Planejar e avaliar para o desenvolvimento de competências

por Nelson Niero Neto - publicado 01/08/2019 18:05 - última modificação 20/08/2019 14:58

Novos documentos curriculares destacam aspectos como autonomia, liberdade e tolerância. Mas como professores podem desenvolvê-los em suas aulas e avaliações?
Pontos-chave
  1. Para que estudantes desenvolvam competências, é importante que os professores possuam liberdade ao planejar e avaliar. Às vezes, isso requer uma subversão das condições de trabalho.
  2. Com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as competências deixam de ser, de uma vez por todas, a parte "poética" da Educação e assumem uma posição central. Por isso, o seu desenvolvimento deve ser planejado e avaliado.
  3. O planejamento do trabalho com competências deve passar por garantir que os estudantes tenham oportunidades para vivenciá-las junto a aprendizagem dos conteúdos definidos em cada componente curricular. Não há "aula de tolerância", por exemplo.
  4. A avaliação das competências é mais ampla do que exigir que o aluno devolva o que lhe foi transmitido, mas requer que ele seja observado em contexto, exercitando-as.

Por Rodrigo Ratier e equipe

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) define dez competências gerais que devem ser desenvolvidas pelos estudantes ao longo da Educação Básica. Quase todas tratam de temas como responsabilidade, tolerância, liberdade, empatia: como incorporar todos esses aspectos no fazer docente? Esse foi um dos questionamentos levantados pelo professor Luís Carlos de Menezes durante sua palestra “Ação do Professor: Liberdade, Responsabilidade, Tolerância”, no segundo encontro do Ciclo Ação e Formação do Professor organizado pela Cátedra de Educação Básica — parceria entre o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e Fundação Itaú Social.

Para Menezes, refletir sobre a liberdade do professor em seu trabalho é um dos pontos de partida para entender como ele pode promover o desenvolvimento de competências na escola. Ao lidar estritamente com materiais apostilados, por exemplo, em que se define exatamente quais atividades devem ser realizadas, de que maneira e em que momento, não há espaço para que o docente possa planejar momentos para que outros aspectos, além dos conteúdos, sejam desenvolvidos. "O planejamento, de certa maneira, já está feito", diz Menezes.

Quando lida com o planejamento já pronto, sem que haja espaço para que o educador pense nas estratégias de ensino, nos conteúdos que irá privilegiar e nas competências que pretende desenvolver, há menos espaço para um ensino que caminhe para a Educação Integral, como sugerido pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Além disso, momentos como os horários de trabalho coletivo e de planejamento das avaliações perdem sentido. Ou seja, ele afirma que às vezes, para exercer a liberdade, é preciso subverter as próprias condições de trabalho, quando tais condições coíbem a autonomia de quem ensina.

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As competências no foco do trabalho docente

A BNCC define dez competências gerais, que descrevem o que seria o desenvolvimento integral dos estudantes e que devem ser trabalhadas durante toda a trajetória escolar deles. "O documento mostra que esse deve ser o foco da Educação brasileira de agora em diante", destaca Menezes. Aspectos como a empatia, o trabalho colaborativo, a responsabilidade e a tolerância estão presentes nesses itens.

A nova proposta implica em uma visão diferente da que prevaleceu nas últimas décadas. Ele afirma que há pessoas que dizem que desenvolver a autonomia, a formação cidadã são a parte “poética” da Educação e que o sério mesmo é discutir as quatro operações, aprender quais são as principais capitais... Agora, com a BNCC, esses aspectos devem voltar ao centro da discussão.

Como, então, passar a incluir esses valores no dia-a-dia da sala de aula? Os momentos que privilegiam esse desenvolvimento devem ser planejados e, posteriormente, avaliados. Menezes destaca, nesse ponto, a importância de que a avaliação seja formativa. Ele afirma que temos um grave vício que é educar para avaliar e não avaliar para aprender,  como se a gente cuidasse da saúde para passar no exame médico...

