Você está aqui: Página Inicial / NOTÍCIAS / Ricardo Ohtake: uma trajetória dedicada à arte e à política

Ricardo Ohtake: uma trajetória dedicada à arte e à política

por Mauro Bellesa - publicado 21/08/2017 13:50 - última modificação 23/08/2017 15:32

Encontro "Arte e Política: Um Retrospecto da Carreira de Ricardo Ohtake, realizado no dia 15 de agosto, no Centro Cultural São Paulo, abriu a programação da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência em 2017.
Encontro com Ricardo Ohtake - 15/8/2017
Ricardo Ohtake (centro) respondeu a perguntas de Miguel Chaia, Amir Labaki, Tata Amaral, Olívio Tavares de Araújo e Martin Grossmann

Militante político, gestor cultural nos setores público e privado, artista e designer gráfico. São vários os papéis assumidos ao longo da vida por Ricardo Ohtake, titular da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência.

Foi para que o próprio Ohtake falasse sobre aspectos centrais da sua trajetória que a cátedra realizou, no dia 15 de agosto, no Centro Cultural São Paulo (CCSP), o encontro inaugural da programação pública do segundo semestre de 2017. A atividade também deu início ao ciclo Cultura, Institucionalidade e Gestão.

No encontro Arte e Política: Um Retrospecto da Carreira de Ricardo Ohtake, cinco personalidades das áreas de pesquisa, produção artística, crítica e gestão cultural destacaram realizações de Ohtake e características do contexto cultural e político em que ocorreram. além de fazerem perguntas a ele sobre temas específicos.

Na abertura, o coordenador da cátedra, Martin Grossmann, ex-diretor do IEA, ressaltou a importância de encontro para a “construção da memória da gestão cultural em São Paulo”. Também registrou a relevância de a atividade realizar-se no CCSP, pois "Ohtake foi um dos responsáveis pela criação do centro".

O diretor do Itaú Cultural patrocinador da cátedra , Eduardo Saron, associou a relevância da carreira de Ohtake com um dos objetivos da cátedra: o debate sobre gestão cultural. Para Saron, possibilitar o acesso à arte e à cultura é muito importante, mas o gestor deve se dedicar primordialmente à democratização da arte, "para que os produtores possam realizar seus trabalhos e exibi-los e para que integrantes do público interessados em se tornar produtores possam fazê-lo".

Relacionado

ARTE E POLÍTICA: UM RETROSPECTO DA CARREIRA DE RICARDO OHTAKE

Notícia

Midiateca


 

POSSE DE RICARDO OHTAKE NA CÁTEDRA OLAVO SETUBAL

Notícia

Midiateca

Documento


 

Outras notícias


Leia mais notícias
sobre cultura

Coube ao sociólogo Miguel Chaia, da PUC-SP, coordenar o evento e apresentar Ohtake. Destacou a interesse pela política surgido em Ohtake na participação no grêmio estudantil no ensino médio e na posterior militância estudantil, quando se tornou aluno da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. “Essas experiências influíram no perfil do futuro homem público.”

De acordo com ele, Ohtake desenvolveu sua carreira com base nos valores de quatro grandes áreas: política, arte, cultura e urbanismo. “Política e arte constituem sua forma de vida. A política como a construção de um espaço público. Por isso há nele o cuidado com a arte e com a cidade.”

Chaia quis saber de Ohtake que momentos ele considerava iniciais na sua atuação na política e na arte. Para Ohtake, é difícil separar a política da cultura. “É preciso ter as duas coisas simultaneamente o tempo todo; assim a gente começa a entender o que está fazendo.” Ele confirmou seu interesse pela política quando colegial e depois como estudante universitário, quando se filiou ao Partido Comunista e passou a ter forte interesse em trabalhos culturais.

Depois de formado, passou a trabalhar como designer gráfico, atividade que desempenha até hoje. Disse que esse trabalho lhe permitiu uma visão abrangente sobre o que deve ser feito, alterado e/ou acrescentado em instituições culturais, “dada a necessidade de compreender todo o funcionamento da instituição, ter total clareza sobre ela”.

Quando criou seu escritório, Ohtake sentiu a importância de ter uma ação política, "mas a ditadura era muito forte; depois de alguns anos fui ser pesquisador de artes gráficas no Idart [Departamento de Informação e Documentação Artísticas da Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo, absorvido em 1982 pelo CCSP] e na fase final da ditadura tive que fazer o que era importante como atividade extracultural, mas dentro da cultura”.

