Você está aqui: Página Inicial / NOTÍCIAS / Cultura participativa e dimensões do poder que “emana do povo”

Cultura participativa e dimensões do poder que “emana do povo”

por Sylvia Miguel - publicado 05/07/2016 17:05 - última modificação 25/07/2016 16:12

Igualdade, representação, participação, irracionalismo das massas, instituições e muitos outros temas estão em livro sobre 25 anos de democracia no Brasil, lançado em debate do NUPPs.
25 Anos de Democracia - 1

A partir da esq.: Arbache, Melo, Moisés, Mesquita e Cantoni debatem resultados de pesquisa

A realização de uma Assembleia Nacional Constituinte tem emergido em diversos debates realizados no IEA quando o tema é democracia, participação e representatividade. Durante o seminário Brasil: 25 anos de Democracia: Participação, Sociedade Civil e Cultura Política, realizado no dia 28 de junho, não foi diferente.

“Um mecanismo capaz de recompor o atual sistema político no Brasil seria a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte, que infelizmente não está prevista na nossa Constituição”, disse o cientista social Carlos Alberto Furtado de Melo, professor do Insper, convidado como debatedor.

O seminário reuniu na sala Ruy Leme, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, autores do livro homônimo ao debate. A moderação foi do professor José Álvaro Moisés, coordenador do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas (NUPPs) da USP.

“Os mecanismos de participação direta só funcionam bem quando as instituições representativas e o Judiciário também funcionam bem. Se o Parlamento e o Judiciário têm problemas, é muito pouco provável que uma consulta popular vá saná-los. É importante manter a visão sobre o conjunto institucional como um todo”, disse Rolf Rauschenbach, da Universität St. Gallen, Suíça, que num dos capítulos analisa os mecanismos participativos e o seu funcionamento na América Latina e no Brasil.

Segundo o pesquisador, que fez sua palestra por videoconferência, a assembleia constituinte é uma instituição de participação direta prevista em oito países da América Latina. Mas alguns desafios importantes impedem que o Brasil aproveite ao máximo esses mecanismos e entre os fatores está o tamanho da população e a sua qualificação para participar de consultas populares, disse.

“Processos de democracia direta podem ser um complemento para as outras instituições democráticas, em particular para as instituições representativas. As decisões populares não poderiam substituir totalmente os mecanismos de tomada de decisão parlamentar. Porque o bom desempenho dos processos de democracia direta depende do contexto no qual eles são aplicados”, ressalta.

Relacionado

 

Vídeo | Fotos

Notícia:

Livro e seminário sobre democracia ajudam a pensar a lógica da política nacional

 

Rauschenbach acredita que para sanar os problemas atuais do Brasil, a realização de uma constituinte seria indicada apenas do ponto de vista teórico. Além de ser um instituto não previsto na Constituição, haveria problemas de ordem prática como a definição de regras de financiamento da consulta popular e a indicação de um nome para liderar o processo.

Lembrou o plebiscito de 1993 para exemplificar como tais mecanismos podem muitas vezes servir apenas a uma “democracia de fachada”. Naquele ano, os brasileiros foram às urnas para definir o sistema de governo. “Aquele processo conforme foi conduzido poderia ter trazido um resultado tão absurdo como uma monarquia presidencialista, o que mostra o lado problemático daquela consulta, revelando uma fachada de democracia mais do que uma intenção genuína de participação”, afirmou.

Para Rauschenbach, o referendo realizado na Inglaterra sobre a saída do país do bloco europeu apenas confirma que “a democracia é uma obra em aberto”, conforme o mote da apresentação do livro.

“O povo poderia querer opinar sobre outra questão, mas foi forçado a opinar sobre ficar ou não na União Europeia. O referendo foi um tiro no pé dado pelo próprio Primeiro Ministro inglês e mostrou o que acontece quando deixamos os problemas acumular, pois há um déficit democrático na UE há muitos anos que levou a uma insatisfação mais ou menos justificada. O referendo mostrou que é muito grande o perigo desse mecanismo não dar certo em certos casos”, disse Rauschenbach.

 

Pouca tradição democrática

25 Anos de Democracia - 2

Carlos Melo, do Insper: sociedade civil precisa repensar sua agenda da representação

A fragmentação da sociedade e dos mecanismos de representação no Brasil, incluindo partidos políticos, apenas agravou problemas que remontam aos tempos do Brasil Colônia, na opinião do professor do Insper.

Segundo Melo, de 1500 até 2016, o Brasil teve 338 anos de império escravagista. Mesmo com a República, o poder se revezou nas mãos de uma elite oligárquica até 1930, quando a Revolução Constitucionalista o entregou à ditadura Varguista. Em 1945, embora por eleições diretas, assumiu a Presidência o general Eurico Gaspar Dutra, ex-ministro de guerra do antigo ditador. Após uma sequência de episódios como suicídio e renúncia, veio a Ditadura Militar, lembrou.

“Apenas restituímos a ideia de democracia em 1985, mas o Presidente eleito morreu. Depois veio o impeachment de Collor e só em 1994 começa a nossa regularidade eleitoral. Agora temos esse processo da Dilma. Tudo isso apenas demonstra a volatilidade dos processos políticos no Brasil”, observou o debatedor.

A diversidade de partidos políticos reflete uma sociedade fragmentada e sem representatividade, afirma Melo. “Os partidos acabaram representando interesses específicos, o que os torna particularistas e corporativistas, ou grupos que tomam parte do Estado para si sem representar o todo. Acredito que a sociedade civil precisa se repensar ante a questão da representação”, disse.

