Rouanet inaugura Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência
Sergio Paulo Rouanet (à dir.) ao lado de Alfredo Bosi, que apresentou o conferencista |
Com a conferência A Modernidade e suas Ambivalências no dia 17 de maio, o cientista político, filósofo e diplomata Sergio Paulo Rouanet deu início às atividades da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência, uma parceria entre o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e o Instituto Itaú Cultural, patrocinador da iniciativa.
Rouanet discutiu a modernidade a partir de seu lastro proveniente dos ideais iluministas. Disse que a modernidade se institucionalizou em dois vetores que incorporam aspectos um do outro: o funcional e o emancipatório.
A noção de que a modernização representa, principalmente, eficácia pode ser encontrada nas ideias do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), afirmou. “Esse conceito é o que prevalece na literatura especializada e nas políticas de desenvolvimento econômico e social.”
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Trata-se, de acordo com Rouanet, de um conceito funcional de modernidade, com a concepção de que numa sociedade moderna as instituições funcionam melhor do que numa sociedade arcaica.
O vetor emancipatório, por sua vez, considera uma sociedade moderna se seus subsistemas (econômico, político e cultural) também proporcionam o máximo de autonomia possível para os indivíduos, disse o conferencista.
Racionalização
Ele comentou que para Weber a modernidade é resultado de “processos cumulativos de racionalização que se deram nas esferas econômica, política e cultural”.
De acordo com Rouanet, a racionalização na esfera econômica implicou na livre mobilidade dos fatores de produção, no trabalho assalariado, na adoção de técnicas racionais de contabilidade e de gestão e na incorporação incessante da ciência e da técnica ao processo produtivo.
Na esfera política, levou à substituição do poder descentralizado, típico do feudalismo, pelo estado central, “dotado de um sistema tributário eficaz, de um exército permanente, do monopólio da violência e de uma administração burocrática racional”.
Rouanet explicou que, na esfera cultural, a modernidade implicou na secularização das visões do mundo tradicionais e sua divisão interna em esferas de valor que antes estavam embutidas na religião: a ciência, a moral, o direito e a arte.
Ele disse que essas categorias indicam que para Weber a modernidade significa, principalmente, aumento da eficácia: “Modernizar significa melhorar a eficiência do sistema tributário, educacional, de saúde pública; trata-se de um conceito funcional de modernidade.”
No entanto, alertou, deve-se considerar o vetor da modernidade relacionado com a autonomia: “Uma sociedade não será moderna apenas quando seus subsistemas se tornarem mais eficazes, mas quando proporcionarem o máximo de autonomia possível para os indivíduos”.
Nessa perspectiva emancipatória, a modernidade passa a significar, segundo Rouanet: na esfera econômica, a capacidade de obter, pelo trabalho, os bens e serviços necessários ao próprio bem-estar, num sistema social que exclua a exploração e a injustiça institucionalizada; na esfera política, a capacidade de exercer a cidadania, num estado de direito que assegure a vigência integral da democracia e dos direitos humanos; na esfera cultural, o livre uso da razão, sem tutelas de qualquer natureza e num contexto institucional que garanta a todos o direito à produção cultural e ao acesso à cultura.
Internacionalização
O movimento de internacionalização da modernidade é chamado por ele de globalização, no viés funcional, e universalização, no viés emancipatório.
Na globalização, “as barreiras locais e nacionais são percebidas como excessivamente estreitas, bloqueando o pleno desdobramento da lógica da eficácia e do rendimento”. Os agentes da modernidade funcional se movimentam, segundo ele, numa área regida pela razão instrumental, de acordo com a definição do filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas. “São corporações transnacionais, na esfera econômica; na esfera política, são os intelectuais orgânicos do príncipe global”.
No caso da universalização, disse que os agentes operam na área da razão comunicativa (também definida por Habermas): “Seus atores, nas diferentes esferas, são organizações não governamentais, movimentos sociais, igrejas, governos democráticos; seria algo como um novo proletariado, cuja base seria constituída pelos excluídos e inassimiláveis da economia global, uma espécie de neossocialismo, como réplica de baixo ao neoliberalismo de cima”.
Cerimônia destacou a importância da parceria
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A partir da esquerda, Maria Alice Setubal, Paulo Saldiva, Marcelo de Andrade Roméro e Eduardo Saron na abertura do evento |
O lançamento da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência foi realizado na Sala da Congregação da Faculdade de Medicina da USP, com a presença do pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária, Marcelo de Andrade Roméro, do diretor do IEA, Paulo Saldiva, do diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron, e da socióloga e educadora Maria Alice Setúbal, filha de Olavo Setubal (1993-2008).
Rouanet foi apresentado por seu colega da Academia Brasileira de Letras (ABL) Alfredo Bosi, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e professor honorário do IEA.
A conferência teve como comentadores: o ex-presidente da Fapesp Celso Lafer, professor emérito da Faculdade de Direito e também membro da ABL; o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, da FFLCH; e Barbara Freitag, professora emérita da Universidade de Brasília e mulher de Rouanet. O evento foi encerrado por Martin Grossmann, ex-diretor do IEA e coordenador científico da cátedra.
Todos destacaram a importância de a cátedra ser fruto de uma parceria entre uma universidade pública e uma instituição privada em prol da arte e da cultura. Também ressaltaram o perfil peculiar de Setubal como empresário que sempre se destacou no apoio à cultura. Em 1975, quando era prefeito da capital, definiu a construção de uma grande biblioteca pública, que depois se tornou o Centro Cultural São Paulo, e criou o Itaú Cultural em 1987.
Quanto à escolha de Rouanet para primeiro ocupante da cátedra, Saron e Grossmann disseram que o seu nome surgiu naturalmente quando procuraram identificar um intelectual com participação decisiva na elaboração e implantação de políticas de apoio à cultura. Rouanet foi secretário nacional de Cultura em 1991-92, época em que propôs a lei de incentivo fiscal em apoio à cultura que leva seu nome.
A partir da esquerda, Celso Lafer, Renato Janine Ribeiro e Barbara Freitag, durante a fase de comentários à conferência de Rouanet; no encerramento do evento, Martin Grossmann (à dir.) falou sobre a conferência e a relevância da nova cátedra |
Fotos: Leonor Calasans/IEA-USP