Você está aqui: Página Inicial / NOTÍCIAS / Os fósseis como instrumento de análise da dinâmica da biodiversidade

Os fósseis como instrumento de análise da dinâmica da biodiversidade

por Mauro Bellesa - publicado 27/05/2015 16:05 - última modificação 05/10/2015 16:31

O ecólogo Tiago Quental, do Instituto de Biociências da USP, fez a conferência "A Dinâmica e os Indutores da Biodiversidade no Tempo Geológico" no dia 22 de abril, como parte da programação da Intercontinental Academia.
Tiago Quental
O ecólogoTiago Quental, do
Instituto de Biociências da USP

Para compreender a dinâmica da biodiversidade é preciso uma perspectiva temporal ampla. Esse foi o argumento central do ecólogo Tiago Quental, do Instituto de Biociências da USP, na conferência A Dinâmica e os Indutores da Biodiversidade no Tempo Geológico, apresentada na Intercontinental Academia (ICA), no dia 22 de abril.

Segundo Quental, há dois tipos de dados que funcionam como "máquinas do tempo" para entender a biodiversidade: o genoma e o registro fóssil. No caso do genoma, o trabalho consiste em utilizá-lo de maneira histórica: "Sequenciamos o DNA de diferentes espécies e reconstruímos a diagrama que chamamos de árvore filogenética, que mostra, basicamente, as relações entre diferentes espécies".

Outra característica importante do genoma é o fato de ele acumular mutações ao longo do tempo. "Podemos usar essa espécie de relógio molecular para uma eventual calibragem e em vez de termos distâncias entre os DNA similares e diferentes, podemos relacioná-los a um tempo absoluto", disse Quental. Isso permite a construção de métodos estatísticos muito sofisticados, pois o relógio do DNA não bate num ritmo regular. "É possível, por exemplo, estabelecer que o ancestral comum de duas espécies pode ter existido 7 milhões de anos antes das duas ou supor quando uma linhagem de cães invadiu a América do Sul."

Relacionado

INTERCONTINENTAL
ACADEMIA

Eixo temático: Tempo

Conferência de
Tiago Quental

Notícia

Mais notícias

Relatos críticos

Mais informações
http://intercontinental-academia.ubias.net

Fósseis

Quental dedicou a maior parte da conferência à outra "máquina do tempo", o registro fóssil. Ele disse que os fósseis são o melhor recurso para compreender a biodiversidade num amplo espectro de tempo, apesar de serem incompletos, "muito bons para alguns grupos, como o dos cães, e muito ruins para outros". Daí a importância da utilização simultânea do DNA, que permite sequenciar quase todas as linhagens vivas até hoje.

O ecólogo comentou que das 4 bilhões de espécies que se desenvolveram na Terra nos últimos 3,5 bilhões de anos, cerca de 99% desapareceram. "Se não tivéssemos os registros fósseis não teríamos nenhuma pista da magnitude da extinção".

Os fósseis, no entanto, não informam apenas sobre extinções, eles contêm também dados sobre ecologia e morfologia (por exemplo: os animais extintos eram bem maiores do que os atuais).

Dinâmica da diversidade

Quental destacou que a história da biodiversidade é caracterizada por uma contínua substituição de espécies e de linhagens. "A dinâmica da diversidade é diferente para cada linhagem, com uma expansão seguida de declínio. Para compreender essa dinâmica, explicou, é preciso saber como as taxas de surgimento e de extinção de espécies numa linhagem mudaram durante a escala de tempo geológica."

Para exemplificar as possibilidades de pesquisa com fósseis no contexto da biodiversidade, Quental apresentou dois estudos que realizou com outros pesquisadores. O primeiro tratou da dinâmica da diversidade dos ramos de mamíferos terrestres que foram completamente extintos ou passaram por declínio na diversidade durante a Era Cenozóica (65 milhões de anos atrás até o momento). O trabalho foi realizado com Charles Marshall, da University of California, Estados Unidos.

Os pesquisadores trabalharam com 19 famílias de mamíferos terrestres (metade delas já extintas). Foi observado que as famílias possuíam ecologias similares e que a família dos cavalos apresenta diminuição da diversidade atualmente.

Segundo Quental, a pergunta feita foi se a longevidade de uma família é apenas a consequência de um “gambler's ruin”, ou seja, se se deve a flutuações aleatórias em taxas intrinsecamente constantes de surgimento e extinção de espécies. A conclusão foi de que isso não acontece, que na verdade há um componente determinístico no processo, relacionado com o fracasso em manter o ritmo de diversificação diante da deterioração ambiental. Além disso, uma falha em originar novas espécies parece ser tão importante quanto as mudanças na taxa de extinção para induzir o declínio da diversidade durante períodos sem anormalidades ambientais.

Substituição de famílias

O segundo estudo apresentado por Quental tratou dos mecanismos de substituição sequencial das diferentes subfamílias de cães na América do Norte. O trabalho foi feito em parceria com Daniele Silvestro e Alexandre Antonelli, ambos da Universidade de Gottenburgo, Alemanha, e com Nicolas Salamin, da Université de Lausanne, Suíça.

A família de cães (Canidae) dividiu-se em três subfamílias principais logo depois de seu surgimento há 40 milhões de anos. As três subfamílias conviveram por um longo tempo. Duas delas (Hesperocyoninae e Borophaginae) se extinguiram, mas a Caninae, com 36 espécies, prossegue forte, incluindo todos os cães existentes atualmente, inclusive raposas e lobos.

O estudo constatou que as duas subfamílias que se extinguiram foram levadas a isso por falharem no processo de especiação e por um aumento na taxa de extinção. Outra constatação foi que a competição entre subfamílias é uma força evolucionária importante e isso pode afetar, separadamente, as taxas de especiação e extinção.

Foto: Leonor Calazans/IEA-USP