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As relações dos intelectuais mexicanos com o governo no século 20

por Mauro Bellesa - publicado 20/07/2015 15:40 - última modificação 10/09/2015 13:43

O sociólogo Francisco Zapata, do Colegio de México, fez conferência no dia 11 de junho sobre "As Ciências Sociais e o Desenvolvimento Nacional do México".
Bernardo Sorj, Lia Zanotta Machado e Francisco Zapata
Francisco Zapata (à dir.), Lia Zanotta Machado e Bernardo Sorj durante o evento sobre o papel dos cientistas sociais no desenvolvimento mexicano

Antropólogos, sociólogos e economistas tiveram um papel ativo no desenvolvimento mexicano, a partir da revolução de 1910, ao contrário do ocorrido em outros países latino-americanos com composição social similar à mexicana, como Equador, Peru e Bolívia, segundo o sociólogo Francisco Zapata, do Colegio de México. Ele fez essa afirmação na conferência As Ciências Sociais e o Desenvolvimento Nacional no México, que proferiu no dia 11 de junho, no IEA.

O evento teve como debatedor o sociólogo Bernardo Sorj, professor visitante do IEA. A moderação coube à antropóloga Lia Zanotta Machado, da Universidade de Brasília (UnB).

Identidade nacional

De 1910 a 1915, ocorreu a primeira aproximação entre cientistas sociais e o governo, com os antropólogos fazendo com que os generais constatassem a importância da cultura pré-colombiana para a construção de uma identidade nacional, de acordo com Zapata. Depois, entre 1920 e 1935 e em 1939, os antropólogos participaram de forma institucional.

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“Os cientistas sociais mexicanos se preocupavam com muitos aspectos, como a questão indígena, as relações exteriores, as prioridades do desenvolvimento econômico e a regulação das relações de trabalho”, disse o sociólogo.

Esse foi o diferencial do México em relações a países latino-americanos com composição social parecida, caso de Bolívia, Peru e Equador, “onde os dirigentes não tinham interesse em dialogar com os intelectuais e cientistas sociais”.

Etapas

O contexto que definiu o ponto de partida do trabalho dos cientistas sociais mexicanos no século 20 foi caracterizado por quatro parâmetros, segundo Zapata: 1) mestiçagem resultante do longo período colonial; 2) tamanho e heterogeneidade do país; 3) subculturas regionais caracterizadas por diferentes tradições culturais e mesmo línguas indígenas diversas; 4) penetração precoce do liberalismo.

Para Zapata, a história do relacionamento dos cientistas sociais com o governo pode ser periodizada em três etapas. A primeira, entre 1915 e 1919, ele chama de pré-institucional, na qual se dava uma relação direta, quase pessoal, entre os intelectuais e os generais da revolução.

Zapata citou dois casos representativos desse período: o relacionamento do antropólogo Manuel Gamio com o presidente Venustiano Carranza, que governou de 1915 a 1919, e o do jurista José Vasconcellos com o general Álvaro Obregón, que presidiu o país de 1920 a 1924.

Em 1915, Gamio propôs a Carranza a investigação das ruínas de Teotihuacán (há 50 quilômetros da Cidade do México). “Carranza, que era um general da velha guarda do Exército Federal, teve a perspicácia de perceber que o que Gamio oferecia tinha implicações para o desenvolvimento do projeto da revolução.”  Vasconcelos, por sua vez, “teve o papel fundamental de criador do sistema educacional do país a pedido de Obregón, do qual foi ministro da Educação”.

Instituições

Zapata chama a segunda etapa de institucional e a situa do fim dos anos 20 até meados dos anos 40. “Nela, começaram a ser criadas e ampliadas as instituições onde os cientistas sociais passariam a trabalhar; é fundado o Instituto Nacional de Antropología e Historia e é ampliada Universidad Nacional de México, transformada em 1929 na Universidad Nacional Autónoma de México (Unam).”

