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Pobreza e machismo estimulam turismo sexual, dizem pesquisadores

por Sylvia Miguel - publicado 04/05/2016 16:15 - última modificação 10/05/2016 12:47

“Nossa sociedade tem dois pesos e duas medidas e isso não é diferente dentro da universidade”, disse professora sobre comportamento sexista no Brasil.
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Diretor Joel Zito Araújo narra experiências sobre o universo retratado em documentário.

O documentário "Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado" (Brasil, 2008), do diretor Joel Zito Araújo, serviu como ponto de partida para o debate organizado pelo Grupo de Pesquisa Diálogos Interculturais do IEA, no dia 2 de maio, na antiga sala do Conselho Universitário da USP. A exibição do longa-metragem antecedeu o encontro Turismo Sexual e a Busca pelo Príncipe Encantado Europeu.

Além do cineasta como principal expositor, o debate teve como moderadores o professor visitante do IEA Jeffrey Lesser, da Emory University, Estados Unidos, a professora Adriana Capuano de Oliveira, da Universidade Federal do ABC (UFABC), a professora Ligia Fonseca Ferreira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e Sylvia Duarte Dantas, professora da UNIFESP e coordenadora do grupo de pesquisa.

A pobreza, o preconceito racial, o machismo e o passado escravocrata são as características basilares que alimentam o turismo sexual no Brasil, na opinião dos especialistas. As campanhas da Embratur voltadas à promoção do turismo no Brasil foram criticadas por alguns dos presentes, devido às imagens sensualizando a mulher brasileira, recurso que tende a “coisificar” a pessoa, como colocou a professora Dantas.

“A Embratur tem parte da culpa sobre a imagem que criamos do Brasil. Suas campanhas do passado, especialmente das décadas de 1970 e 1980, eram muito sexistas”, disse o diretor, que é doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (ECA) da USP, com pós-doutorado em Comunicação e Antropologia pela Universidade do Texas (EUA).

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"A busca por afeto, autoestima e trabalho torna mulheres rés de um ideal", diz diretor.

No longa, o cineasta retoma temas constantes em seus trabalhos, como as dificuldades do homem negro em respeitar a mulher negra. A busca de imaginários sexuais, raciais e de relações de poder o levou ao eixo Norte-Nordeste brasileiro e Europa.

“O filme foi uma forma que encontrei de estar em contato com a mulher negra da periferia, de dar empoderamento e voz a essa mulher. Na verdade, o filme dá mais espaço a essa mulher do que qualquer outro documentário que eu conheço”, disse o cineasta.

O diretor conta que privilegiou mulheres comuns em vez de profissionais do sexo para entender a motivação que as leva a se tornar “rés de um ideal, seja em busca de afeto, de autoestima ou de trabalho, mesmo sabendo dos riscos que correm”.

A narrativa traz questões diversas sobre o tema, seja na pele da mulher comum que sonha com o príncipe encantado, ou daquela que almeja uma vida melhor no primeiro mundo, ou ainda daquela que simplesmente quer fugir – seja da marginalidade, da família, do preconceito, ou da brutalidade dos homens brasileiros, como afirmam nas entrevistas.

“Negro trata mal. Brasileiro trata mal. Com os gringos me sinto poderosa”, disse Sileni, do Pelourinho, bairro de Salvador, Bahia.

O turismo sexual movimenta números gigantescos e desconhecidos. É uma rede envolvendo não só o turismo, mas também o entretenimento, o comércio, mercados imobiliários e intermediários de todo tipo, segundo o diretor. “A máfia desse mercado é tão forte que tive dificuldades para realizar entrevistas e muitas mulheres estão ligadas a essas máfias. Em Roma, por exemplo, recebi um aviso de que estavam ‘de olho em mim’. E muitas mulheres que haviam concordado em dar entrevista desistiram na última hora”, conta.

Faltam políticas públicas

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A partir da esq.: Lesser, Ligia, Araújo, Sylvia e Adriana

Num dos depoimentos escolhidos para compor o trabalho, a então senadora Patrícia Saboya (PDT-CE) se emociona ao falar sobre o descaso do poder público nessa área. Atuante na defesa dos direitos da mulher e contra a exploração sexual de menores, Saboya é autora do projeto que virou lei para a ampliação da licença maternidade para seis meses.

Houve casos de exploração sexual em que a justiça já chegou a acusar a vítima de seduzir o cliente, conta a ex-senadora. “Numa apuração em comissão parlamentar, houve nomes de políticos que foram tirados de uma lista de indiciados de exploração sexual. Já trabalhei com políticas sociais para acabar com isso e não consegui. Não há uma política de Estado voltada para isso. O que essas mulheres querem é oportunidade”, disse Saboya.

Para o diretor, a sociedade não se incomoda com a situação dessas mulheres. “A classe média se incomoda apenas com o deslocamento social delas, quando precisa dividir algum equipamento social como restaurantes ou locais públicos”, disse o diretor.

“Ruptura contracultural”

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Filme mostra casais com "final feliz", porém com relações desiguais.

O professor Lesser observou que há muitos homens brancos que buscam a mulher negra e pobre para constituir família em seus países de origem e questionou se isso não poderia representar uma “ruptura contracultural”, uma espécie de negação dos valores dominantes tradicionais.

Mas esse comportamento não revela uma contracultura, na opinião do diretor, e sim, uma reafirmação do machismo. “Está claro que são homens que têm dificuldades de se relacionar com a mulher emancipada. Optam por uma relação que reforça a masculinidade deles. Em geral, não gostam ou não permitem que a mulher trabalhe fora de casa. Além de servi-los sexualmente, suas mulheres criam seus filhos e cuidam da casa”, disse.

Para o diretor, esse tipo de casamento é construído sobre uma relação machista e de subserviência que faz parte da cultura brasileira. “O pior é que apesar dos pesares, muitas não querem voltar e adotam um acentuado discurso de gênero e racial. No caso de uma separação, choca a falta de poder dessas mulheres, que acabam expulsas da família e até do país, sem direito a nada, sem perspectivas”, disse.

A professora Dantas lembrou que o machismo é uma realidade cultural que precisa ser enfrentada, pois ocorre em todas as esferas. “Nossa sociedade tem dois pesos e duas medidas e isso não é diferente dentro da universidade. Precisamos dar visibilidade a essa questão. É urgente um trabalho de desconstrução de estereótipos”, disse.

 

Fotos: Leonor Calazans/IEA e Divulgação