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Fraquezas das democracias modernas

por Sylvia Miguel - publicado 18/09/2015 18:05 - última modificação 04/02/2016 14:35

Baixa governabilidade nos países latino-americanos e reações violentas contra refugiados no Hemisfério Norte revelam que a utopia democrática precisa ser reinventada.

Alguns dos tópicos importantes para entender a qualidade da democracia no Brasil estão relacionados às distorções na representatividade política, às crises de governabilidade que perpassam a história do presidencialismo de coalizão brasileiro e à centralidade que a corrupção vem ocupando nos mais variados espaços. Essas linhas de reflexão deram o tom na mesa redonda realizada no IEA no dia 17 de setembro, em celebração ao Dia Internacional da Democracia, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) e comemorado no dia 15 de setembro.

Democracia
Da esquerda para direita, Fausto, Weffort, Moisés, Sorj, Melo e Sola.

Coordenado pelo cientista político José Álvaro Moisés, do Grupo de Pesquisa Qualidade da Democracia do IEA e diretor do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas (NUPPs), o painel trouxe diferentes visões sobre a democracia no Brasil e na Europa, especialmente, a partir das exposições do superintendente-executivo do Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC), Sérgio Fausto; do ex-ministro da Cultura, Francisco Correa Weffort; do antropólogo e sociólogo Bernardo Sorj, ex-professor visitante do IEA; do professor de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marcus André Melo; e da cientista social Lourdes Sola, também do NUPPs.

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“Com a instituição do presidencialismo de coalizão, sem dúvida houve avanços na conquista de governabilidade, a julgar pelos golpes e regimes totalitários do passado. Porém, temos agora uma crise de governabilidade com o governo Dilma. E tivemos problemas no passado, com Collor, Lula e FCH. Portanto, precisamos entender se essas crises são conjunturais ou estruturais. Essa análise precisa ser feita”, pontuou o professor Moisés, que moderou o debate.

Para o cientista, o Brasil possui uma competição eleitoral exacerbada que resulta em distorções que levam à sensação de não representatividade.

Weffort apontou a falta de representatividade no próprio Senado: “Nossa democracia não está bem em muitas instâncias. Veja, por exemplo, a composição do Senado, com suplentes que não têm sequer um voto popular. O horário político é ocupado por lideranças que não existem. Um candidato apenas deu o seu nome como programa de governo e ainda assim conseguiu eleger uma bancada. Isso é uma farsa”.

O ex-ministro denunciou o que chamou de “resquício do corporativismo getulista” perpetuado pelo chamado Sistema “S”, ou seja, pelo conjunto de instituições como Senac, Sesi e Senai, mantidas por contribuições das folhas de salários dos trabalhadores das categorias correspondentes a essas entidades.

“Sindicatos hoje são criados para gerar rendas para particulares, pessoas que viram empresários depois de ter um sindicato. Não sou contra sindicalistas, mas contra sindicatos e contra o Sistema ‘S’. A origem desse mecanismo é nobre, mas hoje está na base da corrupção brasileira”, disse Weffort.

O ex-ministro acrescentou que o país nunca discutiu seriamente a Reforma Política. Para ele, faltam lideranças com visão de futuro, capazes de olhar o bem coletivo e de levar adiante o sonho democrático.

“Nesse país, privilégios adquiridos são quase como direitos adquiridos. Mas sonhar é preciso. Veja, por exemplo, a regulação sobre a pensão de filhas de militares. Isso mudou e realmente algumas coisas mudam”, disse.

Legitimidade e orçamento

Sérgio Fausto
Sérgio Fausto: "Precisamos repensar e repactuar as regras constitucionais".

A questão da legitimidade no Brasil decorre da performance do orçamento do país. O problema fiscal aponta para a debilidade de lidar com o problema distributivo. Assim, existe um problema endógeno que pede sempre mais carga tributária. A despesa está amarrada ao orçamento e a regra acaba sendo aumentar a despesa vinculada à receita. As ideias foram expostas por Sérgio Fausto, que além da função no iFHC também é codiretor do projeto Plataforma Democrática.

Para ele, o Brasil conseguiu um aumento da receita maior que o PIB nos anos recentes, porém, o superávit é passado e agora as vinculações orçamentárias previstas na Constituição representam um problema para o crescimento. “O país se tornou insolvente. A perpetuação desse padrão orçamentário implicará num elevado custo para o Brasil”, disse Fausto.

A despesa vinculada esmagou a capacidade de investimento do Estado, afirma, o que provocou um atraso em todas as áreas. “Compramos um investimento baixo por um longo período. A falta de planejamento logístico leva a uma perda de competitividade brutal”.

Fausto é pessimista quanto ao futuro. Para ele, só o aprofundamento da crise poderá viabilizar uma reforma política. “Precisamos repensar e repactuar as regras constitucionais. Precisamos de um novo momento constituinte”. Do contrário, acredita “apenas em mudanças incrementais à brasileira”.

“Intelectuais precisam retomar a ilusão”

Marcus André Melo lembrou que um dos principais indicadores que medem o estado da democracia no mundo, o Freedom Democracy Index, retrocedeu na América Latina. “Mas, por incrível que pareça, a democracia no Brasil vai bem. Não vejo uma crise institucional. As regras de competição política têm um grau elevado, embora não seja um sistema perfeito”, afirma.

O professor lembra que o Brasil é um dos países com o maior número efetivo de partidos e isso acaba dispersando o voto. “Talvez isso seja uma hiper fragmentação, mais do que falta de representação. Em Rondônia, por exemplo, todos os deputados federais e estaduais vêm de partidos diferentes”, analisa.

Lourdes Sola
Lourdes Sola: a transição democrática no Hemisfério Norte não se completou

Na visão de Bernardo Sorj, o mundo passa por uma crise de referências e os intelectuais precisam retomar a ilusão e os fundamentos da democracia. “O PT foi uma ilusão. Mas sem essa ilusão não teria sido o que é hoje. Por isso precisamos pensar hoje do que se trata a construção do futuro, repensar o papel da sociedade e do mercado. É preciso um esforço para reconstituir as ilusões do futuro”, defendeu.

A cientista social Lourdes Sola trouxe reflexões sobre o que chamou de atual “exodus” na Europa e a posição da Alemanha diante da crise. Para ela, a quantidade massiva de refugiados de guerra e imigrantes por questões econômicas evidencia os limites constitutivos de uma Europa que ainda buscava sua transição democrática após a queda do Muro de Berlim. Mais do que isso, a posição violenta da Hungria, Polônia e República Checa demonstra que a transição democrática no Hemisfério Norte não se completou.

O Acordo de Schengen, que permitiu a abertura das fronteiras europeias entre os países signatários, estaria limitado ao “utilitarismo”, pois a questão dos direitos humanos não foi incorporada. Sola diz que as iniciativas da “atual Merkel” na questão dos refugiados atesta “a capacidade estratégica da estadista e de parte da população alemã”. Isto porque, segundo Sola, serão justamente os refugiados e seus descendentes que irão gerar “o excedente que sustentará no longo prazo os sistemas de welfare state que hoje atraem os não-europeus para uma Europa demograficamente declinante”.

Para a cientista, é insustentável, política e socialmente, o programa de reformas acordado com o governo grego, não apenas pelas severas imposições a uma economia frágil, mas também pelas políticas populistas que pautaram os governos gregos após a adesão ao Euro.

O artigo de Sola, "A reinvenção da Europa que não houve: como união democrática" pode ser lido na íntegra no site Qualidade da Democracia, editado por Moisés, do NUPPs, e que acaba de publicar uma série de artigos comemorativos do Dia Internacional da Democracia.