Outros exemplos são a criação da editora Fondo de Cultura Econômica, do Instituo Politécnico Nacional, “para a formação de pessoal para o setor produtivo”, e da Casa de España en México (gérmen da criação do Colegio de México em 1940) “para abrigar intelectuais republicanos exilados em função da Guerra Civil Espanhola”.

A terceira etapa, entre 1946 e 1968, Zapata define como período pós-institucional, “onde tudo que ocorrera antes foi multiplicado”. Nesse época surgiram o Instituto Nacional Indigenista, a Faculdad de Ciencias Políticas y Sociales da Unam, a Escola Nacional de Antropología e Historia e a Escola Nacional de Economía.

Rompimento

Ele disse que o fim dessa terceira etapa tem uma data precisa: 2 de outubro de 1968, quando acontece uma ruptura entre os cientistas sociais e o estado por causa do massacre de estudantes na Plaza de las Tres Culturas na Cidade do México.

Segundo Zapata, depois de 68, continuou existindo uma relação entre o estado e os cientistas sociais, mas num viés instrumental: "Nem o estado se interessa muito com o que fazem os intelectuais e nem eles se interessam muito com o que faz o estado".

Bernardo Sorj, debatedor do evento, apresentou uma série de objeções às considerações feitas por Zapata. Para Sorj, a participação dos cientistas sociais no desenvolvimento do país não é uma excepcionalidade mexicana: “No Brasil, as ciências sociais também estiveram ligadas aos projetos de desenvolvimento nacional”.

Sorj disse que o papel dos intelectuais mexicanos não foi de construção da nação, mas de construção de um imaginário nacional. Ele também questionou a valorização do período tratado por Zapata e a análise pouco crítica das relações da intelectualidade com o poder.

Originalidade

Para Lia Zanatta, moderadora do encontro, houve no México uma forma de originalidade em comparação com a Bolívia e o Brasil: “A constituição da ideia de mestiçagem foi menos importante para o México do que entender a ideia de mestiçagem como mexicanidade”. Ao comentar as objeções de Sorj, Lia disse que “as formas do imaginário da nação e do estado têm efeitos não só no imaginário como na constituição política e nas relações políticas e sociais".

Em resposta a Sorj, Zapata disse não vê o caso mexicano como propriamente uma excepcionalidade, mas como exemplo de algo particular no contexto latino-americano. “Contrastado com países mais parecidos com ele, como Equador, Bolívia e Peru, o México não é excepcional, mas muito diferente.”

Quanto à sua visão do México no século 20, Zapata disse que não idealiza o período, mas sim procura identificar uma funcionalidade. “Minha preocupação principal é com o período entre 1915 e 1950, quando se expandiu o projeto da revolução; de 1950 para cá se pode entrar numa discussão mais fina sobre qual é a diferença entre os projetos de industrialização mexicano, brasileiro e argentino, por exemplo, e aí estamos de acordo de que não há muitas diferenças”, comentou.

Papel dos intelectuais

As perguntas do público a Zapata giraram em torno do papel atual dos intelectuais, sua formação e suas relações com o poder.

Zapata disse que a atitude do governo Lula com os intelectuais foi parecida com o que aconteceu no México: “Foi como se dissesse a eles: ‘não me interessa o que vocês dizem, escrevam tudo o que quiserem nos jornais, nas revistas, critiquem tudo que quiserem’. É uma atitude do tipo ‘tenho que suportá-los’. Diferente dos anos 20, 30 ou 40, o estado ou não precisa dos intelectuais ou tem outras prioridades”.

Na opinião de Zapata, os intelectuais devem esquecer o estado e se relacionar com os movimentos sociais, a exemplo “das fortes relações dos pesquisadores brasileiros com os movimentos sindicais ou dos pesquisadores mexicanos com os movimentos étnicos”.

Foto: Leonor Calazans/IEA-USP