Você está aqui: Página Inicial / PESQUISA / Projetos Institucionais / USP Cidades Globais / Ensaios / Cidades Resilientes e Gestão de Riscos de Desastres

Cidades Resilientes e Gestão de Riscos de Desastres

por Mauro Bellesa - publicado 09/01/2024 10:45 - última modificação 16/01/2024 12:51

Por Fabiana Lourenço e Silva Ferreira, Silvia Midori Saito, Daniela Ferreira Ribeiro e Brenda Chaves Coelho Leite

Fabiana Lourenço e Silva Ferreira1, Silvia Midori Saito2,
Daniela Ferreira Ribeiro3 e Brenda Chaves Coelho Leite4

A resiliência a desastres em áreas urbanas está associada à capacidade das cidades resistirem a choques ou impactos negativos resultantes da ocorrência de eventos extremos e à sua capacidade de se recuperar o mais rápido possível (ABNT, 2021c). A política urbana pode servir como um acelerador no processo de transição para sistemas urbanos mais eficientes e resilientes às mudanças climáticas, visto que as cidades são polo de desenvolvimento tecnológico e disseminação de novas ideias e tecnologias (BAZAZ et al., 2018). Para isso é necessário inovar na gestão urbana, conectando as informações necessárias para atender às demandas dos três acordos firmados pela Organização das Nações Unidas em 2015: o Acordo de Paris (UN, 2015a), os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 (UN, 2015b) e o Marco de Sendai (UNDISR, 2015).

O Acordo de Paris, firmado na 21° Conferência das Nações Unidas (COP 21) preconiza a redução das emissões de gases de efeito estufa de modo a combater as mudanças climáticas e restringir o aumento das temperaturas globais em 1,5℃ acima dos níveis pré-industriais, até 2050 (UN, 2015a). A mudança do clima induz ao aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos, que   ampliam a desigualdade social, afetam a economia e a qualidade de vida da população impactada, que tem sua saúde mental e física prejudicada.  Fatores como desigualdade social e econômica, gênero, faixa etária e etnia, tendem a exacerbar a vulnerabilidade dos sistemas sociais e ecológicos e o risco associado à ocorrência de eventos extremos (IPCC, 2023).

A Agenda 2030 tem o objetivo de promover benefícios para a humanidade e para o planeta por meio do desenvolvimento sustentável, equilibrando e integrando suas três dimensões: a econômica, a social e a ambiental, levando em conta as diferentes realidades nacionais e regionais, sem deixar ninguém para trás. Para isso, define 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que estão associados a 169 metas para sua implementação, bem como estabelece indicadores para medir e acompanhar sua evolução (UN, 2015b).

A necessidade de se prever sistemas e mecanismos que possam tornar as cidades mais resilientes, seguras e sustentáveis é destacada no ODS 1, que contempla acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares, bem como implementar medidas e sistemas de proteção para construir a resiliência dos pobres e vulneráveis; além disso, reduzir o número de mortes, pessoas desaparecidas ou afetadas por desastres e perdas econômicas; no ODS 11, que trata sobre comunidades e cidades sustentáveis, e a busca por assentamentos humanos mais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis e no ODS 13, que versa sobre  tomar medidas urgentes para combater as mudanças climáticas e seus impactos (UN, 2015b).

O Marco de Sendai, por sua vez tem como objetivos reduzir o número de mortes e perdas sociais, econômicas e ambientais ocasionadas por desastres e estabelece quatro diretrizes voltadas para a redução dos riscos a desastres, que levem em conta circunstâncias e leis nacionais em paralelo aos compromissos e obrigações internacionais: (1) compreender o risco de desastres, (2) fortalecer a governança e o gerenciamento de riscos de  desastres, (3) investir na redução de riscos de desastres para a resiliência e (4) preparar uma resposta eficaz para a reparação e reconstrução (UNDISR, 2015).

Entre 2010-2020, o total de mortes no mundo, dado em decorrência de enchentes, secas e tempestades, aumentou 15 vezes em regiões altamente vulneráveis, em comparação às áreas com baixa vulnerabilidade (IPCC, 2023).

A população vulnerável é aquela composta por pessoas com capacidade limitada para antecipar, lidar, resistir e se recuperar de efeitos de desastres. Nesse grupo enquadram-se pessoas com limitações físicas ou mentais, mulheres grávidas, pessoas doentes ou debilitadas, sem-teto, em moradia precária, comunidades transitórias, indígenas, idosos e crianças (ABNT, 2021c).

O crescimento desordenado das cidades e o planejamento ineficiente para expansão da infraestrutura urbana criam novas áreas de risco e potencializam a ocorrência de riscos compostos e em cascata, pois afetam diversos sistemas de infraestrutura urbana que estão interconectados, como os sistemas de energia, de transporte, drenagem urbana e abastecimento de água (IPCC, 2023).

A produção de indicadores voltados para monitorar o desenvolvimento sustentável em comunidades urbanas pode auxiliar no gerenciamento do risco de desastres, bem como na integração das políticas setoriais associadas. No âmbito das cidades e comunidades sustentáveis existem três normas internacionais que definem 276 indicadores voltados para medir a gestão de desempenho e serviços urbanos, a qualidade de vida ao longo do tempo, aprender umas com as outras e apoiar a definição de políticas e estabelecer prioridades: ABNT NBR ISO 37120:2021 – Indicadores para serviços urbanos e de qualidade de vida (ABNT, 2021a), ABNT NBR ISO 37122:2021 – Indicadores para cidades inteligentes (ABNT, 2021b) e ABNT NBR ISO 37123:2021 – Indicadores para cidades resilientes (ABNT, 2021c).

