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Participação Social e Governança Adaptativa em busca da Segurança Hídrica

por Mauro Bellesa - publicado 11/12/2023 08:00 - última modificação 11/12/2023 11:41

Por Estela Macedo Alves, José Irivaldo A. O. Silva e Pedro Roberto Jacobi

Por Estela Macedo Alves, José Irivaldo A. O. Silva e Pedro Roberto Jacobi

A segurança hídrica em áreas urbanas remete à disponibilidade da água em quantidade, no entanto, está fortemente relacionada com a governança da água, com as políticas públicas implementadas e com a participação social. Em especial em áreas urbanas com infraestrutura precária, os fatores sociopoliticos são fundamentais para o acesso justo à água potável.

O acesso à água é um direito humano, que deve ser colocado em prática por meio da governança justa e participativa deste recurso e não pelos modelos de mercado, que reduzem a participação social, além de excluirem aqueles que não podem pagar. Desta forma, a segurança hídrica seria possível a partir da transformação nas relações entre os cidadãos e os responsáveis pelo acesso à água, ao serem promovidos o empoderamento da população e a igualdade social.

As cidades contemporâneas priorizam o atendimento às exigências do sistema capitalista, em que a produção e o consumo devem ser garantidos, em detrimento da busca pelos direitos humanos fundamentais, entre eles o acesso à moradia e à água. As exigências dos setores econômicos com maior poder de influência têm mais espaço que as demandadas sociais, demonstrando o caráter limitado da urbanização capitalista. As desigualdades sociais são também geradas pelos desequilíbrios na oferta dos produtos de consumo coletivo, entre eles infraestruturas de água e de esgoto, características de um planejamento urbano e de políticas públicas que têm como objetivo beneficiar as classes dominantes.

Observa-se a ineficiência do estado no atendimento às condições urbanas gerais, uma vez que ele serve antes ao poder econômico, dentro de uma lógica de predominância dos valores de lucro, gerando incoerências nos usos urbanos. Nessas situações, o Estado pode ser visto como representante das classes dominantes, dificultando a produção do espaço urbano conforme as necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade.

O papel de contraditório e de enfrentamento dessa situação ficou a cargo dos movimentos sociais que, segundo Castells (1983), formam a frente realmente capaz de estabelecer mudanças e inovações nas cidades capitalistas. A mobilização é vista como o único meio politicamente importante de viabilizar mudanças e conquistas sobre as formas de produção e distribuição de consumo coletivo, como alternativa às propostas das elites economicas. As lutas urbanas podem ser vistas como reações aos mecanismos estruturais e as políticas urbanas deveriam ser estudadas a partir dos movimentos sociais configurados como ação coletiva, contra a dominação e contra a precariedade dos serviços oferecidos pelo Estado (Castells, 1983). A atuação do Estado nas questões urbanas ocorre dentro dos interesses políticos das classes dominantes, cuja influência no processo de política pública tem grande relevância. Como contraponto a este dilema, a participação e a mobilização da sociedade civil na governança são fundamentais (Alves, 2018), inclusive no que diz respeito à governança da água, de forma a perseguir a justiça e a segurança hídrica.

Como formas inovadoras de planejar o território com vistas à segurança hídrica, Saikia et al. (2022) afirmam que o modelo de resiliência hídrica é um paradigma cada vez mais estabelecido de planejamento territorial que orienta as respostas a choques e estresses relacionados à água, como enchentes e secas. Dessa forma, é preciso pontuar que a construção de modelos resilientes, de modo geral, aumenta a capacidade de responder, lidar e se adaptar não apenas aos riscos climáticos, mas também aos problemas causados por distúrbios socioeconômicos de longo prazo e má gestão.

