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Igualdade de gênero é estratégica no diálogo político global, dizem especialistas

por Leandra Rajczuk Martins - publicado 02/09/2022 14:55 - última modificação 15/09/2022 11:09

Ainda há muito o que avançar quanto ao protagonismo das mulheres nas colaborações internacionais. Neste cenário, a criação de políticas científicas, tecnológicas e de inovação com a finalidade de desenvolver incentivos para a igualdade de gênero é essencial.

Esses foram alguns apontamentos preliminares do projeto Gender in Science, Technology and Innovation – GENDER STI apresentados no dia 30 de agosto durante a mesa redonda A dimensão de gênero nos acordos de Ciência, Tecnologia e Inovação, que abriu a série multitemática Jornadas Investigativas Contemporâneas: o Programa Ano Sabático IEA/USP (2022). Coordenada por Janina Onuki, pesquisadora responsável pelo projeto, a atividade teve como conferencistas Gabriela Coelho Ferreira, pós-doutoranda da USP, e Luciana Ayciriex, da Inmark Europa, e como debatedora, Sheila Neder Cerezetti, professora da Faculdade de Direito da USP.

O objetivo geral do projeto é fazer o diagnóstico sobre a igualdade de gênero em processos de negociações bilaterais e multilaterais na área de ciência, tecnologia e inovação (CT&I), e de como têm sido conduzidos acordos e estratégias de soluções colaborativas para desafios comuns no tema de gênero entre os países que participam dos diferentes processos internacionais.

De acordo com as expositoras, trata-se de um “projeto de fôlego” com duração prevista de três anos baseado nos objetivos da União Européia – e seus países membros e associados – para igualdade de gênero, que preconiza a assimetria nas carreiras científicas e em níveis hierárquicos mais altos relacionados à política científica. Elas destacaram que a igualdade de gênero nas colaborações internacionais em CT&I tornou-se uma questão “estratégica” no diálogo político global.

Janina, que é professora titular do Departamento de Ciência Política (DCP) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), explicou que a iniciativa está inserida em um projeto mais amplo sob sua coordenação, intitulado Gender Equality in Science, Technology and Innovation – Bilateral and Multilateral DialoguesGender STI –, que reúne 18 instituições de 16 diferentes países.

O Gender STI foi criado como um “esforço sinérgico” entre países da Europa, Américas, Ásia e África com longo histórico de cooperação bilateral e multilateral em CT&I. Segundo as convidadas, a realização de entrevistas em profundidade com os principais atores e tomadores de decisão influentes na área servem para verificar e comparar as barreiras culturais e institucionais que impedem a integração da igualdade de gênero em CT&I.

Janina destacou que o projeto também faz parte da Escola São Paulo de Ciência Avançada em Diplomacia Científica e de Inovação (InnSciD SP), coorganizada pelo IEA e pelo DCP-USP, com parceria do Ministério das Relações Exteriores do Brasil ou Itamaraty. “Tivemos a quarta edição esse ano, sendo que nos últimos dois anos os encontros foram online, mas em 2023, acontecerá presencialmente da última semana de julho até a primeira de agosto”, frisou. Em 2022, os esforços científicos para superação da pandemia de Covid-19 e as oportunidades de colaborações internacionais para esse trabalho foram os temas principais em discussão.

Perfil institucional

As conferencistas disseram que a diversidade da natureza jurídica dos parceiros (institutos de pesquisa, universidades) trouxe ao projeto toda a complexidade do “ecossistema” de CT&I. Segundo elas, o mapeamento da igualdade de gênero em acordos de CT&I bilaterais e multilaterais serve para verificar, em uma perspectiva comparada, as “barreiras” culturais e institucionais que impedem a integração da igualdade e do equilíbrio de gênero nas atividades do setor.

Jornada Sabáticos - Mesa 1
Janina Onuki, Sheila Cerezetti, Luciana Ayciriex e Gabriela Ferreira (em sentido horário) debatem principais desafios para igualdade de gênero em processos internacionais na área de ciência, tecnologia e inovação. Imagem (captura de tela): Leonor Calasans

Gabriela afirmou que o contexto de surgimento do projeto se tornou um desafio intensificado pela pandemia de Covid-19. “Tivemos que reorganizar toda forma de trabalho para conseguir integrar tantos pesquisadores dentro do mesmo ‘frame’, permitindo a comparabilidade dos resultados”, explicou. Os frames foram compostos por 15 questões-guia. Os chamados “momentos de cooperação” foram divididos em quatro fases: preparação, composição, implementação e monitoramento dos acordos, ações e atividades de cooperação internacional.

Ao todo foram 81 entrevistas semi-estruturadas realizadas ao longo do primeiro semestre de 2022. Além dos 18 países parceiros, envolveram 24 países do Sul e Norte global. “Entrevistamos pessoas responsáveis por negociar e decidir conteúdos e estratégias desses diálogos, projetos e acordos de cooperação internacional de âmbito institucional e nacional”, afirma Gabriela. A distribuição geográfica foi a seguinte: Europa (33); América do Norte (7); América Latina (24); África (4); Ásia (12) e Oceania (1).

Na análise qualitativa das entrevistas, a pesquisadora informa que a diferença cultural entre os países era algo previsto. “Por mais que a cultura de um país tenha sido relevante nas respostas, isso era esperado em certa medida”, pondera. “Mas a parte mais interessante foi perceber a importância do perfil institucional”, conta. “Houve muitas diferenças entre os distintos perfis das instituições participantes e isso está vinculado a uma cultura meritocrática que não analisa o que está atrás dessa aparente meritocracia, como a desigualdade de condições, de tratamentos e a própria cultura institucional”.

Para alguns entrevistados a implementação dos diálogos internacionais e atividades de cooperação não são suficientes para mudar toda uma perspectiva cultural, mas são muito importantes para mudar a organização de cada instituição, tomando as diferenças culturais como parâmetro.

A produção de dados apareceu como um dos principais instrumentos para possibilitar a criação e a implementação de ações de integração de gênero em pesquisa e desenvolvimento. “Apesar dos acordos não serem suficientes para mudar uma realidade, pode ser a primeira ponte de partida para mudar uma cultura institucional que consegue alcançar a realidade de forma eficiente”.

Participantes da Agência Uruguaia de Cooperação Internacional disseram que depois de participar da entrevista, começaram a rever alguns documentos para incluir novas cláusulas relacionadas à equidade de gênero, inclusão e diversidade em seus acordos. Entrevistados da Secretaria Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação da República do Panamá (Senacity) indicaram a necessidade de revisar e atualizar suas ações de cooperação internacional com recomendações sobre condições prévias específicas necessárias para a participação igualitária de mulheres e homens na preparação e implementação dessas ações. Na Bolívia, para um expert da área “falar de gênero é falar de poder”: “Em ciência e tecnologia devemos começar nos perguntando quais são os papéis de gênero”.

Durante o debate, Sheila Cerezetti argumentou: “É importante destacar que em relação às pesquisas de gênero, quanto mais a gente faz, mais fica evidente que o levantamento de dados e a conscientização são passos fundamentais e iniciais para promover qualquer transformação”.

Ano Sabático

A dimensão de gênero nos acordos de Ciência, Tecnologia e Inovação foi uma das seis mesas temáticas que fizeram parte do evento Jornadas Investigativas Contemporâneas: o Programa Ano Sabático IEA/USP (2022) ocorrido entre os dias 30 de agosto a 01 de setembro.

Trata-se da primeira edição deste encontro idealizado pelas/os docentes pesquisadores/as do Programa Ano Sabático do IEA, com o objetivo de divulgar discussões teóricas, metodológicas e/ou práticas que subsidiam os projetos de pesquisa em andamento. São seis os sabáticos deste ano. As jornadas, em parceria com a Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação (PRPI), integraram a programação da série USP Pensa Brasil.

Na abertura do evento, os participantes destacaram o ineditismo do programa tanto no âmbito da USP como também no meio universitário brasileiro. O diretor do IEA, Guilherme Ary Plonski, disse que no Brasil são poucas as instituições que têm essa iniciativa. No caso da USP, o programa era uma antiga aspiração do instituto e sua criação foi possível em junho de 2015, a partir da publicação da Resolução 7.069.

Martin Grossmann (IEA e ECA-USP) lembrou que foi o físico Mahir Saleh Hussein, então coordenador de Grupo de Pesquisa Astrofísica Nuclear Não Convencional do IEA, quem “desengavetou” o projeto, participando de iniciativa que idealizou o programa em 1991. “Considero o sabático um programa institucionalizado e de vida longa”, afirmou, destacando o caráter interdisciplinar e transversal das pesquisas. “O IEA possibilita esse lugar onde a escuta é fundamental”.

Sylvio Canuto (IF-USP) destacou o papel “estratégico” do IEA por permitir estudos que variam em uma amplitude abrangente e que cobrem “um leque de problemas oportunos”.

Para Paulo Saldiva (IEA e FMUSP) cabe à universidade propor o novo e executá-lo. Nesse sentido, considera o IEA o mais “permeável” de todos os institutos da USP. “Eu me assustei positivamente com a liberdade, fluidez e capacidade de se implementar soluções e ações efetivas que superaram e muito a velocidade normal do tempo”. Saldiva reiterou que o Programa [Ano] Sabático é uma experiência que deveria acontecer para muita gente, “porque traz uma nova perspectiva de temas que aproveitam a riqueza intelectual da USP”.

Plonski também ressaltou o protagonismo do projeto, que funciona a partir da “integração entre colegas de áreas distintas e que convivem por um ano realizando aquilo que foi a missão atribuída pelo professor [José] Goldemberg, quando da criação do instituto em 1986: o encontro e confronto de saberes”.