Você está aqui: Página Inicial / NOTÍCIAS / Permeabilidade é o principal critério de uma universidade empreendedora, diz Etzkowitz

Permeabilidade é o principal critério de uma universidade empreendedora, diz Etzkowitz

por Sylvia Miguel - publicado 30/11/2016 16:05 - última modificação 08/12/2016 17:39

Especialista esteve no lançamento do índice de empreendedorismo universitário criado pela Brasil Júnior

Um fluxo crescente de jovens empreendedores vem redesenhando o mapa do entorno de algumas universidades públicas paulistas. As chamadas start ups de base tecnológica são o produto mais visível dos programas de incentivo criados por universidades, governos e agências para estimular a inovação e o empreendedorismo no Brasil. Uma nova iniciativa para fomentar o ecossistema empreendedor universitário acaba de ser criada. O Índice de Universidades Empreendedoras, elaborado por um conjunto de entidades estudantis lideradas pela Confederação Brasileira de Empresas Juniores (Brasil Júnior), foi lançado em São Paulo, durante o debate Universidades Empreendedoras - Quais São?, realizado no IEA, no dia 21 de novembro.

Universidades Empreendedoras - 2

Manços (esq.), da CsF, e Neves, da Brasil Jr, apresentaram o ranking das universidades empreendedoras

De acordo com o ranking da Brasil Júnior, a USP lidera o quadro geral das universidades mais empreendedoras do Brasil, seguida pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO). O indicador mede também o grau de empreendedorismo segundo seis eixos, que são cultura empreendedora, inovação, extensão universitária, infraestrutura, internacionalização e capital financeiro.

O maior grau de cultura empreendedora foi encontrado na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), quesito em que a USP ficou em 11º lugar. A USP também se destaca na categoria extensão universitária, em que é seguida pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) e Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Segundo o ranking, a Universidade Federal do Ceará (UFC) é a mais inovadora, seguida pela USP e PUC-Rio. Esta última é líder em termos de infraestrutura, seguida pela Unicamp e Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). A Unicamp lidera o indicador no eixo internacionalização, seguida pela USP e Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). O indicador revela ainda que o capital financeiro voltado ao empreendedorismo tem maior destaque na Unicamp, que é seguida pela USP e Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

“O indicador consegue retratar o real significado de uma universidade empreendedora”, disse Henry Etzkowitz, presidente da Triple Helix Association e mentor da Global Entrepreneurial University Metrics (GEUM), iniciativa voltada à criação de métricas capazes de refletir a inovação e o empreendedorismo nas universidades.

Relacionado

Notícia

Índice de universidades empreendedoras terá lançamento em São Paulo

Video | Fotos

Além de Etzkowitz, o debate organizado pelo Núcleo de Política e Gestão Tecnológica (PGT) da USP, pelo IEA e pela Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) da USP contou com a participação do Pró-Reitor de Pesquisa, professor José Eduardo Krieger, e do diretor-presidente da Fapesp, Carlos Américo Pacheco. O índice foi apresentado por Daniel Pimentel Neves, da Brasil Júnior, e Guilherme de Rosso Manços, da Rede Ciência sem Fronteira (CsF). O debate teve a coordenação do vice-diretor do IEA, professor Guilherme Ary Plonski, coordenador do PGT-USP.

Além da Brasil Júnior, participaram da elaboração do índice a Organização Jovem de Liderança do Mundo (AISEC), a Rede de bolsistas e ex-bolsistas do Programa Ciência sem Fronteiras (Rede CsF), Enactus Brasil e Associação dos Estudantes Brasileiros que estão fora do Brasil (BRASA). Criado para mostrar as iniciativas de instituições de ensino superior no Brasil que mais incentivam o empreendedorismo dentro e fora da sala de aula, o indicador foi construído por meio de uma pesquisa online que contou com a participação de mais de quatro mil estudantes universitários de todo o país. Na publicação relacionada acima há mais detalhes sobre a metodologia empregada no estudo.

