Reconhecimento e plano de carreira, os segredos da atratividade docente

por Nelson Niero Neto - publicado 01/08/2019 18:05 - última modificação 20/08/2019 14:57

Mais que altos salários, oportunidades de formação e boas condições de trabalho aparecem como fatores primordiais para atrair — e reter — bons professores
Pontos-chave
1. A remuneração não é o fator mais relevante na atratividade da carreira docente. O desenvolvimento profissional e o reconhecimento da sociedade importam mais aos professores.
2. Feito isoladamente, o aumento de salário impacta pouco os resultados de aprendizagem dos alunos. Para que isso aconteça, é necessário criar um bom plano de carreira para o professor.
3. A carreira docente tem tudo o que as novas gerações mais estimam: capacidade de causar impacto social. Falta torná-la atraente para esse público.

Por Rodrigo Ratier e equipe

Já é consenso nas pesquisas em educação de que o professor é o fator intraescolar mais importante na aprendizagem dos alunos. Mas há duas formas de ver esse dado. Há países que entendem que, se o professor é o responsável pelo sucesso, ele também pode ser responsabilizado pelos maus resultados. Quando não está funcionando, deve ser trocado. Outras nações países entendem que, se o professor é uma figura tão central na educação, deve ser valorizado. Então, trabalha-se para capacitá-lo, oferecer bons salários, condições de trabalho adequadas e plano de carreira. Em resumo, a carreira se torna atrativa.

“A segunda forma de pensar é a que tem gerado bons resultados”, afirma Caroline Tavares, gerente da iniciativa Profissão Professor, movimento de advocacy dedicado à valorização e profissionalização da carreira docente. Formada em Letras, Caroline atuou em sala de aula e na gestão pública no estado de Goiás. Estudou na Universidade Columbia, em Nova York,  onde consolidou conhecimentos sobre formação de professores e desenvolvimento de lideranças na educação.

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Em sua palestra “Atratividade da Carreira Docente”, no primeiro seminário temático da Cátedra de Educação Básica da Universidade de São Paulo, ela analisou como melhorar a atratividade da carreira docente. A apresentação reuniu um rico compilado de evidências de pesquisa — um survey com professores brasileiros, um estudo com alunos do ensino médio, literatura comparada de políticas docentes no Brasil e na América Latina e relatórios que mostram o que países de referência fazem para garantir professores satisfeitos com a carreira.

Pouco prestígio, baixa atratividade entre jovens

A pesquisa Profissão Professor, feita pelo Itaú Social em parceria com o Ibope em julho de 2018,  por exemplo, perguntou a 2160 professores qual era a possibilidade de ele ou ela indicar a sua carreira para um jovem. Quarenta e nove por cento dos entrevistados disseram que jamais indicariam sua profissão para ninguém. Como justificativa, elencaram alguns fatores: carreira desvalorizada, remuneração ruim, rotina desgastante, falta de infraestrutura e recursos, falta de base familiar dos alunos, falta de interesse do aluno e a má qualidade do ensino de um modo geral.

“Mas, então, o que seria necessário para você se sentir valorizado?”, perguntou a pesquisa.

A questão salarial não foi o primeiro item da lista. Antes dela, apareceu o desejo dos entrevistados de receber investimento em seu desenvolvimento profissional. Em segundo lugar, a vontade de ser ouvido quando políticas importantes são pensadas para a educação. Em seguida, os professores disseram que gostariam de ter o prestígio da sociedade. Os baixos salários aparecem em quarto lugar, apenas. “Não há dúvidas de que a remuneração seja um ponto importante na atratividade da carreira docente, mas a insatisfação dos profissionais vai bem além disso: eles querem se desenvolver e receber o reconhecimento da sociedade sobre o seu papel e sua importância”, afirma Caroline.

Uma pesquisa feita pela organização Todos pela Educação em 2017 reforçou o cenário da baixa atratividade da carreira docente: 22% dos jovens entrevistados chegaram a pensar em ser professor, mas desistiram por conta das condições precárias da carreira, dos baixos salários e do pouco prestígio.

Uma formação procurada “por exclusão”

O curso de pedagogia, no entanto, continua sendo um dos mais procurados no Brasil. O que explica esse fato? Aqui, assim como em outros países da América Latina, a motivação intrínseca (o gosto por ensinar, o desejo de mudar o mundo) é o que faz com que jovens optem pela carreira docente, apesar dos pesares. Mas também são relevantes os fatores ligados à falta de escolha (é o único curso da cidade, é um curso acessível, é onde tem vaga de trabalho).

Como resultado, a opção por se tornar professor é pouco sólida. De 100 alunos que entram na faculdade de pedagogia, 51 desistem do curso no meio do processo. Dos que se formam, menos da metade efetivamente vai dar aulas nas escolas.

Como mudar esse cenário, considerando ainda que nos próximos 10 anos, 47% dos professores estarão se aposentando? O que atrairia os melhores alunos e os manteria na docência?

