Para mudar a cultura escolar, é preciso articular o coletivo

por Nelson Niero Neto - publicado 07/02/2020 12:48 - última modificação 07/02/2020 12:48

Os projetos são a principal forma de integração das disciplinas. Mas, para que deixem de ser ações pontuais, é preciso mobilização dos gestores
Pontos-chave

1. Há elementos estruturais que dificultam a integração das disciplinas, como é o caso do formato de aula de 50 minutos e a especialização docente na formação inicial em um componente curricular específico.

2. Os projetos são a forma mais comum de reunir professores de diferentes componentes curriculares para trabalharem de forma interdisciplinar na escola.

3. Para que o projeto interdisciplinar seja efetivo na formação do estudante, ele deve ser estruturado considerando o currículo, mas também o contexto social, cultural e territorial em que a escola se localiza.

4. A interdisciplinaridade pode ganhar escala na escola se houver respaldo da gestão. Para isso, é necessário investir na formação continuada para o trabalho interdisciplinar e pautar a diretriz no PPP, documento que orienta o planejamento.

Por Rodrigo Ratier e equipe

“No interior de cada componente curricular, como você encontra os elementos interdisciplinares?”, questionou o professor Luís Carlos Menezes, abrindo as conversas da atividade temática “Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Cultura”.  A coordenação coube ao professor e a Sônia Dias, especialista da Fundação Itaú Social.

Pouco antes, na palestra de abertura “Fragmentação Disciplinar e Transdisciplinaridade”, todos os participantes haviam sido provocados pelos professores Naomar de Almeida Filho e José Eli da Veiga a refletir sobre a fragmentação do conhecimento e as possibilidades de interação entre diferentes disciplinas. Muitas vezes, quando se propõe trabalhar de forma interdisciplinar, são usadas áreas de conhecimentos muito próximas. “É a aproximação de duas disciplinas, mas não é transdisciplinar. Geralmente, são áreas que já dialogam há muito tempo”, disse Veiga.

Com base nessas provocações, os participantes da atividade temática passaram a se desafiar a pensar situações em que áreas mais distantes do conhecimento se encontrassem, como as Ciências da Natureza, Humanas e Matemática. Menezes exemplificou que a Geografia aborda o tema de matrizes energéticas, que também é comum à Física e à  Química. Já quando a Geografia trabalha mapas, ela encontra a Matemática, ao refletir sobre nas escalas, por exemplo. “Você pode partir de cada componente curricular e ter uma atitude em direção à inter ou à transdisciplinaridade”, afirmou o coordenador.

Ao partir para as experiências dos participantes em suas próprias escolas, duas questões se destacaram. A primeira foi a oportunidade que surge ao se trabalhar por projetos para articular os diferentes componentes curriculares e também a necessidade de maior integração entre professores, gestores e comunidade escolar. “No papel, você tem essa liberdade de trabalhar de forma mais interdisciplinar. Mas, quando vai para a prática é mais difícil”, opinou Elisângela França Machado, professora da rede municipal de Vargem Grande Paulista (SP).

Para que seja possível, de fato, articular os componentes curriculares de forma que eles garantam ao aluno uma visão integral do conhecimento e não compartimentada, é necessário mobilizar toda a equipe da escola, famílias e os próprios estudantes. Como isso nem sempre acontece, as interações acabam restritas aos profissionais que têm maior afinidade por trabalharem com áreas relacionadas (Química e Biologia, ou História e Geografia, por exemplo).

Veja os vídeos do encontro na íntegra: Parte 1Parte 2

Um dos obstáculos identificados para implementar uma cultura de maior integração entre as disciplinas foi a própria formação inicial dos educadores, especializada dentro de um componente curricular. Na formação continuada, surgem outros dois obstáculos: nem sempre a gestão incentiva essa articulação entre a equipe ou dá insumos para que ela aconteça. Além disso, os horários de trabalho coletivo nem sempre conseguem reunir todos os professores que, por possuirem agendas diferentes, nem mesmo participam do momento.

Ao fim da primeira parte da atividade, o grupo escolheu os tópicos “Projetos e Metodologias Ativas” e “Articulação do Coletivo da Escola” para a discussão em grupos menores. Posteriormente, eles seriam apresentados para a plenária geral.

Quatro grandes grupos foram formados garantindo que estivessem presentes, em cada um deles, gestores e professores aula do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Todos discutiriam os dois tópicos elencados pela sala.

