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A necessidade de revitalizar a teorização sociológica sobre a América Latina

por Mauro Bellesa - publicado 24/07/2015 15:45 - última modificação 03/08/2015 16:10

O segundo encontro do ciclo "Identidades Latino-Americanas" teve como tema "A América Latina dos Sociólogos" e aconteceu no dia 18 de junho. O expositor foi José Maurício Domingues, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Mesmo sem deixar de tratar das formulações teóricas sobre a América Latina feitas por sociólogos ou instituições, como no caso da teoria da dependência ou das contribuições da Cepal e da Flacso, o encontro A América Latina dos Sociólogos, realizado no dia 18 de junho, dedicou boa parte dos debates à crise por que passam as ciências sociais e às dificuldades que isso ocasiona na reflexão sobre a região. No entanto, como disse o expositor do evento, José Maurício Domingues, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), "ao procurar entender a modernização da América Latina, a própria sociologia participa da construção dessa modernização".

Além de Domingues como expositor, o evento teve debate de Adrian Gurza Lavalle, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).  A coordenação foi de Bernardo Sorj, professor visitante do IEA, responsável pelo ciclo.

José Maurício Domingues
José Maurício Domingues, expositor

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Para Domingues, o primeiro conceito sobre a América Latina que ganhou muita expressão dizia respeito à transição para o capitalismo, "se tínhamos um capitalismo baseado na escravidão ou o que era afinal".

Ele disse que esse debate agora saiu de moda, pois a transição para a modernidade se completou, mas foi importante inclusive para motivar as teorias da dependência, cujo “grande produto foi o trabalho de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Falletto”.

Segundo ele, essa discussão articulou muitos debates na América Latina, entre os quais sobre a relação das classes sociais com a dependência e sobre os temas ligados às populações urbanas (caso da teoria da marginalidade, que trata do mundo agrário desarticulado levando a cidades enormes e com grandes contingentes não incorporados pelo mundo industrial).

Outro tema fundante para a discussão latino-americana é o populismo, segundo Domingues. Apesar de a palavra "ser usada como um abuso atualmente", o termo foi formulado de forma sistemática pelo sociólogo ítalo-argentino Gino Germani (1911-1979), que “tentava entender o peronismo como fenômeno político específico na transição das sociedades tradicionais para a modernidade”, explicou.

“Germani pensava numa sociedade onde as formas tradicionais se desarticulam sem que formas modernas assumam o lugar e acreditava que quando a sociedade argentina realmente se modernizasse não haveria mais lugar para o populismo.”

Domigues explicou que muitos autores latino-americanos incorporaram essa discussão do populismo e do nacional-popular, mas o conceito depois foi esquecido, voltando com força recentemente, mas não como teoria: “Quando se diz que o Chávez era um populista, o que se quer dizer exatamente? Que era um demagogo? O que quer dizer populismo de direita na Europa? Estamos usando isso para qualificar demagogos ou como conceito efetivamente explicativo, como uma categoria de análise?”

Ele destacou que as ditaduras militares reduziram bastante o intercâmbio dos sociólogos latino-americanos iniciado nos anos 50, mas quando a região começou a se redemocratizar houve um processo de especialização nas ciências sociais: "A ciência política nasce na América Latina, sobretudo a partir dos anos 80, com profissionais que foram fazer seu doutoramento no exterior, e as ciências sociais são refundadas em torno da democracia, que se torna o tema essencial, com a ideia de uma América Latina que se democratizava energizando a imaginação dos intelectuais".

Embora haja a construção de conceitos em algumas áreas, como nas sociologias do trabalho, da cultura e do direito, a sociologia latino-americana perdeu sua capacidade de articular discussões teóricas mais sistemáticas, na opinião de Domingues. “As ciências sociais estão perdidas numa miríade de estudos específicos, de casos, com reduzida capacidade de generalização conceitual, de construção analítica.”

Para ele, a tarefa que se impõe aos sociólogos latino-americanos é reenergizar  a imaginação teórica, a capacidade de teorizar, “pois isso é o que permitirá um diálogo mais profundo com a sociologia de outras regiões do mundo, que também não anda muito bem”.

Adrian Gurza Lavalle
Adrian Gurza Lavalle, debatedor

Adrian Gurza Lavalle disse concordar com a ideia de Domingues de que o problema central da sociologia na América Latina foi analisar a modernização da região e sua inserção mundial. Também concorda com a avaliação de que o único momento em que a sociologia latino-americana “fez a cabeça de parte importante dos teóricos europeus” foi quando da elaboração da teoria da dependência.