 

Tempo em atividades externas

Universidades Empreendedoras - 3
Ambiente inovador valoriza o contato com a sociedade, diz Etzkowitz

“A permeabilidade ou a relação extramuros é o principal critério para medir quanto uma universidade é empreendedora. Pelo menos 20% de seu quadro docente deve passar uma parte significativa de tempo desempenhando outros papéis na sociedade. Veja, por exemplo, o caso da Universidade de Stanford, que criou três categorias de cargos docentes, voltadas ao ensino, à pesquisa e à consultoria. Assim, a instituição reconhece três proporções diferentes de tempo gasto pelo docente, o que confere maior mobilidade à sua atuação dentro e fora da universidade e permite que ele tenha um engajamento sério junto à sociedade”, disse Etzkowitz.

Segundo o consultor, que é também professor visitante na escola de negócios da Universidade de Edinburgo, Reino Unido, o reconhecimento da atividade docente fora da universidade foi a forma como o Massachusetts Institute of Technology (MIT) se tornou efetivamente uma universidade empreendedora.  Ele conta que a escola de engenharia começou a contratar consultores para dar aulas, de forma que suas consultorias continuaram a ser dadas paralelamente à atividade docente.

Na sequência, o MIT criou a regra do “um quinto”, segundo a qual o docente deve passar um quinto de seu tempo desenvolvendo coisas da sua área para a sociedade e ajudando empresas a desenvolver tecnologias. A regra se espalhou pelo sistema universitário da instituição. “Então a universidade deve legitimar o tempo que o docente se dedica à inovação e ao empreendedorismo junto à sociedade”, disse.

Etzkowitz cita o caso de pessoas que chegam a grandes descobertas e sequer cogitam entrar com pedido de patente. “Isso aconteceu com um físico escocês famoso que não acreditava que poderia patentear sua ideia. Mas quando Marconi apareceu com as mesmas ideias e reclamou patente, então esse cientista teve de voltar atrás”, disse, referindo-se à primeira transmissão de telegrafia sem fio efetuada pelo italiano Guglielmo Marconi (1874-1937), em 1899. O invento que antecedeu o rádio baseou-se nas descobertas de James Clerk Maxwell (1831-1879) e também nos inventos de Nikola Tesla (1856-1943) e ambos não haviam registrado patente, até então.

Outro caso muito famoso envolvendo patentes foi protagonizado pelo mentor de Etzkowitz, o norte-americano Robert K. Merton, criador da multimilionária Focus Group. Merton inventou uma técnica de pesquisa de opinião que posteriormente foi usada por um grupo de estudantes para avaliar a experiência das pessoas a respeito de determinados produtos. “Anos mais tarde, Merton foi convidado para uma reunião especial na Associação Americana de Pesquisa de Opinião Pública e então explicaram a Merton o que fizeram com sua invenção. Ele ficou espantado, não imaginava que com sua técnica de pesquisa seria possível criar uma indústria. Ao final, disse que desejaria ter pedido a patente”, contou Etzkowitz.

“Portanto, é bom pensar na pesquisa básica, mas também nos seus efeitos práticos. Além disso, precisamos criar maneiras de analisar o impacto das pesquisas de forma que não seja apenas pela publicação de artigos”, disse. Foi com esse objetivo que Etzkowitz e seu sócio na Triple Helix Association, professor Loet Leydesdorff, decidiram lançar em 2015 a Global Entrepreneurial University Metrics (GEUM). A iniciativa visa ao desenvolvimento de novas métricas – que incluam empreendedorismo, gênero, diversidade e promoção do interesse publico – para avaliar os sistemas de classificação universitários.

“Meu sócio especializou-se na métrica de publicações científicas e começou a questionar a forma como as universidades constroem suas métricas sobre o número de papers publicados. Notamos que se continuarmos a dar importância só aos papers, as universidades empreendedoras irão desaparecer. Por isso juntamos pesquisadores de diversos países, incluindo o Brasil, para criar uma métrica capaz de avaliar o empreendedorismo nas universidades. Em breve faremos workshops em Palo Alto, Califórnia, onde os primeiros resultados serão apresentados”, disse.

