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Inundações nas Cidades: Como a Ciência e a Tecnologia Aliadas ao Planejamento Urbano Podem Ajudar a Equacionar Este Desafio?

por Mauro Bellesa - publicado 11/12/2023 11:37 - última modificação 11/12/2023 11:37

Por Filipe Antonio Marques Falcetta e Amarilis Lucia Casteli Figueiredo Gallardo

Por Filipe Antonio Marques Falcetta1 (Gpes 6 - CS USPCG) e
Amarilis Lucia Casteli Figueiredo Gallardo2

ODS 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis)
ODS 13 (Ação Contra a Mudança Global do Clima)

O clima pode ser interpretado como um padrão de longo prazo das condições meteorológicas em uma região específica. Este padrão sofre influência de diversos fatores, entre os quais a insolação, a maritimidade, a movimentação do ar na atmosfera, o balanço hídrico proporcionado pelo ciclo da água, as características do terreno e, inclusive, as ações humanas.

Sendo assim, na natureza, diversos fenômenos sazonais recorrentes não só definem as condições climáticas locais, como também permitem a manutenção dos ecossistemas e a preservação de espécies de animais que deles dependem para sua reprodução, alimentação etc. Dentre estes fenômenos, estão as enchentes e inundações, processos associados à dinâmica de escoamento das águas superficiais.

As enchentes, também chamadas de cheias, ocorrem quando as águas da chuva alcançam os rios e provocam um aumento da vazão por um certo período, elevando o nível das águas, ainda dentro do leito principal do curso d’água. Por vezes, as vazões atingem determinada magnitude a qual supera a capacidade de descarga da calha do curso d’água e provoca o extravasamento desta para áreas marginais habitualmente não ocupadas pelas águas – denominadas áreas de várzea - caracterizando o processo de inundação.

O surgimento de núcleos de povoação ao longo dos leitos dos rios levou a modificações significativas nos territórios naturais a ponto de provocar aumento significativo na magnitude dos impactos proporcionados pelas inundações, uma vez que o tecido urbano proporciona impermeabilização do solo, aumentando a capacidade de produção de escoamento superficial, o qual passa a ocorrer de forma mais intensa e concentrada, mesmo em eventos pluviométricos de baixa magnitude e de maior frequência de ocorrência.

Adicionalmente, a concepção histórica dos sistemas de drenagem considerou como premissa o afastamento das águas e a aceleração do escoamento, aumentando a magnitude das vazões e volumes escoados, o que acabou por tornar o problema das cheias urbanas praticamente insolúvel, em que o espaço das águas foi aos poucos tornando-se o espaço das cidades e das edificações.

Quaisquer propostas que visem à mitigação do desafio da drenagem urbana precisam considerar, mandatoriamente, a previsão de espaços que recebam as águas que estarão sazonalmente presentes, o que configura essencialmente uma mudança de paradigma, socializando responsabilidades públicas e privadas, atacando o problema de forma conjunta.

Considerando o cenário imposto pela urgência climática, no qual há claro direcionamento para a prevalência de cenários extremos de precipitação, com a concentração cada vez mais significativa dos acumulados de chuva em poucos eventos de maior intensidade e altura pluviométrica cada vez mais significativa, esta se torna uma ação urgente a ser tomada, essencial para a manutenção da resiliência de nossas cidades.

É premente a adoção de uma diretriz de planejamento urbano que adote as microbacias hidrográficas como unidade territorial básica para os estudos relacionados ao disciplinamento do uso e ocupação do solo, da otimização do uso dos recursos hídricos e das políticas de saneamento ambiental.

Esta é uma ação considerada estratégica para garantir o aprimoramento dos instrumentos urbanísticos. Partindo-se desta premissa, devem ser elaborados estudos que permitam delimitar as áreas mais afetadas pelas inundações e na construção de cenários futuros, considerando as tendências climáticas e o avanço contínuo da urbanização e impermeabilização do solo.

