O desafio da qualidade passa pelo professor

por Nelson Niero Neto - publicado 01/08/2019 18:05 - última modificação 20/08/2019 14:59

Valorizar a formação inicial e continuada é chave para melhorar os índices de aprendizagem no Brasil, diz especialista
Pontos-chave
  1. Ainda que o Brasil atenda boa parte do público do Ensino Fundamental, ainda tem o desafio de incluir os jovens de até 17 anos e garantir a qualidade da Educação.
  2. Tendências internacionais, como a personalização do ensino, a flexibilização do currículo e o trabalho por competências podem ajudar na promoção da qualidade do ensino.
  3. Um novo contexto exige um professor que atue como um assegurador de aprendizagens.
  4. Planejar em conjunto e assistir a aulas de colegas são algumas das estratégias de colaboração que podem ser utilizadas pelos professores.

Por Rodrigo Ratier e equipe

O Brasil precisa incluir temas como o ensino por competências e a transformação do mundo do trabalho no debate sobre Educação ao mesmo tempo em que tenta melhorar indicadores ainda muito baixos se comparados a outros países do mundo. Em todas essas questões, a formação inicial e continuada dos professores ganha papel central, segundo Claudia Costin, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e palestrante do segundo encontro do Ciclo Ação e Formação do Professor com o tema “Avaliação e Planejamento: Boas práticas para o uso da hora/atividade na autoformação”.

Costin lembra que o país é signatário de acordos internacionais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Organização das Unidas para o período de 2015 a 2030. Sobre Educação, o ODS 4 diz: “Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.”  Nessa redação, inclusiva diz respeito a importância de garantir o atendimento independente do sexo, do grupo étnico ou da existência ou não de deficiências. Equitativa se refere a importância de garantir o acesso a educação de qualidade para pessoas de diferentes classes sociais. Qualidade trata da importância de demonstrar aprendizagens efetivas, por meio da realização de avaliações externas, por exemplo. Por fim, a promoção de oportunidades ao longo da vida está articulada não apenas a Educação de jovens e adultos, mas também a promoção de uma aprendizagem que permita que os estudantes se adaptem e se qualifiquem, conforme o mundo for se transformando. “Isso quer dizer aprender a aprender", destaca a palestrante.

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Boa parte desses desafios ainda precisam ser cumpridos pelo país, sobretudo na inclusão de jovens e adolescentes no sistema educacional — a evasão, sobretudo no Ensino Médio, ainda é grande — e na promoção da qualidade. Segundo dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), o país ocupa a 63º posição em Ciências, 59º Leitura e 66º em Matemática entre 70 países ou grupos de cidades que participaram da avaliação. “Não é só classe social, que não é só nosso retardo no acesso à escola, esse resultado tem a ver com como ensinamos", explica Costin.

Tendências para o ensino e para a profissão docente

Em boa parte dos países desenvolvidos, as preocupações com a Educação estão articuladas às transformações no mundo trabalho. Com a quarta revolução industrial, postos de trabalho estão sendo ocupados por robôs. Nesse contexto, é fundamental que os estudantes desenvolvam novas competências para conseguir se adequar essa realidade. “Empregabilidade e empreendedorismo, por exemplo, são fundamentais para que os alunos se tornem adultos autônomos", afirma Costin.

Pergunta da plateia

Como equilibrar teoria e prática na formação do professor?

Essa é uma questão sobre a qual ainda existe bastante polêmica. Por um lado, parece haver um consenso de que os currículos deveriam dar maior ênfase à prática do que dão hoje. “Há uma ênfase excessiva a teoria", afirma Costin. Por outro lado, comparações entre o estágio obrigatório das licenciaturas e a residência médica também parecem injustas. “Não há vagas hoje para a realização de residências em hospitais", complementa Nilson Machado, membro da Cátedra de Educação Básica. “Hoje, quando um aluno volta da escola para a universidade, ele acaba falando mal da escola onde esteve", aponta Luís Carlos de Menezes, também membro da Cátedra. Um caminho possível é tentar costurar, quando possível, associações mais orgânicas entre escolas e universidades, para que professores e gestores da Educação Básica, docentes das universidades e estudantes possam colaborar entre si.