 

Mudança na prática pedagógica

Universidades empreendedoras - 4

É preciso se reinventar como professor para que empreendedorismo não seja só uma disciplina, diz Pacheco, da Fapesp

O diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Américo Pacheco, revelou números que sinalizam o aumento da atividade empreendedora nas universidades. Mas pontuou que o maior desafio para impulsionar a inovação e o empreendedorismo nas instituições de ensino superior diz respeito principalmente às mudanças nas práticas pedagógicas.

“Do ponto de vista pedagógico é difícil mudar a maneira como se ensinam as coisas, especialmente nas escolas de engenharia, que são muito tradicionais e por isso resistem mais às mudanças. Uma coisa é introduzir uma disciplina de empreendedorismo e outra é mudar a forma de ensinar, tirar o aluno da conduta passiva, estimular mais a solução de problemas, introduzir mais projetos e menos provas. Isso vai além da introdução do empreendedorismo. É preciso se reinventar como professor, buscar coisas novas dentro da prática pedagógica”, disse Pacheco.

Pacheco elogiou a criação do ranking de universidades empreendedoras e principalmente a agenda que dela resultará. “A iniciativa estimula a competição e as universidades disputam quem fica com o maior número de patentes porque isso gera prestígio para as instituições”, disse.

Segundo Pacheco, as universidades brasileiras responderam bem ao novo ambiente institucional que vem proporcionando estímulos ao empreendedorismo, especialmente após a criação da lei de inovação, que sinalizou a importância das parcerias público-privado. “O Brasil vem avançando muito mais do que outros países nessa área. Mas isso gera dúvidas se esse novo ecossistema é sustentável e se isso tem sentido econômico. As universidades brasileiras hoje são responsáveis por 16% das patentes depositadas no INPI [Instituto Nacional de Propriedade Industrial] por residentes brasileiros e essa proporção no passado era de 2%. Por outro lado, as universidades americanas têm 4% das patentes concedidas pelo USPTO [United States Patent and Trademark Office] e esse número tem permanecido nos últimos 20 anos”.

Se por um lado esse movimento é positivo, também demonstra a debilidade do setor privado no Brasil, acredita. Além disso, insere a cultura de valorização da propriedade intelectual no meio universitário, afirma.

A consequência desse novo quadro é o aumento de start ups no entorno das universidades públicas no estado de São Paulo, formando os chamados hubs de empreendedorismo nas proximidades dos campi de universidades como USP, Unicamp, federais e estaduais de São Carlos e também de São José dos Campos, Ribeirão Preto e Botucatu, observou.

Importante notar que egressos daquelas universidades compõem a maior parte dos proponentes de negócios para o Pesquisa Iniciativa em Pequenas Empresas (PIPE-Fapesp), programa que financia projetos de base tecnológica para micro, pequenas e médias empresas, segundo Pacheco.

O diretor-presidente disse que até o final de 2016 serão aprovados quase 300 projetos dessa natureza. “O PIPE já acumula cerca de 1600 projetos aprovados e é a maior carteira de empresas de base tecnológica financiados por uma instituição”, disse.

Universidades Empreendedoras - 1

Krieger (esq.), pró-reitor de pesquisa da USP, e Plonski, vice-diretor do IEA

Na abertura do debate Universidades Empreendedoras - Quais São?, o pró-reitor de Pesquisa da USP, professor José Eduardo Krieger falou sobre iniciativas e editais da USP que mostram o empenho da Universidade em promover o empreendedorismo. Entre elas, as parcerias com a Receita Federal e a associação de exportadores de carnes, que buscam soluções para desafios desses organismos, os quais afetam também a sociedade.

“Mais do que modismo, a inovação é uma fonte grande de recursos para a universidade. Não significa que é a única moeda e ninguém perdeu a noção do que é esta universidade e que nosso principal papel é formar indivíduos diferenciados para atuar na sociedade. Esse é o nosso primeiro produto. Mas temos a oportunidade de transformar conhecimento em riqueza e devemos aproveitar da melhor forma, em especial através dos parques tecnológicos, que dará bases para um ecossistema de inovação na universidade”, disse o professor Krieger.