Estes estudos precisam contar com o apoio da ciência e da tecnologia e adotar técnicas inovadoras de gestão do território, de modo que os produtos dele resultantes possam ser considerados como o conjunto das tecnologias necessárias ao balizamento e à gestão dos territórios urbanos localizados nas áreas de influência direta dos cursos d’água. Minimamente, estes estudos devem possibilitar:

- Delimitar a planície de inundação: a planície de inundação é a porção do meio físico mais sujeita ao fenômeno das inundações, o qual pode vir a expor a população a situações de perda e impacto humano, material, econômico e ambiental. O equilíbrio ambiental e a preservação dos rios dependem da manutenção das condições naturais desta porção do território.

- Determinar a suscetibilidade do meio físico a inundações: consiste na primeira aproximação das áreas que estarão sujeitas a inundações, indicando a predisposição natural do meio físico de sofrer tal fenômeno. Trata-se de levantamento qualitativo, onde não é possível precisar a probabilidade de ocorrência de inundações.

- Mapear as áreas inundáveis: consiste na combinação de resultados provenientes de modelagens ambientais que levam em conta o comportamento das águas em ambiente urbano, considerando cenários climáticos e de ocupação do solo.

O mapeamento das áreas inundáveis permite avaliar os impactos ocasionados pelas modificações do meio físico induzidas pelo processo de urbanização, com retificação, canalização e/ou tamponamento de cursos d’água, realização de cortes e aterros nas planícies de inundação e implantação de assentamentos contínuos ou de grandes equipamentos urbanos que modifiquem o curso natural das águas.

De modo análogo, as modelagens realizadas no mapeamento das áreas inundáveis permitem avaliar o desempenho dos dispositivos instalados com o objetivo de mitigar os efeitos da urbanização, os quais, na grande maioria, visam reduzir as vazões máximas, por meio da utilização de técnicas que favorecem a infiltração e a detenção/retenção das águas pluviais.

- Integrar a cartografia de áreas inundáveis às diretrizes de uso e ocupação do solo: consiste na definição de índices urbanísticos e da necessidade da manutenção ou ampliação de áreas permeáveis, ou de outras formas de captação da água pluvial, sobretudo na porção urbanizada dos municípios.

Estes estudos são complementares e sua elaboração conjunta permite direcionar as políticas ambientais municipais de modo a garantir a preservação ambiental dos cursos d’água urbanos, a

manutenção dos serviços ecossistêmicos e a qualidade de vida da população mais afetada pela interação área urbana/cursos d’água.

Em sua concepção, deve ser considerada, sempre que possível, a utilização de construção participativa, valorizando a realização de oficinas e de dinâmicas que fomentem a participação da sociedade, de técnicos de carreira nas Prefeituras e de agentes do poder público para a sensibilização da necessidade de adoção de técnicas de drenagem sustentáveis, de políticas de educação ambiental, permitindo a concepção de planos diretores fomentadores da preservação e restauração das bacias hidrográficas urbanas.

Conclui-se a urgência, em um cenário de mudanças climáticas em curso, da elaboração de diagnósticos que possibilitem identificar as relações de causa e efeito existentes entre a impermeabilização do solo pela urbanização e o agravamento das inundações urbanas. Esse diagnóstico possibilita subsidiar políticas públicas para promover ações efetivas para conviver e amenizar o impacto das cheias sem que haja prejuízo para a cidade e seus residentes.

Dessa forma, é viável estreitar a relação existente entre drenagem urbana e a legislação urbanística municipal, possibilitando vislumbrar um modelo de cidade mais justa, ambientalmente sustentável e resiliente aos desafios da agenda climática associada ao crescimento populacional urbano.

Para saber mais consulte a publicação abaixo, onde as tecnologias listadas no ensaio são apresentadas detalhadamente.

Capa de "Delimitação de Planícies de Inundação e de Áreas Inundáveis QR Code

 

[1] Engenheiro civil, doutor, pesquisador do IPT e pós-doutorando do Centro de Síntese USP Cidades Globais do IEA-USP, em políticas públicas voltadas aos sistemas de drenagem urbana.

[2] Professora Associada do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e do Programa de Mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Universidade Nove de Julho (Uninove). Supervisora de pós-doutorado no Centro de Síntese USP Cidades Globais do IEA-USP.