Das intenções à prática

A maior parte das coisas que que nos forçam a aprender na escola, a gente esquece depois porque não fazem parte da vida, destaca Menezes. Para ele, o planejamento do trabalho com valores e competências precisa ser articulado aos componentes curriculares, como Ciências, História, Inglês e outros.

Pergunta da plateia

Como educar para a autonomia?

Há duas condições para a autonomia, responde o professor Lino de Macedo, também à mesa, membro da Cátedra de Educação Básica. A primeira é a autodependência frequentemente confundida com independência. "Autodependência significa que eu faço por mim mesmo aquilo que o outro fazia por mim", afirma Macedo.

A outra condição implica pertencimento a um coletivo, seja uma comunidade, uma sociedade, uma categoria profissional, aponta Menezes, sendo importante destacar que o pertencimento não pressupõe uma sujeição ou subserviência. O desafio está justamente em ser autônomo como parte integrante de um todo maior.

“Se aprendemos a ciência dos cientistas, a história dos historiadores, de pouco serve, pois é preciso que efetivamente nos apropriemos para saber que se trata de nossa ciência e de nossa história. É preciso que saibamos que todos nós somos a biosfera, todos nós somos protagonistas da história", afirma. Ou seja, é importante estabelecer uma relação de maior proximidade entre alunos e conteúdos. Por exemplo, ao se perceber como parte do ambiente, por exemplo, o estudante pode construir um senso de responsabilidade maior com relação à natureza e ao cuidado com ela.

Os estudantes se apropriam da empatia, da responsabilidade, da tolerância, e assim por diante, ao ter oportunidades para vivenciá-las, pois não existe aula de tolerância, aula de autonomia, aula de liberdade. Menezes faz um paralelo entre aprender esses valores e aprender a nadar: é fundamental estar na água para dominar os movimentos e se mover nela. Ou ainda, como avalio se um jovem sabe trabalhar em grupo se nas minhas aulas não há trabalho em grupo?", questiona.

Os componentes curriculares — antigamente chamados de disciplinas — e as habilidades entram como temas geradores para o desenvolvimento das competências. E algumas delas se relacionam melhor com alguns conteúdos do que com outros. Menezes usa como exemplo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), tipicamente discutido em aulas de Geografia. A fórmula para o cálculo do IDH envolve a observação de indicadores de educação, saúde e renda. Mais do que apenas apresentar a fórmula, os estudantes podem ser convidados a observar esses fatores nos arredores do local onde estudam. Também é possível fazer uma relação com a matemática, questionando o porquê do uso de uma fórmula específica.  Ele lembra que, antes, o cálculo era feito com média aritmética, hoje, é com média geométrica, o que faz com que o valor seja zero caso o local avaliado tire zero em algum dos critérios. Assim, a matemática se torna um importante instrumento para a discussão ética e política nas aulas de geografia, ele afirma.

A avaliação das competências e a redação do Enem

Quem é Luís Carlos de Menezes

Doutor em Física pela Universidade Regensburg, é Professor Sênior do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. Membro do Conselho Estadual de Educação em São Paulo. Consultor da UNESCO para propostas curriculares. Principais focos de trabalho em educação: currículos para a educação básica, formação de professores e ensino de ciências.

Observar o desenvolvimento das competências requer que a ideia de avaliação seja mais ampla do que a mera "devolução" do conteúdo que foi apresentado pelo professor. Na Educação Infantil, por exemplo, é praxe os educadores observarem o comportamento dos alunos, se estão mais ou menos comunicativos, se interagem nas aulas, como lidam com os colegas. Conforme crescem, essa prática vai se perdendo, diz Menezes, e que não deveria ser assim, pois estamos sempre diante de seres humanos em sua complexidade.

Processos de avaliação mais formais, como as provas, também podem abordar algumas competências. Menezes cita como exemplo o formato de redação proposto pelo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Nela, os estudantes precisam utilizar textos de referência e argumentos próprios para responder a uma problemática proposta pelo teste. O avaliado precisa mobilizar seus próprios argumentos e construir um raciocínio lógico que responde a uma questão ambiental, social ou ética, mais do que dar uma resposta que será avaliada como certa ou errada.