Lavalle sugere que além das duas hipóteses de Domingues para a deficiência teórica da região (intelectuais vivendo no mundo das ideias e sem examinar a realidade; hegemonia teórica do hemisfério norte dificultando a inserção dos pesquisadores latino-americanos), há também “a perda do ponto de fuga, da noção de aonde se quer chegar, que é a modernidade.

“Ao longo do século 20, abandonamos a ideia de que havia leis inexoráveis que regulavam algum processo que nos direcionava, mas o ponto de fuga continuava a ser o mesmo: desenvolver classes sociais, industrialização, estado de direito, democracia, cidadania.”

Se se sabe o ponto de fuga, a teoria explica como se deslocar nesse sentido, de acordo com Lavalle. "Como não sabemos exatamente para aonde vamos, construir uma teoria como tínhamos no passado talvez nos imponha desafios maiores". Ele perguntou a Domingues como isso poderia ser feito.

Simon Schwartzman
Simon Schwartzman, debatedor

Simon Schwartzman questionou a necessidade de criação de uma teoria específica para a América Latina: “Por que não pensar em teoria social, afinal o Brasil é diferente do Haiti, da República Dominicana, de países da África, da Ásia e ao mesmo tempo há muitas semelhanças com eles”.

Ele defendeu a recuperação do espaço para a análise histórica, “que continua sendo muito importante para a compreensão das sociedades, embora não haja mais espaço para as grandes narrativas da evolução da modernidade”.

Também questionou o que chamou de fuga para a pós-modernidade. “Se pensarmos no modelo de que estamos caminhando para a modernidade, como diriam os marxistas, então de fato não estamos chegando lá, mas continuamos com problemas que precisam ser enfrentados e discutidos.”

Schwartzman criticou o  predomínio dos trabalhos sobre direitos humanos nos antigos departamentos de estudos latino-americanos nos Estados Unidos, que impactam a pesquisa na América Latina. “Evidentemente a questão dos direitos humanos é muito importante, mas transformar as ciências sociais em algo em defesa dos direitos humanos é empobrecer o conteúdo do que elas podem produzir.”

Bernardo Sorj
Bernardo Sorj, moderador

Ao comentar as apresentações do expositor e dos debatedores, Bernardo Sorj, destacou que “a identidade é sempre um processo misto, de dinâmicas de dentro para fora e de fora para dentro”.

"A identidade latino-americana veio de fora a partir dos departamentos das universidades americanas e dos setores latino-americanos das organizações internacionais e, ao mesmo, houve um processo de dentro para fora, mas no nível das elites da região."

Domingues disse que os centros de estudos nos EUA contribuíram muito para a criação da ideia de América Latina nas ciências sociais, “mas já havia uma dinâmica na região que dirigia o debate um pouco nesse rumo”.

Ele fez questão de esclarecer que não propõe uma teoria latino-americana, diferente das elaboradas nos EUA, Europa ou qualquer outra parte do mundo: “Teoria é teoria, mas partimos de problemas que às vezes são específicos e isso deixa marcas, ângulos diferentes, que vão de alguma forma colorir a teoria, por mais universal que se queira que ela seja”.

Para ele, a pós-modernidade, cujo fim julga que já chegou, “foi mais um sintoma do momento histórico do que uma teoria com capacidade explicativa e interpretativa”. Domingues considera que a pós-modernidade correspondeu à crise da segunda fase da modernidade, “que superamos, pois estamos na terceira fase da modernidade, altamente globalizada, extremamente complexa, e que coloca desafios muito grandes para quem faz teoria social”.

Outro tipo de problema identificado por Domingues é “o caráter pragmático que se demanda hoje das ciências sociais, como se fazer teoria não fosse algo efetivamente adequado”.

Para ele, é preciso recuperar o que foi a marca da sociologia, que é a ideia de conceitos e tendência, porque há tendências de desenvolvimento dentro da modernidade: "Podemos não saber qual é o ponto de chegada, mas que esses desenvolvimentos continuam acontecendo, que o estado moderno continua se desenvolvendo, que as burocracias continuam se desenvolvendo, que o capitalismo continua se desenvolvendo, acho que isso é bastante patente, mas a sociologia deixou de teorizar isso".

Fotos: Leonor Calasans (IEA-USP)