Você está aqui: Página Inicial / NOTÍCIAS / Especialista em gestão de crise vê premeditação na data do ato terrorista em Brasília

Especialista em gestão de crise vê premeditação na data do ato terrorista em Brasília

por Matheus Nistal - publicado 26/01/2023 16:10 - última modificação 10/02/2023 15:10

Gestores com experiência em segurança pública avaliam o ato golpista que depredou os principais prédios públicos na capital

Relacionado

Vídeo do evento

NotíciaPablo Ortellado e José Álvaro Moisés avaliam conjunturas que levaram aos ataques de 8 de janeiro

No dia 8 de janeiro, os poderes Legislativo e Judiciário estavam em recesso, e o Executivo empossado há apenas uma semana, ainda em um ambiente de festa, de ressaca, dando seus primeiros passos. O cenário levou o grupo bolsonarista que participou dos ataques a acreditar que era o momento ideal para planejar uma tomada de poder. Esta é a avaliação do comandante José Alberto Cunha Couto, que chefiou por 13 anos o gabinete de crises da Presidência da República. Ele participou do primeiro seminário “A Proteção das Instituições Republicanas: Os Atos de 8 de Janeiro”, realizado no dia 20 de janeiro no IEA.

Para o comandante Couto, houve um apagão de inteligência, impedindo um trabalho preventivo. A hashtag “festa da selma”, usada para a organização dos atos, deveria estar sendo monitorada pelos órgãos de inteligência, avaliou. “É estranho que eles não tenham percebido que alguma coisa estava errada.”

No dia das invasões, a baixa resistência policial pode estar também relacionada a um erro de estratégia, na opinião do coronel José Vicente da Silva Filho, do Centro de Altos Estudos de Segurança da PM, que também participou do encontro no IEA. Ele lembrou que a polícia do Distrito Federal foi testada por mais de 60 anos sem permitir que um ato terrorista como esse acontecesse. Mas no dia 8 de janeiro os efetivos estavam mal dimensionados: “Faltou um pessoal de sobreaviso, o que as forças armadas chamam de ‘plano de chamada’”, apontou.

Ex-secretário nacional de segurança pública durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o coronel afirmou que, durante a caminhada dos bolsonaristas que partiu do acampamento em frente ao Quartel General e foi até a Praça dos Três Poderes, faltou desconfiança dos comandantes da operação. “Quando se fala ‘está tudo bem’, o chefe de segurança tem que perguntar: ‘o que estamos planejando para o caso de que as coisas dêem errado?’”, disse em referência ao áudio apresentado por Ibaneis Rocha em que Fernando de Souza Oliveira, o secretário em exercício da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), tranquilizava o governador afastado: “Tudo tranquilo, ordeiro e pacífico”.

Pós-crise

Segundo o comandante Couto, as instituições rapidamente se mobilizaram para responder, apesar das dificuldades do momento. Mas, para ele, o primeiro apoio ostensivo foi internacional, o que deu segurança para o Estado brasileiro. Em seguida, veio a resposta do Judiciário, que “mostrou que, não só os manifestantes e a manifestação em si, mas todos aqueles que contribuiram seriam investigados”. O terceiro apoio, na leitura do comandante, veio da classe política por meio do Legislativo e dos governadores de todos os estados.

Contudo, para ele, o governo recém-empossado teve dificuldades em criar uma agenda positiva. É importante propiciar um clima de normalidade após momentos como esse, “é disso que se trata o pós-crise”, avalia o comandante.

O coronel José Vicente acredita que os atos de 8 de janeiro ensejam novos mecanismos de proteção das instituições democráticas. Entre eles, lista: revisão dos protocolos de segurança, criação de uma guarda nacional permanente e geração de um dispositivo constitucional onde o governo federal possa comandar a segurança pública do Distrito Federal a partir de um nível de alerta gradativo, semelhante ao DEFCON que o estado americano utiliza.

O comandante José Alberto ressalta o papel da academia para entender o acontecimento e o fenômeno do bolsonarismo. “Não há como subestimar a capacidade de mobilização e organização do bolsonarismo hoje”, defende. Ele associou os atos em Brasília ao conceito de delusão coletiva, quando um grande conjunto de pessoas acredita que algo não é verdadeiro. Isso ocorreu no final da Segunda Guerra Mundial, quando alguns japoneses não aceitavam a derrota do país e atacavam quem os contestava.

Na busca por explicações, o Grupo de Análise de Segurança Multidimensional (ESEM-IRI/USP) e o IEA coordenaram a atividade no dia 20 de janeiro com duas motivações principais, segundo Guilherme Ary Plonski, diretor do IEA: a perplexidade que os atos do dia 8 causaram e dar uma rápida resposta por parte da universidade, que se iniciou com a carta redigida no próprio dia dos ataques, seguiu no ato na Faculdade de Direito, e continua nesse evento. Alberto Pfeifer, coordenador geral do ESEM-IRI/USP, acrescentou que esse espanto surgiu da extrema vulnerabilidade desvelada na ocasião e que o ato carece de uma abordagem técnica de pessoas que passaram por crises semelhantes.

No dia 27, às 14h, acontecerá o segundo seminário sobre o tema, dessa vez com enfoque no modo operacional deste tipo de manifestação contemporânea, como as redes sociais são utilizadas por esses grupos e a maneira que tais atos são percebidos. O evento será transmitido online e terá exposições de José Álvaro Moisés, coordenador do Grupo de Pesquisa Qualidade da Democracia, do IEA, e de Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.