Deste conjunto de normas a ABNT NBR ISO 37123:2021 – Indicadores para cidades resilientes, define 64 indicadores criados para rastrear e monitorar o progresso para construção de cidades resilientes, podendo dar suporte para o gerenciamento de riscos, gerenciamento de desastres, o monitoramento de metas dos ODS e do Marco de Sendai para a redução do risco a desastres.

O fato é que para muitos municípios, os dados para produção de indicadores de resiliência urbana, descritos na ABNT NBR ISO 37.123:2021, não estão disponíveis em formato, quantidade ou escala adequada para a produção de indicadores de alta complexidade.

Na região metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (RMVale-LN), ilustrada pela Figura 1, por exemplo, dos 39 municípios que a compõe, somente 11 possuem estações meteorológicas com dados em escala espacial e temporal adequados para produção e monitoramento de indicadores de meio ambiente e mudanças climáticas, que necessitam de dados meteorológicos como temperatura do ar (Tar em ℃), umidade relativa do ar (UR em %) e velocidade do vento (v em m/s).

Figura 1: Localização de estações meteorológicas na RMVale-LN

Figura de ensaio do Centro de Síntese USP Cidades Globais

A gestão de risco de desastres é um tema que tangencia diferentes políticas nacionais, a saber: Política Nacional de Proteção e Defesa Civil; Política Urbana; Desenvolvimento Regional; Política Nacional de Saúde; Política Ambiental; Política Nacional de Mudanças do Clima; Política Nacional de Recursos Hídricos; Política Nacional de Saneamento Básico; Política Nacional de Resíduos Sólidos; Política Nacional de Educação; Política Nacional de Segurança de Barragens e Política de Habitação de Interesse Social.

Para o alcance efetivo em redução de danos humanos, ambientais e econômicos, a integração entre tais políticas tenderia a ser o caminho mais lógico. Contudo, deparamo-nos ainda com a falta de consistência entre os marcos legais, em seus respectivos planos setoriais.

Conclui-se que um primeiro passo para se reduzir e incorporar o risco de desastres na gestão pública parte de mudança conceitual. Ao considerar que os desastres não são meramente processos naturais, mas que decorrem do modelo de desenvolvimento escolhido, será possível introduzir ações que de fato poderão reduzir os danos humanos, materiais e ambientais. Isso se exprime não somente no contexto local, ou seja, da população afetada diretamente pelo desastre, mas em escala regional e

nacional. E se traduz, a longo prazo também, quando recursos podem ser investidos em outras áreas e não em reconstrução e recuperação dos sistemas.

Neste sentido ressalta-se que alcançar a resiliência nas cidades e reduzir os riscos e perdas associados a desastres requer uma visão sistêmica, por meio de uma abordagem integrada de planejamento e governança, que considere a interdependência e impactos de políticas públicas em diferentes setores. A coleta de dados e a sistematização das informações é fundamental para a consolidação da gestão integral do risco de desastres, que deve ser elaborada a partir da compatibilização dos diversos planos setoriais municipais e pelo monitoramento dos indicadores de resiliência.

REFERÊNCIAS

ABNT. ABNT NBR ISO 37.120: Cidades e Comunidades Sustentáveis - Indicadores para Serviços Urbanos e Qualidade de vida. Brasil, 2021a.

ABNT. ABNT NBR ISO 37122: Indicadores para Cidades Inteligentes. Associação Brasileira de Normas Técnicas Brasil, 2021b.

ABNT. ABNT NBR ISO 37123: Cidades e comunidades sustentáveis - Indicadores para cidades resilientes. Brasil, 21 jan. 2021c.

BAZAZ, A. et al. Summary for Urban Policymakers – What the IPCC Special Report on 1.5C Means for Cities. [s.l: s.n.].

IPCC. Summary for policymakers. In: CLIMATE CHANGE 2023: Synthesis Report. Geneva: [s.n.].

UN. Paris agreement. Paris: [s.n.]. Disponível em: <https://unfccc.int/files/essential_background/convention/application/pdf/english_paris_agreement.pdf>.

UN. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. New York: [s.n.]. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N15/291/89/PDF/N1529189.pdf?OpenElement>.

UNDISR. Marco de Sendai para a Redução do Risco de Desastres 2015-2030 Sendai. Sendai Japan: [s.n.]. Disponível em: <https://www.unisdr.org/files/43291_63575sendaiframeworkportunofficialf%5B1%5D.pdf>.

ODS RELACIONADOS AO TEMA DO ENSAIO

  1. Erradicação da Pobreza
  2. Cidades e Comunidades Sustentáveis
  3. Ação contra a Mudança Global do Clima

 


[1] Pós doutoranda do Centro de Síntese USP Cidades Globaisdo IEA/USP e pesquisadora no Centro de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (CEMADEN)

[2] Pesquisadora no Centro de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (CEMADEN)

[3] Pesquisadora no Centro de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (CEMADEN)

[4] Professora Doutora do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI USP)