganizadas, além de gerarem desconforto aos presentes, podem passar a mensagem de que o papel da formação não é relevante para a escola.

Para Menezes, é preciso compromisso com o projeto pedagógico que a escola se propõe a desenvolver no seu dia a dia. “Projeto só faz sentido se for realizado. E você só sabe se foi realizado se há um olhar constante para ele”, diz o professor. O compromisso, entretanto, não é apenas das lideranças escolares, mas de toda a comunidade.