Grupo utiliza análise histórica de narrativas para investigar condição humana
Com a análise de narrativas literárias, filosóficas, teológicas e de outras naturezas, a partir de diferentes perspectivas, o Grupo de Pesquisa Investigações sobre a Pluralidade e Ambiguidades Relativas à Condição Humana (Inpar) espera “contribuir para a superação do dogmatismo e da polarização que têm suplantado o diálogo e o debate em todas as esferas da sociedade”, afirmam seus integrantes.
Para eles, o universo das redes sociais tende a replicar e multiplicar argumentos já consolidados. “Este é o momento paradoxal em que as redes sociais assistem à perda de sua vocação primordial, o diálogo, e acabam replicando um modelo de isolamento de pessoas e ideias.”
O Inpar deu início à sua agenda de atividades públicas no dia 11 de junho com o seminário A Literatura como Espelho: Narrativas e Aproximações, primeiro de um ciclo sobre relações humanas e história. Os outros dois seminários também serão em junho: Deus e o Louco Cartográfico: Gravura Belga no Século 16, no dia 24, às 9h; e História e Método: sobre o Ofício do Historiador, no dia 26, às 14h.
Complexidade do indivíduo
A singularidade de cada indivíduo “não cabe em modelos dualistas que pretendem separar bons e maus, certos e errados, ortodoxos e heterodoxos”, de acordo com os pesquisadores, que pretendem mobilizar o debate a respeito da complexidade constituinte de cada indivíduo, “impossível de ser reduzida a termos absolutos”.
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Seminário A Narrativa como Espelho: Narrativas e Aproximações 11 de junho de 2019
Midiateca
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“Nossos impasses e hesitações nos mostram que nos conhecemos muito pouco, e que nossa complexidade resulta, também, da complexidade daquilo e daqueles que nos rodeiam.”
Ao explorar a produção narrativa sob um pressuposto de análise histórica, o grupo busca “maneiras de explorar cientificamente o corpus textual, estabelecendo novas metodologias de análise”.
Multiculturalismo
Os integrantes do grupo ressaltam que o processo de globalização/mundialização dos anos de 1990 “trouxe consigo, como gêmeo e oposto, o multiculturalismo”. O novo modelo econômico, associado ao aprimoramento e multiplicação dos meios de comunicação de massa, “desde logo promoveu a aproximação das culturas”, num processo caracterizado por um movimento de “homogeneização crescente das diferenças culturais identitárias”.
Eles destacam que as duas faces da mundialização – econômica e cultural – alimentaram uma ideia de humanidade projetada em “harmoniosa convivência monocultural, logo quebrada por nova explosão de diferenças”.
“O multiculturalismo se anunciou nas guerras religiosas, nos êxodos e diásporas que seguiram em sua esteira.” A situação se agravou a partir dos anos 90, afirmam os pesquisadores, em decorrências da queda dos regimes socialistas no leste europeu; que ocasionou “a explosão de lutas nacionalistas e o movimento de emigração como resultante das convulsões sociais e políticas”.
A chegada desses novos imigrantes gerou num desiquilíbrio nas políticas governamentais na Europa ocidental, que até então mantinham uma relação estável com a mão de obra imigrante, argumenta o grupo.
“O nacionalismo e o etnocentrismo passariam a ser as tônicas das sociedades europeias, a leste e a oeste. O resultado foi uma crise de identidade: as transformações resultantes do descerramento da Cortina de Ferro acarretaram a revisão da forma como os europeus viam a si mesmos, as sociedades e seus vizinhos.”
Neste início de século 21, os impactos das ideologias e políticas nacionalistas se fazem sentir em grupos e partidos, que conduzem o atual debate em torno da imigração e da identidade nacional, dizem os pesquisadores.
“Enfrentamos uma versão contemporânea de uma tensão milenar e recorrente: aquela entre igualdade e diversidade, semelhança e diferença, cosmopolitismo e cultura local."
Metodologia
A partir da concepção da narrativa como produtora de memória, o grupo pretende estabelecer uma análise de textos escolhidos a partir da filosofia da história. Nesse campo de estudo, de acordo com os coordenadores, história, memória e esquecimento “desempenham papéis tão equivalentes quanto relevantes”. Assim, a obra “literária” caracteriza-se como “fonte e testemunho para a investigação histórica a partir de bases filosóficas”.
O trabalho também tem como referência outra vertente metodológica da moderna historiografia, a qual vem “conquistando terreno nas análises de obras ‘literárias’”. Trata-se da história das ideias e de suas variações, tais como a história dos conceitos, a análise dos contextos linguísticos e a moderna história intelectual (em sua vertente americana).
Produção
As investigações do grupo serão divulgadas em publicações específicas e discutidas em simpósios anuais com convidados brasileiros e estrangeiros. Em paralelo a isso, serão produzidos vídeos direcionados a alunos do ensino médio, nos quais serão discutidos – “de forma crítica e não canônica” — temas e personagens de obras obrigatórias dos exames vestibulares, relacionando-os, quando pertinente, a obras da literatura universal.
Também será produzido um curso online para adultos a ser inserido na plataforma Coursera. Nele, o objetivo será “compreender a condição humana na tensão entre universalidade e pluralidade, com foco nas ambiguidades constitutivas das diferentes sociedades e culturas”.
Integrantes
O grupo é coordenado pela historiadora Ana Paula Tavares Magalhães, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). O vice-coordenador é o historiador Rafael Ruiz Gonzalez, professor da Unifesp. Os outros membros permanentes são: Hamilton Brandão Varela de Albuquerque, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC); Janice Theodoro da Silva, da FFLCH; Rebeca Leite Camarotto, pós-graduanda da FFLCJ; e Sara Albieri, da FFLCH.
O Inpar conta ainda com quatro pesquisadores colaboradores: Gerardo Rodrígues, da Universidade Nacional de Mar del Plata, Argentina; Marcus Vinícius de Abreu Baccega, da Universidade Federal do Maranhão; Terezinha Oliveira, da Universidade Estadual de Maringá; e José Alves, da Unicamp.
Inicialmente, o grupo está enfatizando a interlocução com pesquisadores das áreas de língua e literatura, antropologia, sociologia, filosofia e história. A intenção é ter futuramente a participação de pesquisadores das áreas de geografia, direito, medicina e psicologia.
Fotos (a partir do alto): Luc Legay/Flickr e Leonor Calsans/IEA-USP