Projetos como forma de interdisciplinaridade

Os educadores identificaram a necessidade de, inicialmente, esclarecer para a comunidade escolar a concepção de projeto. Eles o definiram como um tópico que se articula com o currículo, tem um desdobramento prático e que considera a realidade em que a escola está inserida. “Muitas vezes o professor até faz uma aula diferente, mas quando você fala em ‘projeto’, ele assusta”, contou Maurício Diniz Neto, da rede municipal de Taquarituba (SP).

Uma alternativa levantada para aumentar gradativamente a confiança dos professores para a realização de projetos seria a docência compartilhada, em que mais de um profissional atua simultaneamente com um grupo. Assim, também seria possível trazer um olhar interdisciplinar para o mesmo espaço. Outro paradigma a ser quebrado para facilitar a prática seria sair do modelo de aulas de 50 minutos.

Os educadores também destacaram a importância de se pensar em atividades em que os estudantes possam apresentar propostas de intervenção na comunidade onde vivem, já que pensar e executar essas intervenções raramente é possível sem se olhar para os problemas considerando como diversas disciplinas podem ser aplicar a eles. Entre os exemplos citados estiveram projetos de saúde e economia financeira familiar. No entanto, para sair do papel para a prática, a discussão sempre se deparava com a necessidade de uma articulação do todo da escola ou até mesmo como um direcionamento da rede.

Um exemplo levantado pelos professores foi o da rede municipal de São Paulo, que desenvolve o Trabalho Coletivo Autoral (TCA). Do 7º ao 9º ano do Fundamental, os alunos precisam desenvolver um projeto de pesquisa que contenha uma intervenção social na comunidade em que a escola está inserida. “É um trabalho interdisciplinar, desenvolvido no dia a dia, em todas as disciplinas”, afirmou a professora Mônica de Almeida, que trabalha na rede.

A articulação da escola como um coletivo

A mudança da cultura de uma instituição da fragmentação para a inter ou transdisciplinaridade exige mais que o esforço de um grupo de professores: ela perpassa ações estruturais do planejamento, e a gestão é vista como a principal articuladora dessa transformação.

Como a fragmentação do conteúdo é anterior à escola, algo já presente na formação docente, seria necessário começar o trabalho fora da sala de aula. O primeiro passo seria que diretores e coordenadores pedagógicos se aprofundassem no tema e, então, convidassem o restante da equipe a pensar em como aplicá-lo na prática. “Muitas vezes, o gestor não conhece o que se faz em sala de aula e assim é difícil articular oportunidades na equipe”, disse Cecília Maria Rolim, professora no Colégio Notre Dame, em São Paulo.

Uma mudança de formato de aula ou mesmo um direcionamento da necessidade de se trabalhar integrando diferentes áreas do conhecimento exigiria um direcionamento da gestão. Como o principal documento norteador da escola, o projeto político pedagógico (PPP) foi apontado como o caminho para consolidar a articulação entre o coletivo e indicar as diretrizes pedagógicas para que esse trabalho aconteça.

Quem é Sônia Dias
Doutora em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), é especialista em Educação na Fundação Itaú Social. Já trabalhou no Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) e na Editora FTD.
Quem é Luís Carlos de Menezes
Doutor em física pela Universidade Regensburg, é professor sênior do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. Membro do Conselho Estadual de Educação em São Paulo. Consultor da Unesco para propostas curriculares. Principais focos de trabalho em Educação: currículos para a Educação Básica, formação de professores e ensino de Ciências.

A comunidade escolar – e não apenas a gestão – precisaria se envolver no processo de construção do documento. Só assim o PPP poderia garantir a responsabilização coletiva sobre a mudança. Assim, seria possível se discutir, em conjunto, qual o melhor percurso para garantir a formação integral dos estudantes.

Por fim, para garantir que os projetos interdisciplinares sejam significativos para as crianças e os jovens, a escola precisa levar em conta em sua elaboração o contexto social, cultural e territorial em que a escola está inserida. Para encontrar o contexto, é necessário se aproximar da comunidade. “A participação e o protagonismo da comunidade escolar torna possível aprender dentro do contexto. Uma ideia para se aproximar das famílias é ter o aluno como um canal de comunicação entre escola e comunidade”, apontou Sônia Dias, que coordenou a atividade temática.