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As diretrizes para o desenvolvimento da manufatura avançada no Brasil

por Mauro Bellesa - publicado 02/05/2016 11:15 - última modificação 13/05/2016 10:58

Jefferson Oliveira Gomes
Jefferson Oliveira Gomes

Indústria avançada, indústria 4.0 ou manufatura avançada. Essas expressões nomeiam o que alguns especialistas definem como a base da 4ª Revolução Industrial, em andamento desde a década passada.

Segundo Jefferson Oliveira Gomes, professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e diretor regional do Senai em Santa Catarina, o que caracteriza a essa nova revolução são os sistemas ciber-físicos de produção, no qual elementos computacionais colaborativos controlam atividades físicas. Nas 1ª, 2ª e 3ª Revoluções Industriais as forças motrizes foram, respectivamente, a mecânica, a energia elétrica e a eletrônica.

A manufatura avançada utiliza-se de uso intensivo de digitalização (ambientes computacionais onde um processo se retroalimenta com informações), big data, tecnologia operacional, inteligência artificial, sensoriamento, robótica colaborativa e manufatura híbrida.

Gomes foi o expositor do seminário Manufatura Avançada, organizado pelo Grupo de Pesquisa Observatório da Inovação e Competitividade/NAP (OIC) do IEA no 15 de abril, com coordenação do sociólogo Glauco Arbix, integrante do observatório e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

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Em sua exposição, Gomes apresentou o projeto sobre manufatura avançada que está sendo desenvolvido por solicitação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e de vários ministérios. De acordo com Arbix, o projeto busca oferecer diretrizes para políticas e estratégias sobre o desenvolvimento da manufatura avançada no Brasil, setor em que “há problemas de oferta e de demanda”.

Gomes disse que o projeto já foi discutido em encontros em vários estados, faltando ainda fazê-lo em São Paulo e na região Sul. A meta é reunir as opiniões de 700 pessoas de vários segmentos sobre os desafios emergentes na área. Dessa amostra, 40% dos participantes são representantes de empresas, 30% integram instituições de ciência e tecnologia e 30% pertencem a setores governamentais e outras áreas, como bancos e investidores de capital de risco.

De acordo com ele, os pontos centrais das discussões são: infraestrutura, regulação, cadeia de suprimentos, possibilidades tecnológicas e desenvolvimento de recursos humanos.

Segundo ele, a Alemanha é a maior fornecedora da indústria avançada. Um exemplo do processo utilizado pelos alemães citado por Gomes é o que reduz ao mínimo a quantidade de peças refugadas, adaptando o processo de montagem de vários componentes às peças produzidas em tamanhos maiores ou menores que os limites de tolerância.

“O que temos feito é analisar as estratégias de vários lugares para tentar definir qual deve ser nossa estratégia, se, por exemplo, ela pode se basear nos mesmos princípios que a germânica, que privilegia a produção, mas sem perder de vista o produto, ou americana, mais dedicada ao desenvolvimento de produto”, comentou.

Ele disse que há vários grupos trabalhando em áreas importantes para a manufatura avançada no Brasil e que a USP se destaca nas áreas de tecnologia operacional e Big Data, com algumas pequenas empresas tendo emergido desse ambiente.

Robôs

A robótica colaborativa atualmente é algo comum, graças à implantação de inteligência artificial nos robôs, afirmou Gomes. “Esses equipamentos já têm sido utilizados fortemente em ambientes fabris no exterior e há várias start-ups desenvolvendo robôs autônomos no país, que, no entanto, não podem funcionar em fábricas brasileiras, porque as normas de segurança do trabalho não permitem que um robô autônomo funcione ao lado de uma pessoa”,

Ele disse que uma razão mais que suficiente para desenvolver robôs é o fato de seu preço diminuir 10% ao ano: “Um robô que faz cirurgia de coluna custa alguns milhões de reais. Daqui a nove anos será uma peça acessível ao SUS”.

A necessidade de desenvolvimento não se restringe à área tecnológica, sendo essencial inclusive na cadeia de produção e uso dos produtos. “Isso é importante porque a produção e o uso de um produto geram uma quantidade absurda de resíduos. A produção de um automóvel com cerca de 1,5 t produz 60 t de resíduos, e se ele tiver uma vida útil de 350 mil km, produzirá mais 700 t.”

Demandas da indústria

Segundo Gomes, o que as empresas mais solicitam nas discussões sobre o projeto são o desenvolvimento de ferramentas para a gestão de informação e sistemas ciber-físicos. No entanto, ele avalia que “a conversa está muito centrada na tecnologia”, com pouca discussão sobre os benefícios da indústria avançada para a sociedade, e sem a devida atenção a setores estratégicos.

Glauco Arbix
Glauco Arbix

Um desses setores é o agronegócio. Para Gomes, o agronegócio é prejudicado porque as empresas não possuem informações estratégicas adequadas e pelo hiato existente entre quem trabalha com tecnologia e quem trabalha com commodities.

