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As propostas de Saldiva e Muylaert para saúde e segurança pública

por Mauro Bellesa - publicado 16/09/2018 23:10 - última modificação 24/09/2018 16:40

Paulo Saldiva e Eduardo Muylaert foram os expositores no seminário de lançamento do livro "Brasil: O Futuro que Queremos", no dia 4 de setembro, no IEA.
Paulo Saldiva, Jaime Pinsky e Eduardo Muylaert - 4/9/18 -
Três dos autores do livro "Brasil: O Futuro que Queremos" participaram do seminário (a partir da esq.): Paulo Saldiva, Jaime Pinsky (moderador) e Eduardo Muylaert

O direito à vida, à segurança pessoal e à saúde e bem-estar, previsto na Declaração Universal dos Direito Humanos, só poderá ser satisfatoriamente assegurado aos brasileiros se forem implantadas políticas públicas transformadoras da realidade da segurança pública e da saúde.

Debater propostas para essas duas áreas foi justamente o objetivo do seminário de lançamento do livro "Brasil: O Futuro que Queremos", realizado no dia 4 de setembro.

Os expositores do encontro foram os autores de capítulos sobre esses temas presentes no livro: o patologista Paulo Saldiva, diretor do IEA e professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), e o advogado Eduardo Muylaert, ex-secretário de Justiça e Segurança Pública do Estado de São Paulo.

O organizador da obra, o historiador Jaime Pinsky, professor da Unicamp e diretor da Editora Contexto -responsável pela publicação - foi o moderador do seminário. Segundo ele, a intenção ao produzir o livro foi ampliar o diálogo da universidade e dos intelectuais com a sociedade. "Quando pensei em organizá-lo, a questão que se colocava era como podemos pensar propostas para certas áreas do conhecimento e das práticas sociais [v. no sumário abaixo] de maneira a que se efetivem de forma concreta e se transformem em políticas públicas."

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SUS

Saldiva afirmou que a criação do SUS (Sistema Único de Saúde) em 1988, baseado nos modelos britânico, canadense, australiano e alemão, possibilitou grandes avanços na saúde pública, apesar de várias dificuldades ainda existentes. Ele lembrou que os indicadores de mortalidade materna e fetal e expectativa de vida tiveram retrocesso nos últimos três anos.

Segundo o patologista, o Brasil gasta 8% do PIB com a saúde, percentual não tão distante dos 10% gastos pelo Canadá e Reino Unido.  "Desses 8%, metade é de responsabilidade do poder público. O governo federal responde por 1,8% - e essa participação vem caindo - e 2,2% é assumido por estados e municípios. Esses 4% do PIB destinam-se ao atendimento de 80% da população. Os outros 4%, de origem privada, destinam-se aos outros 20% população."

Ele disse que um grupo grande de médicos e políticos defendem que tudo seja privatizado, inclusive a saúde, "mas o SUS, mesmo com suas deficiências, possibilita o maior serviço de transplantes do mundo, o índice mais baixo de mortalidade infantil da América Latina e elevação da expectativa de vida dos brasileiros".

Outras melhorias decorrentes do sistema apontadas por Saldiva aconteceram no acompanhamento pré-natal, no controle de doenças crônicas (asma, diabetes e hipertensão) e no tratamento de imunodeficiências.

Fluxo

Para ele, apesar de pequenos, há problemas de gestão do SUS em relação à distribuição dos investimentos e regulação do fluxo dos pacientes. "O Pronto Socorro do Hospital das Clínicas [da FMUSP] não atende mais quem chega à sua porta, só quem foi levado pelos serviços de urgência. Se não fosse assim, seria um hospital de campanha, pois tem metrô ao lado e todo mundo quer ir para lá. Outro exemplo de problema de fluxo é o Hospital Municipal Infantil Menino Jesus: o acesso a ele é facilitado pelo transporte público nas avenidas Paulista, Brigadeiro Luís Antônio e Nove de Julho, assim, mães de toda a cidade levam suas crianças até lá, mas o hospital é para atendimento de situações mais complexas."

A quantidade de recursos investidos no sistema deveria aumentar, "apesar de não ser tão baixa", afirmou. Entretanto, o sistema vai se encarecendo com a ampliação da demanda, "afinal, ninguém acima de 50 anos pode dizer que tem uma saúde normal, pois faz uso de estatinas, anti-hipertensivos, faz check-up etc."

Paulo Saldiva - 4/9/18
Saldiva: "A saúde tem de se reinventar e dialogar com outras áreas"

Carreira

No quesito abrangência e qualidade do atendimento médico, Saldiva considera que a situação pode melhorar com a criação de uma carreira para os médicos do serviço público. "Atualmente, é impossível direcionar bons profissionais para a periferia. Quanto mais afastada a região, melhor tem de ser o profissional, pois ele terá de dar conta de situações complexas ante a impossibilidade de encaminhar o doente para outra cidade ou centro médico mais sofisticado."

Saldiva também propõe uma espécie de serviço civil para médicos jovens. "O sistema designaria o médico para uma cidade, cabendo à prefeitura lotá-lo no local apropriado. Seria uma forma de retribuição pelos investimentos do Estado na formação do médico. Isso deveria ser acompanhado de um bom sistema de telemedicina, que propiciaria ao paciente obter uma segundo informação por parte de um especialista."