Representante dos artistas no encontro, a cineasta Tata Amaral, destacou na fala inicial de Ohtake a afirmação de que o trabalho como designer gráfico permite ver o que falta numa instituição e associou isso ao período em que ele foi diretor do Museu da Imagem e do Som (MIS): “Ele não se rendeu às imposições do mercado e conseguiu identificar o que faltava ao museu. Assim surgiu o 1º Festival Internacional de Curta Metragem, em 1990. Isso gerou frutos importantes e o festival continua até hoje” [a 28ª edição acontece de 23 de agosto a 3 de setembro]. Ela pediu que Ohtake detalhasse como foi esse processo de criação do festival.

Segundo Ohtake, sua equipe no MIS começou a discutir as atividades a serem desenvolvidas e surgiu a dúvida sobre a que tipo de cinema o museu se dedicaria: “A produção anual de longas era muito pequena, tinha passado de 140 em 1970 para meia dúzia no final dos anos 80. Começamos a falar de curta-metragem e em pouco tempo o MIS começou a ser conhecido como o lugar do curta”.

“Todo mês lançávamos alguns curtas e aí começamos a pensar em fazer um festival. Foi um sucesso tão grande que na época da segunda edição a diretora do festival, Zita Carvalhosa, foi convidada a participar dos júris de festivais na Suíça e na Alemanha.”

Além de divulgar o trabalho de vários jovens cineastas brasileiros e estrangeiros, inclusive de Tata Amaral, o início do festival rendeu outros frutos: “O Amir Labaki [também presente no encontro] era crítico de cinema na ‘Folha de S.Paulo’ e veio falar comigo; dois anos depois apareceu com a ideia de criar o É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, que só é superado em termos de importância internacional pelo festival de Amsterdam.”

Em sua pergunta, o crítico de artes visuais Olívio Tavares de Araújo, deslocou a conversa com Ohtake para a relação entre arte e política. Quis saber como ele via o momento complexo da realidade brasileira, a polarização política atual e a questão do engajamento político da arte.

Ohtake afirmou que o momento atual é de balizamento da arte e da vida em geral pelo mercado. “O que devemos tentar fazer é sair fora disso.” Ele disse que a arte presente nas galerias e mesmo nas bienais é mais formalista, em função dos interesses do mercado.  A ação política diante disso “tem de ser movida pela busca de brechas”.

Amir Labaki, fundador e diretor geral do festival É Tudo Verdade historiou o contexto da criação do festival de curtas-metragens por Ohtake. Lembrou a crise da produção cinematográfica brasileira nos anos 80, acentuada pela extinção da Embrafilme pelo governo Collor no início de 1990.

Segundo ele, a produção de curtas tinha aumentado em função de um prêmio de estímulo criado nos anos 70. “Em 87 aconteceu uma mostra, anterior ao festival, chamada O Cinema Cultural Paulista. Em 89 o Ricardo assume o MIS e amplia o escopo do museu, que tinha formado um acervo de curtas ganhadores do prêmio de incentivo. E em 90 acontece o primeiro festival.”

Em razão da cobertura que fez da primeira edição do festival, foi convidado por Ohtake para uma conversa. “Depois fui durante um mês e meio a casa dele e gravei nossas conversas sobre gestão cultural.”

Labaki disse que o Brasil não tinha uma tradição de gestores culturais devido “às várias ditaduras e ao papel desempenhado por milionários, que formavam acervos e depois criavam fundações”.

Para ele, antes de Ohtake houve poucos gestores importantes. Citou como exemplos Mário de Andrade (atuando no governo federal e na Prefeitura de São Paulo durante o Estado Novo), Gustavo Capanema (ministro da Educação também no Estado Novo), Sábato Magaldi (primeiro secretário da Cultura da cidade de São Paulo, nos anos 70) e Fernando Morais (secretário da Cultura e depois de Educação do Estado de São Paulo de 1988 a 1993).

Em sua opinião, ao assumir a Secretaria de Cultura do Estado em 1993, Ohtake aprofundou o trabalho iniciado pela gestão de Morais, "época em que o MIS foi o equipamento mais importante da secretaria".

Labaki comentou que Ohtake foi o único gestor cultural a ter sido secretário estadual da Cultura e diretor da Cinemateca Brasileira, do MIS e do CCSP. Diante dessas várias experiências, perguntou como Ohtake vê as transformações na gestão cultural nos últimos 30 anos, que envolve o período em que o poder público resolveu apoiar a área e o novo quadro, no qual a cidade “cede a responsabilidade às leis de incentivo e aos institutos privados”. Quis saber também se o modelo híbrido (americano + europeu) atual veio para ficar?

Ricardo Ohtake
Para Ohtake, influência "empobrecedora" da TV "tirou o público que ia ver arte, assistir a programação teatral”

Para Ohtake, o peso do Estado foi forte até a década de 90, decaindo na razão direta do crescimento da influência ("empobrecedora") da TV, “que tirou o público que ia ver arte, assistir a programação teatral”.

A participação do Estado é fundamental, de acordo com o titular da cátedra, “pois faz as coisas de uma forma mais genérica, não escolhe o público”, ao passo que a “iniciativa privada vai atrás do mercado, procurando criar uma base para o próximo trabalho”.

Ele não vê na atualidade uma retomada da arte e da cultura como elementos de estímulo à reflexão das pessoas.  "Os artistas não ficaram piores, há vários muitos bons, mas a influência do dinheiro ficou mais forte”.

Grossmann, que também foi diretor do CCSP pediu a Ohtake que detalhasse o momento de criação do centro: “Como foi possível que na ditadura militar São Paulo iniciasse essa mudança de rumo, com a criação de equipamentos estruturais para a cultura, como o CCSP, o Museu Lasar Segall e o Sesc Pompeia?”

Isso foi possível graças ao aproveitamento pela sociedade das brechas existentes nas contradições daquele momento, na opinião de Ohtake. "O Sábato começou a fazer o CCSP como extensão da Biblioteca Mário de Andrade. O Mário Chamie depois mudou a concepção para que fosse um centro cultural. Ficou mais interessante para a cidade. Sábato era do 'establishment'. Chamie era executivo da Olivetti, mas um baita intelectual e muito amigo do Sábato. Chamie arranjou o dinheiro, pegou a Casa das Retortas para ser o Idart e depois fez o projeto do CCSP."

O que mudou do projeto original foi a criação da Sala Adoniran Barbosa no lugar onde estavam previstas atividades relacionadas com o conjunto de bibliotecas incorporadas pelo novo centro cultural, segundo Ohtake . "O Centro Pompidou, de Paris, com certeza foi uma das inspirações. Seu diretor inclusive veio visitar a obra do CCSP. Foi chamado porque era importante ter um apoio desse tipo para a mudança."

A relação com o arquiteto Oscar Niemeyer também foi um dos temas do depoimento de Ohtake, por solicitação de Labaki. Ele disse que depois de formado pela FAU um dia foi ao escritório de Niemeyer e viraram amigos. "Ele viu que eu sabia fazer projeto gráfico e começou a me pedir apresentações de seus trabalhos. Fiz vários cadernos, até que ele me disse que queria fazer um livro." Ohtake também produziu dois livros para o centenário do arquiteto: “Niemeyer - 100 anos 100 obras” e também "Folha Explica Oscar Niemeyer".

Ele também comentou seu orgulho por ter realizado dois trabalhos artísticos em homenagem aos mortos e desaparecidos durante a ditadura: “Muita gente foi enterrada numa vala comum em Perus. Fiz um cartaz e depois um monumento para ser colocado lá. E em 2014 fiz um monumento que está na avenida Pedro Álvares Cabral, no Ibirapuera.”

Na resposta à última pergunta que lhe foi feita, Ohtake revelou uma característica da sua personalidade que muito contribuiu para as várias realizações de sua carreira e a forma como aconteceram. Grossmann quis saber quais tinham sido os momentos fundamentais de sua produção em tantas áreas.

Percebe-se na resposta de Ohtake que o importante é fazer o melhor e o possível em cada momento, aproveitando as brechas de cada ocasião: “A gente tem sempre momentos marcantes na vida. Atualmente é ser o titular da Cátedra Olavo Setubal. Eu, que nunca foi professor, já virei um catedrático. Temos momentos importantes a vida inteira.”

Fotos:  Leonor Calasans/IEA-USP