Ele ilustrou essa avaliação comentando que as empresas que desenvolvem drones na região de São José dos Campos se preocupam apenas com seu uso na área militar, esquecendo o quanto eles são importantes para o agronegócio.

Infraestrutura é outra das áreas com muitas solicitações das indústrias nas discussões. Além da banda larga, energia e logística, elas querem ter mais acessos aos bens de capital instalados nas universidades. “As start-ups, por exemplo, precisam basicamente desse tipo de investimento para se desenvolver, mas, por questões jurídicas, esses equipamentos nem sempre podem ser compartilhados pelas universidades.”

Recursos Humanos

Na formação de recursos humanos, Gomes disse que algo relevante discutido no Fórum Econômico Mundial de Davos, Suíça, em janeiro, foi a mudança na natureza do trabalho, que está se tornando mais flexível. Afirmou que o sistema educacional valoriza o desempenho individual, mas “a primeira coisa que nos pedem ao ingressar no mercado de trabalho é a habilidade de trabalhar em grupo”.

De acordo com ele, dos 3,5 bilhões de pessoas com alguma forma de trabalho regular, 1 bilhão atua em profissões que não existiam há 10 anos, e 65% das crianças de hoje trabalharão daqui a 8 anos em profissões que ainda não existem.

Ainda segundo o Fórum de Davos, comentou, só na área de metal-mecânica o mundo vai perder 7 milhões de postos de trabalho em 6 anos e criar apenas 2 milhões, os quais terão uma relação empregado-empregador diferente, próxima do que acontece no Uber

Para Gomes, é preciso reavaliar o tipo de profissional que as instituições de ensino estão formando, qual sua capacidade cognitiva e seu entendimento de fracasso e sucesso. “Nossa educação é baseada em forte observação, ao passo que as empresas querem um profissional formado para a solução de problemas.”

Segundo ele, estudos indicam que a data de referência para os desafios do desenvolvimento da indústria avançada é 2020, quando se espera que as novas tecnologias estarão disponíveis a baixo custo.

No debate sobre a exposição, Arbix disse que a universidade tem uma oportunidade de participação grande nesse processo, mas não está ocupando seu espaço devidamente. Por outro lado, “os empresários, personagem-chave nessa discussão, têm assumido uma postural muito frágil nos debates, pois jogam muito para a frente e para outros a responsabilidade de desenvolver o necessário, além de haver gente que diz que a manufatura avançada é coisa para suíço, alemão, não para a gente”.

Na opinião de Arbix, a indústria brasileira está muito defasada e a manufatura avançada é a principal base a trabalhar se o país quiser dar um passo à frente: "Há uma oportunidade enorme de superarmos nossas deficiências crônicas, pois ela oferece a chance de trabalharmos numa dimensão diferente em várias indústrias”.

Para o coordenador geral do OIC, Mario Salerno, professor da Escola Politécnica (Poli) da USP, "se a indústria de vários países é 4.0, a brasileira é 0.4". Ele perguntou a Gomes o que pode ser feito com pouco esforço para o desenvolvimento da manufatura avançada no Brasil e obter algum sucesso.

Gomes respondeu que basta olhar para a balança comercial, ou seja, desenvolver a indústria avançada para o agronegócio. “Já há muita coisa que pode ser aproveitada e o grande desafio de quem vai empreender não é saber tecnologia, é entender demanda de fato, utilizando big data, e saber onde há menos competidores. Só que não existem mecanismos para isso”, completou.

Educação

O ex-diretor da Poli-USP, José Roberto Cardoso, criticou a formação dos engenheiros baseada em princípios antiquados, como o crédito hora-aula (“criado na Universidade Harvard em 1836”) e a compartimentação do conhecimento em disciplinas (“extintas em Harvard”). Comentou que nos anos 60, 70, os professores em sua maioria eram docentes em tempo parcial e eram empreendedores fora da universidade, o que motiva os alunos a também o serem. “Agora é comum um docente dizer: perdi aquele rapaz, um gênio, para o mercado", afirmou.

Cardoso também destacou as dificuldades para a manutenção de uma start-ups. Segundo ele, várias surgiram na Poli e despertaram interesse de grandes empresas, como a Petrobras, “mas elas não conseguem nem fazer o cadastro na Petrobras; é muito complicado, há tantas exigências que uma empresa nascente não tem como atender e não é contratada: a start-up morre de inanição”.

Em resposta a Cardoso, Gomes disse que quando cursou a graduação no ITA, não era possível ter ar-condicionado e computador no prédio de habitação do instituto: "Eu tinha que passar o dia todo fazendo curso integral na faculdade e tinha de desenvolver coisas. Não havia nada mais legal do que isso para fazer. O problema é que começamos a usufruir de muitas coisas gostosas e continuamos a fazer o que sempre fizemos."

Para ele, a forma como os engenheiros sendo educados é criminosa, pois "tira-se deles a coisas mais preciosa, o sonho, e eles vão trabalhar em setores que são mais interessantes, como o setor financeiro, onde ele lida com uma lógica multicritério e pode aplicar várias ferramentas que aprendeu".

Fotos: Leonor Calazans/IEA-USP