Demanda

Ele comentou também o crescimento de demandas que antes não eram tão impactantes: epidemia de obesidade; surtos e epidemias de novas doenças e outras que antes estavam sob controle; transtornos mentais ("a depressão é a segunda causa mais importante no afastamento do trabalho"); e o envelhecimento da população ("as pessoas vão viver mais e ter doenças mais graves").

Além de mais investimento no SUS e criação da carreira para os médicos, Saldiva vê como prioridades que eles tenham melhor formação, qualificação de pessoal não médico para prescrições mais simples e pensar a saúde também a partir de pontos de vistas não comumente associados a ela, colocando-a  como ponto central de políticas públicas, especialmente aquelas relacionadas com o espaço urbano.

"A saúde tem de se reinventar e dialogar com outras áreas, pois ela pode ser uma caixa de amplificação de problemas. O médico tem de participar da discussão sobre parques, calçadas, trânsito, combustíveis e outras questões."

Aprisionamento

Com mais de 700 mil presos, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, depois dos Estados Unidos e da China. Prender tanta gente "tem um custo elevado e causa vários problemas, mas não tem melhorado a segurança pública", segundo Muylaert. O país também sofre de descontinuidade de políticas no setor: "Todo governo apresenta um bom projeto, mas não o executa; e depois o projeto é mudado novamente".

"Quando trabalhei no Ministério da Justiça em 1987, não havia estatísticas sobre o sistema penitenciário. Depois foi feito o primeiro censo e agora está sendo criado um sistema nacional com informações sobre quantos são os presos, quem são e porque estão presos."

Eduardo Muylaert - 4/9/18
Muylaert: "Homens públicos devem se basear menos em seus preconceitos e intuição e mais nas recomendações de quem estuda a segurança pública"

Segundo ele, a população carcerária triplicou entre 2000 e 2014, sendo que 40% do total correspondem a presos provisórios, sem condenação, e 30% são de pessoas presas por tráfico de drogas, com as mulheres respondendo por 60% desse percentual. Ele ressaltou também a falta de formação adequada os funcionários do sistema penitenciário.

De acordo com o "Atrás da Violência", produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou 62.517 homicídios em 2016, uma taxa recorde de 30,3 por 100 mil habitantes.

Muylaert destacou que de cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras. "A maioria dos mortos são jovens. No início dos anos 80, a idade média das vítimas era de 25 anos, agora é de 21 anos. Esses números mostram o óbvio: o sistema não funciona. Somos comparáveis aos países mais selvagens do mundo."

Comunidade

Ele disse que onde houve sucesso no combate à criminalidade nos Estados Unidos foi em locais em que havia uma população estável, alguma assistência social comunitária, boa oferta de emprego, bom sistema de justiça criminal e oportunidades de formação para os jovens.

"Em muitos lugares temos o oposto disso. Uma cidade de Alagoas tinha 10 mil habitantes e todos se conheciam. Fizeram um conjunto habitacional do Minha Casa, Minha Vida para mais 10 mil pessoas. A população migrante não se dá bem com o povo antigo da cidade e atingiu-se um pico de violência. Melhores condições de vida criadas com a melhor das intenções geraram violência."

Outro problema, em sua opinião, é a falta de comunicação entre as polícias estaduais. "É boa a ideia de implantação de um sistema único, pois o atual é bastante calamitoso."

Ele criticou também a polarização do debate entre os que defendem mais rigor e os que defendem os direitos humanos. "Ninguém vai ver o que está acontecendo de fato e o que pode ser feito. Ninguém analisa as estatísticas."

Para uma política criminal dar certo, na opinião de Muylaert, o culpado tem de começar a cumprir sua pena logo, ainda que seja de menor duração. "Não pode ser essa coisa de a pessoa ser julgada 10 ou 15 anos depois do crime, quando ninguém mais lembra o que aconteceu."

Contribuições

Para ele, há soluções, mas elas passam por uma contribuição maior da universidade e dos homens públicos. Estes precisam se basear "menos em seus preconceitos e na confiança que depositam em sua intuição e mais nas recomendações de quem estuda o assunto".

"Ainda há muitas pessoas que há pessoas que aceitariam colaborar com o governo, não só na segurança pública, mas em todas as áreas onde teorias falsas costumam vingar. Os pesquisadores, tantos os mais experientes quanto os mais novos, precisam discutir e espalhar ideias para, quem sabe, as coisas melhorarem."

Livro

Com 256 páginas e preço indicativo de R$ 49,90, "Brasil: O Futuro que Queremos" pode ser encontrado nas principais livrarias físicas e virtuais do país, inclusive no site da Editora Contexto.

SumárioCapa do livro 'Brasil: O Futuro que Queremos"

  • Introdução - Jaime Pinsky
  • Educação - Claudia Costin
  • Saúde - Paulo Saldiva
  • Cidades - Jaime Lerner
  • Moradia - Nabil Bonduki
  • Segurança Pública - Eduardo Muylaert
  • Ciência e Tecnologia - Glauco Arbix
  • Economia e Finanças - Luís Eduardo Assis
  • Política Econômica - Antonio Corrêa de Lacerda
  • Relações Internacionais - Paulo Roberto de Almeida
  • Agricultura - Roberto Rodrigues
  • Meio Ambiente - Fabio Feldmann
  • Esporte - Milton Leite
  • Os autores

 

Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP