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A hipótese de Lucia Santaella sobre uma 7ª revolução cognitiva do ser humano

por Mauro Bellesa - publicado 29/03/2022 14:10 - última modificação 30/03/2022 08:14

A semioticista Lucia Santaella fez a conferência "A Hipótese do Neo-Humano - A 7ª Revolução Cognitiva do Sapiens", no dia 25 de março. O evento marcou o encerramento de sua titularidade na Cátedra Oscar Sala, iniciada em abril de 2021.

Lucia Santaella - 2018
A semioticista Lucia Santaella, primeira titular da Cátedra Oscar Sala

A humanidade está vivendo o seu sétimo ciclo cognitivo, marcado pela dataficação e plataformização. A hipótese é da semioticista Lucia Santaella, primeira titular da Cátedra Oscar Sala. Ela apresentou a ideia na conferência A Hipótese do Neo-Humano - A 7ª Revolução Cognitiva do Sapiens, no dia 25 de março. O evento marcou o encerramento de sua titularidade, iniciada em abril de 2021. Um detalhamento da hipótese será publicado em livro escrito por ela no período.

O ponto de partida para a reflexão sobre a hipótese é o fato de as sociedades humanas estarem envolvidas em impasses tecnológicos, ambientais, sociopolíticos e outros, disse. "É preciso aplicar uma genealogia do que levou a esses impasses, com um recuo de passos tão vasto quanto os dilemas exigem. Elegi o surgimento do sapiens como marco."

A hipótese central de Santaella é que o processo progressivo de complexidade da inteligência do sapiens alimenta-se de dois fatores: a linguagem e sua multiplicação em outras linguagens e o desenvolvimento de meios sociotécnicos. "O primeiro desses meios é o aparelho fonador. É sociotécnico porque a fala é social por natureza."

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O desdobramento se deu com as tecnologias de linguagem inteligentes, que tornaram os processos mais complexos e interconectados, afirmou Santaella. Para ela, antes que a noção de inteligência seja compreendida de modo fetichizado, é preciso ver o quanto ela é paradoxal "e não se dá conta do próprio veneno."

O surgimento da linguagem levou ao crescimento do cérebro, da mente, da capacidade humana e da expansão da inteligência para fora do corpo biológico, de acordo com a semioticista. "Grandes saltos no crescimento da inteligência ocorreram com a escrita alfabética no mundo grego."

A oralidade e a escrita foram as duas primeiras revoluções cognitivas, às quais se seguiram, segundo Santaella, a cultura do livro, a cultura de massas, a cultura das mídias, a cultura digital e, agora, o estágio de dataficação e plataformização.

O cúmulo evolutivo das máquinas que ampliam visão e audição e nas quais transitam outras linguagens ocorreu com os computadores, "extensões de nossas inteligências", compensando as restrições biológicas, pois a caixa craneana não poderia crescer para abrigar um cérebro maior, pois isso impediria o nascimento do bebê, afirmou

As teleinteligências tiveram um incremento com a interatividade e o compartilhamento, com máquinas permitindo "a simulação de atributos que constituem a inteligência em si", disse a catedrática. "Seria difícil encontrar prova maior do que aquela da inteligência artificial como vetor para o crescimento da inteligência humana. Podemos afirmar que a inteligência artificial veio para ficar, crescer e se multiplicar."

Atualmente, "o que pensávamos ser um ser humano está em questionamento", ressaltou. "O que é a mente humana quando vai para um aparelho? O que é hoje o corpo diante de tantas tecnologias como os chips e o GPS? O que somos nós humanos, o que sobrou de nós, do que pensávamos que éramos, agora que nos tornamos híbridos entre o carbono e o silício?"  Essas perguntas fazem Santaella pensar que foi atingido um estágio de neo-humano, sucessor do conceito de pós-humano, tema de um de seus livros há alguns anos.

No entanto, ela considera que o crescimento da inteligência coletiva propiciado pelas tecnologias digitais não implica maior sabedoria: "Sistemas inteligentes não são inerentemente bons. Por serem produto do sapiens, carregam demências dentro de si."

Além de proferir as conferências de posse e de encerramento de sua titularidade na cátedra, Santaella coordenou oito eventos com debatedoras convidados sobre segurança de rede, inteligência artificial, design legal e riscos à ética e à democracia, entre outros temas. Ela também participou em atividades da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência.

Durante sua titularidade, a cátedra buscou explorar os "espaços intersticiais para dissolver as dissociações entre as ciências hard, aplicadas, sociais e as humanidades", afirmou. Para Santaella, essas implicações devem ser analisadas na academia além dos limites da engenharia, numa perspectiva inter e transdisciplinar.

Com esse intuito, ela coordenou os trabalhos de 60 pesquisadores de diversas áreas em discussões e estudos sobre os temas analisados nos seminários organizados pela cátedra. Parte da produção resultante dessas atividades pode ser verificada numa série de ensaios produzidos por participantes do grupo.

A Cátedra Oscar Sala é uma parceria entre o IEA e o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) no âmbito de convênio de cooperação firmado entre a USP e o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). A finalidade do posto de pesquisa é fomentar, orientar e patrocinar o intercâmbio multidisciplinar entre os saberes de áreas diversas para fortalecer e cultivar o conhecimento sobre a internet, seu funcionamento, suas aplicações e suas ferramentas.

Foto: Media Lab/UFG