Outras tendências no ensino envolvem a resolução colaborativa de problemas, o desenvolvimento da criatividade, a personalização do ensino, a flexibilização dos currículos, a junção de competências socioemocionais às cognitivas e o protagonismo do aluno. “É bacana que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) esteja centrada em competências, porque isso permite arranjos diferentes de acordo com os interesses dos alunos e com a própria experiência de vida do professor para ensinar a pensar", diz Costin.

Esse contexto também demanda que os professores tenham uma atuação diferente. “Ele não deve ser um mero fornecedor de aulas, mas um assegurador de aprendizagens, que é algo completamente diferente: ele usa cada oportunidade para que o aluno aprenda mais", afirma a palestrante.

Uma nova postura em sala

Um dos aspectos fundamentais para que os educadores assumam a nova postura é a profissionalização da sua profissão. “É preciso fugir da vitimização, o professor é um profissional", diz Costin. Mais do que posicionar o professor como um fruto de um contexto difícil -- por causa de baixos salários, condições de trabalho que não são ideais, e assim por diante -- os docentes precisam se posicionar como portadores de saberes importantes relativos aos processos de ensino e aprendizagem. “Tem que fugir dessa armadilha, porque ela nos joga para baixo, não nos ajuda a conquistar coisas. O coitadinho não é aquele que vai reivindicar melhor salário, mas o profissional sabe que ele tem um bom fazer e vai atrás disso”, reforça.

Dentro de sala de aula, é fundamental assumir uma mentalidade de crescimento e ter altas expectativas para todos os estudantes. Outra maneira de alavancar a qualidade do ensino e alinhá-lo às tendências mundiais é apostar em metodologias ativas de ensino, como o ensino híbrido, em que os estudantes podem realizar parte do trabalho de sala com a mediação de um computador e usar o tempo de aula para a solução de problemas ou a discussão dessas aprendizagens.

A avaliação formativa também é um aspecto destacado por Costin. Os processos de avaliação -- que podem ser realizados com o apoio de computadores e softwares -- podem dar pistas para o professor sobre a própria prática docente. “Eu preciso saber o que exatamente o aluno não aprendeu. O que uma turma inteira não captou é porque eu talvez não acertei o tom", comenta.

A escola como comunidade de aprendizagem

Guimarães Rosa (1908-1967) disse que “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende". A formação do professor também foi um dos pontos discutidos por Costin. Para a especialista, os cursos de graduação ainda são excessivamente teóricos e desenvolvem pouca relação com a prática. “No magistério, a professora que estava começando tinha um tutor. Hoje, o professor faz concurso, entra numa rede, recém saído de uma universidade, ninguém segura na mão dele", afirma a pesquisadora.

Quem é Claudia Costin

Claudia Costin é professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro. Também é diretora geral do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da mesma instituição e professora convidada da Faculdade de Educação da Universidade de Harvard. Já foi secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro e diretora global de Educação do Bando Mundial.

Para lidar com os desafios da profissão, o espaço da escola é privilegiado pela formação. Por um lado, porque a Lei do Piso, em vigor desde 2008, estabelece que um terço da carga horária dos docentes deve ser dedicada para a realização de atividades fora da sala de aula. "Algumas redes pagam um terço a mais. Não adianta. Não cumpre a finalidade. Não se trata disso, mas de dar tempo para esse professor ter poder trabalhar colaborativamente com seus colegas e individualmente também", comenta Costin.

Para o uso do tempo, a pesquisadora defende que diretores escolares e coordenadores pedagógicos sejam os grandes líderes e promovam espaços para que os educadores possam trabalhar colaborativamente: que eles possam planejar juntos, assistir às aulas uns dos outros e discutir sobre o fazer pedagógico. Ela cita as discussões de caso feitas por médicos. "Uma vez por semana todos os médicos se reúnem para discutir sobre os pacientes. Por que não podemos fazer isso com nossos alunos?”, questiona. É fundamental que a colaboração seja umas das competências aprendidas pelos estudantes. Educadores precisam personificá-la, trabalhando em conjunto com seus colegas.