Pergunta da plateia

Como seria a forma de medir a progressão de carreira se não for por tempo de carreira ou titulação?

Não há modelo único, diz Caroline. “Está claro que a progressão na carreira não deve ser definida com uma prova, mas, mesmo em países tidos como referência, não há um padrão para ser seguido.” Na Austrália, o professor é avaliado por um líder técnico de sua área e coordenador pedagógico, por meio de instrumentos variados: observações em sala de aula, autoavaliação, aula gravada e portfolio feito pelo professor. Em Cingapura, é a escola que avalia a performance do professor, que está atrelada a um bônus. “Os modelos não são perfeitos, há muita tentativa e erro, mas, nos casos bem-sucedidos, há sempre um esforço para instituir um conjunto de avaliações que apontam se o professor evoluiu ou não em sua prática. Mas, antes de qualquer coisa, é preciso haver um projeto sólido para a educação do país”, conclui Caroline.

Uma pesquisa feita consultoria McKinsey em 2010 entrevistou 900 jovens americanos do ensino médio e colocou justamente essas perguntas. As respostas — que dialogam com a sondagem do Itaú Social e Ibope — apontaram para a qualidade dos colegas de trabalho, algum prestígio, ambiente de trabalho desafiador e treinamento de alta qualidade.

O salário novamente não é citado, mas segue sendo importante. No caso brasileiro, as remunerações iniciais são muito baixas e evoluem pouco numa carreira longa. A média salarial de um professor no Brasil é R$ 4,5 mil. No nosso país, um engenheiro em começo de carreira ganha 52% mais do que o professor. E isso impacta muito na atratividade da carreira. Entre os países participantes do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), o Brasil tem um dos salários iniciais mais baixos, inclusive quando comparado com países com perfil socioeconômico semelhantes aos nossos.

Repensar o plano de carreira por título e tempo de serviço

Entretanto, aumentar a remuneração, pura e simplesmente, não parece ser a solução. Países que fizeram isso conseguiram atrair mais gente para a carreira, mas isso não se traduziu em bons resultados dos alunos. Países que conseguiram tornar a carreira atraente e, consequentemente, melhorar o desempenho dos alunos, atrelaram o aumento salarial a um excelente plano de carreira, com um bom programa de desenvolvimento profissional  e incentivos relacionados ao fato de eles serem bons professores.

“No Brasil, os planos de carreira são, em geral, extremamente lineares, não costumam considerar o desempenho do professor. Os critérios, normalmente, são mais passivos, levando em conta apenas o tempo de trabalho ou as titulações. Em contraste, nos países de referência, valoriza-se as competências profissionais”, explica Caroline.

Alguns exemplos: na Austrália, o documento que estabelece as políticas públicas para a carreira docente, construído conjuntamente com sindicatos, leva em conta o que o professor deve saber e ser capaz de fazer em cada momento da carreira. O país da Oceania é tido como referência na progressão baseada em competências. Já em Cingapura, há diferentes trilhas para a carreira docente. É possível escolher a trilha do ensino, da liderança ou do especialista, e evoluir dentro delas, na medida em que se mostra bom desempenho, com equiparidade de salários entre as três carreiras. A vantagem na cidade-estado asiática é que não é preciso sair da sala de aula para ganhar melhor.

Quem é Caroline Tavares

É gerente da iniciativa Profissão Professor, liderada pela Fundação Itaú Social, Fundação Lemann, Fundação Telefônica, Instituto Península, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Itaú BBA e Todos Pela Educação. Formada em Letras, ela foi professora de português por 9 anos em sua cidade natal, Goiânia. Como técnica da Secretaria de Estado da Educação de Goiás, apaixonou-se pelo tema da formação de professores. Antes de trabalhar no terceiro setor, estudou lideranças educacionais na Universidade Columbia, em Nova York, e foi diretora de uma startup ligada à educação.

Países que conseguem fazer com que seus alunos aprendam têm em comum, portanto, políticas para a docência muito bem estruturadas, contemplando um desenho claro da carreira. Em cada fase de seu desenvolvimento, o professor sabe o que se espera dele e trabalha para alcançar seus objetivos de crescimento.

A boa notícia é que a docência tem muito a ver com as aspirações das novas gerações. Uma pesquisa feita pela consultoria Deloitte que perguntou para mais de 12 mil jovens de 36 países, incluindo o Brasil, o que eles procuravam em uma profissão. As respostas levaram à conclusão de que os jovens desejam impactar positivamente a sociedade e o meio-ambiente, criar ideias, produtos e serviços inovadores,  gerar emprego, melhorar a vida das pessoas e enfatizar a inclusão e diversidade no ambiente de trabalho. Querem carreiras que causem impacto social.

São justamente esses valores que movem a carreira docente. O grande desafio, portanto, é fazer com que ela apareça no horizonte como uma possibilidade verdadeiramente possível, desafiadora e recompensadora.