A evolução para a governança da água integrada e adaptativa deve compreender que uma crise hídrica é, primordialmente, uma crise de governança que não será resolvida por meio da despolitização e dos processos de engenharia e gestão tecnocrática, uma vez que esta é profundamente política em sua essência, desde a escala global até a local (Gupta; Pahl-Wostl; Zondervan, 2013). Aborda-se, portanto, a necessidade de repensar a governança da água dentro de uma perspectiva que implica em enfatizar a necessidade de se promover práticas sustentáveis de água para fortalecer a ação integrada de políticas públicas de bacias hidrográficas urbanas e periurbanas.

É necessário promover a transparência na comunicação com a população; incluir a mudança climática como uma variável relevante para o planejamento e combinar arranjos bottom-up e top-down na governança, assim como a articulação entre instituições formais e informais, no sentido de promover um processo reflexivo de aprendizagem social para desenvolver, avaliar e adaptar abordagens de governança com o objetivo de enfrentar desafios sociais complexos.

Dentro do contexto de ampliar a participação e promover sistemas de governança policêntricos, cabe incluir a combinação de diferentes saberes, práticas de gestão adaptativas por meio de ciclos de aprendizagem e de sistemas de governança multinível, que terão que responder cada vez mais às incertezas e mudanças inesperadas. A interação entre os níveis organizacionais pode fomentar o aprendizado e aumentar a diversidade de opções de resposta, permitindo que o sistema tenha maior flexibilidade e capacidade de responder aos desafios das mudanças climáticas.

Nesse campo, a aprendizagem social é uma abordagem relevante, como apontam diversos autores, para lidar com problemas complexos em contextos inter e transdisciplinares, apoiando as interações de vários atores na formulação de problemas e na construção de soluções. Elementos como confiança, identidade e pertencimento podem moldar os espaços de aprendizagem, alavancando processos de cooperação tão importantes para a gestão de bacias hidrográficas.

O envolvimento ativo das partes interessadas é essencial e elas precisam estar bem informadas e aprender novas habilidades a fim de maximizar os benefícios de sua participação (Jacobi et al., 2012). Há várias ferramentas de participação que propõem essencialmente estruturas de interação e construção de diálogo, atuando sobre situações e questões específicas dentro de uma estrutura geral de dinâmica coletiva ao longo de todo o processo.

Referências

Gupta, J.; Pahl-Wostl, C.; Zondervan, R. “Glocal” water governance: A multi-level challenge in the Anthropocene. Current Opinion in Environmental Sustainability, Oxford, v. 5, n. 6, p. 573-580, 2013.

Jacobi, P.R. Governança ambiental, participação social e educação para a sustentabilidade. In: Philippi, A. et al. (orgs.) Gestão da Natureza Pública e Sustentabilidade. São Paulo: Manole, 2012.

Saikia, P.; Beane, G.; Garriga, R.G.; Avello, P.; Ellis, L.; Fischer, S.; Leten, J.; Ruiz-Apilanez, I.; Shouler, M.; Ward, R.; Jimenez, A. City Water Resilience Framework: A governance based planning tool to enhance urban water resilience. Sustainable Cities and Society, Volume 77, 2022, 103497, https://doi.org/10.1016/j.scs.2021.103497.

O presente ensaio está relacionado ao projeto da pesquisa da autora Estela Macedo Alves, “ Água e esgoto na Macrometrópole Paulista: conexões das políticas públicas de saneamento nos municípios da região”, sob supervisão do Pedro Roberto Jacobi (Professor Titular Senior do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo - PROCAM/IEE/USP). Este ensaio teve coautoria de José Irivaldo A. O. Silva (Professor Associado da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG) , conferencista no USP Cidades Globais convidado pela pesquisadora. O ensaio tem foco na Agenda para o Desenvolvimento Sustentável de 2030, seguindo a Carta das Nações Unidas, abrangendo os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com foco nos objetivos: 6º. Água potável e saneamento; 10º. Redução de desigualdades; 11.º Cidades e comunidades sustentáveis, visando a sustentabilidade em espaços públicos urbanos; 13º. Ação contra a mudança global do clima e 16º. Paz, justiça e instituições eficazes