Para o debatedor, os movimentos populares recentes não conseguem se igualar às grandes mobilizações do passado porque faltam lideranças. “Parece que a participação popular não consegue se fechar em torno de uma bandeira clara, voltada ao aperfeiçoamento democrático, pois não existem lideranças capazes de abraçar esse processo”, ponderou Melo.

“Parece que a sociedade civil perdeu sua agenda num processo de fragmentação da sociedade e das representações sociais. A participação popular direta como nas manifestações de rua deve ter um norte para chegar a algum objetivo”, disse Melo.

 

Livro em quatro anos de pesquisa

capa livro Brasil 25 anos de democracia

Coletânea está disponível em versão online

Os textos reunidos em “Brasil: 25 anos de democracia – participação, sociedade civil e cultura política” focam a participação política e seu impacto no ativismo da sociedade civil. O título, da editora Fundação Konrad AdenauerStiftung, teve a organização do cientista político Nuno Coimbra Mesquita, do NUPPs.

“A coletânea resulta de uma grande pesquisa de avaliação sobre 25 anos da democracia brasileira, desenvolvida ao longo de quatro anos por pesquisadores do NUPPs”, segundo o professor Moisés.

No capítulo sobre Participação Eleitoral no Regime Democrático Brasileiro, o cientista social Guilherme Arbache, pesquisador do NUPPs, busca entender quais motivações levam os eleitores às urnas no contexto específico do Brasil, que historicamente tem enfrentado inúmeros problemas que deslegitimaram eleições, incluindo fraudes, cooptação de eleitores e outras práticas.

Arbache testou diversos modelos da literatura sobre o tema, tendo em vista o “paradoxo da participação” e a “igualdade de representação” em diversas camadas da população.

“No contexto do voto facultativo, pessoas com maior escolaridade e maior interesse por política votariam mais. Por outro lado, pessoas com emprego e carteira assinada votam mais, segundo alguns modelos. Mas o teste para funcionários públicos mostrou que esse vínculo empregatício não faz nenhuma diferença no comparecimento às urnas, segundo os resultados”, disse o pesquisador.

Mas há questões que ainda merecem mais investigações como, por exemplo, a influência do nível educacional e o comparecimento às urnas. “No Brasil, há questões ligadas à forma como o voto é cobrado nas instituições brasileiras e portanto é preciso pensar além da dicotomia compulsório/ facultativo sobre essa questão”, disse.

Além disso, a compulsoriedade do voto no Brasil parece estar equalizando a participação entre diferentes grupos socioeconômicos, mostrou.

Porém, chama a atenção os números referentes às razões para não votar. Segundo o Barômetro das Américas de 2007 (referente às eleições de 2006), entre os que possuem título eleitoral no Brasil, 28% não se encontrava no seu domicílio eleitoral no dia do voto. “Não é possível saber o motivo pelo qual esses cidadãos encontravam-se fora de seu domicílio eleitoral. Alguns podem estar morando e/ ou trabalhando em outras cidades e estados. Porém, algumas pessoas podem ter ido viajar durante as eleições, o que envolve, hipoteticamente, falta de interesse”. Outros 15% alegaram qualquer outra razão, sendo que 9% alegaram falta de interesse.

 

Engajados online e offine

Comportamento político, participação e democracia digital são temas estudados pela mestranda Stefania Lapolla Cantoni, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. O artigo, assinado em co-autoria com Mesquita, organizador do livro, busca responder se os indivíduos que participam da política utilizando as novas tecnologias digitais rejeitariam as formas tradicionais de participação ou se apenas usam a web como recurso adicional. Além disso, investigou também se a participação pela internet impacta na percepção dos indivíduos sobre as instituições representativas.

As pessoas que participam pela internet são aquelas com nível de educação mais alto, especialmente ensino universitário, e são predominantemente homens. Os resultados não mostraram um padrão definido com relação à renda.

O perfil dos que participam offine (manifestação e abaixo-assinados) mostrou o mesmo padrão em relação à educação e em relação à maior participação dos homens (manifestação). A renda também não é um preditor nesse modelo, demonstrando impactar positivamente apenas a participação em abaixo-assinados, mostrou.

25 Anos de Democracia - 3

Professor José Álvaro Moisés, coordenador do NUPPs da USP

A surpresa dos resultados foi o fato de não haver um perfil diferenciado entre os engajados online e offline. “Isso mostra que não necessariamente a internet tem emergido como uma nova porta de inclusão entre os ‘desengajados de sempre’”, conclui a pesquisadora.

A segunda hipótese testou a confiança dos indivíduos em relação a quatro instituições democráticas: o Congresso Nacional, o Judiciário, o governo e partidos políticos. Em síntese, os ativos em partidos políticos ou que trabalham para candidatos são as que mais confiam nas instituições representativas, ao passo que os internautas são os que menos confiam, tanto em relação ao Judiciário quanto ao Congresso, confirmando a hipótese de quem participa online é mais crítico das instituições.

Mesquisa também mostrou  resultados de uma pesquisa feita com as professoras Soraia Marcelino Vieira, da Universidade Federal Fluminense, e Michelle Fernandez, da Universidade Federal de Pernambuco. O capítulo intitulado “Novas formas de fazer política? Manifestações sociais e partidos políticos no Brasil contemporâneo” avalia o enfraquecimento dos laços entre a sociedade civil e os partidos políticos.