Entre a criança e a política pública
Pontos-chave |
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Por Rodrigo Ratier e equipe
Com frequência as avaliações são propostas considerando apenas o ponto de vista daquele que a está aplicando. Durante sua palestra “Avaliação: As ideias de medida e valor e o significado dos indicadores” no segundo encontro do Ciclo Ação e Formação do Professor, Lino de Macedo apresentou provocações para inverter essa lógica e possibilitar que educadores considerem a perspectiva dos estudantes e os sistemas de ensino observem os contextos das escolas ao elaborar propostas para observar desempenho de pessoas, instituições e redes.
Macedo reforçou a ideia de que é preciso avaliar os estudantes de maneira integral e que os resultados sejam utilizados não apenas como uma fotografia de um momento específico, mas como maneira de promover o desenvolvimento dos estudantes, considerando os diferentes ritmos e percursos que podem ser percorridos. "É como subir montanhas: não dá para querer que todos subam até o mesmo ponto e pelo mesmo caminho", ressalta o palestrante.
A perspectiva das crianças
Até por volta dos seis anos de idade, as crianças vivem o presente, sem muita preocupação a respeito do passado ou do que virá. O dia é pautado pela sua rotina, pelo que os adultos que a cercam fazem para garantir a sua sobrevivência. Com o tempo, elas passam a notar a regularidade de algumas ações como o comer, o dormir e passam a reconhecer os espaços e objetos onde podem brincar, assim como passam a ter sonhos sobre o futuro.
Nesse contexto, o planejar está intimamente ligado ao imaginar. As brincadeiras simbólicas que manifestam essa imaginação são um indicativo desse planejamento. "As crianças imaginam o pai e a mãe presentes quando eles estão longe, se imaginam saudáveis quando estão doentes, se imaginam adultas quando ainda são pequenas, e assim por adiante", explica Lino de Macedo.
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Essas ideias, por mais que pareçam ser substituídas, seguem conosco para o resto da vida. "Está aí a origem da nossa ideia de avaliar", afirma Macedo. Na ação docente, o planejar está relacionado aos sonhos, aos projetos que os docentes têm para os estudantes com quem trabalha. Na política pública, avaliação e planejamento precisam integrados ao projeto de Educação pública que o país pretende colocar em prática.
O valor e o tempo
"Avaliar é dar valor", define o professor. A ideia de valor, na origem da palavra, está ligada ao significado de riqueza e também à palavra latina valere, que significa ter um corpo forte ou ser valente. A avaliação está, portanto, ligada a um aspecto afetivo, de buscar o que há de rico e valoroso nas ações que são observadas. "Avaliar não é controlar", destaca Macedo. O palestrante ressalta que há hoje uma presença de avaliações como produtos: provas e testes são utilizados de maneira desarticulada a projetos e ao desenvolvimento das pessoas e das instituições. "A prova é um momento muito fugaz, muito passageiro", diz.
Pergunta da plateia |
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Ao avaliar, como alinhar o que é com o que deveria ser, sem recorrer a um padrão? É necessário analisar como os objetivos comuns e as expectativas se adequam a cada aluno. Lino de Macedo propõe imaginar uma cadeia montanhosa: há diversas montanhas, cada uma com uma geografia e uma altura própria. No caso do aprendizado da leitura e da escrita, por exemplo, o objetivo comum seria permitir que os estudantes tenham acesso ao mundo letrado, ou seja, chegar ao topo da montanha. Entretanto, como esse trajeto será percorrido, qual a altura da montanha, e outros itens é algo que é definido durante a própria caminhada. "Uma coisa é dar a todos e a cada um o direito de chegar até o topo. Outra coisa é padronizar, dizendo que só pode essa montanha e por essa trilha", explica o professor. Definir padrões muito restritos sobre o que será aprendido e como terá que ser aprendido é apostar em algo impossível e, novamente, gerar desigualdades. |
Um dos grandes desafios é enquadrar a ação docente no tempo, na relação entre presente, passado e futuro. Macedo explica que o planejamento é uma ação do presente, que diz respeito a algo que vai acontecer no futuro e que deveria usar o passado como referência. Já a avaliação é uma ação do presente que se desdobra sobre o passado e deveria dar indicações sobre o futuro. Essa noção, que considera a evolução temporal dos processos é chamada de diacrônica. "Às vezes, avaliar não é ver o que o sujeito fez naquele instante, mas ver o quanto ele progrediu", exemplifica Luís Carlos de Menezes, também membro da Cátedra de Educação Básica.
Uma segunda noção de ação docente é aquela que considera diferentes aspectos em um mesmo momento, chamada por Macedo de sincrônica. Partindo da ideia de que os estudantes devem se desenvolver de maneira integral na escola, o planejamento e a avaliação deveriam também considerar diversos aspectos, e não apenas os conteúdos. " Como planejar numa perspectiva que vê o projeto político pedagógico da escola, que vê o instante que vivemos em termos de país, que vê a criança no seu presente, no seu futuro, no contexto da sua família, da sua cidade, do lugar onde ela mora?", provoca.
Mesmo as avaliações externas -- importantes para os gestores públicos e para a concepção de novas políticas -- também possuem limitações relacionadas a esses fatores. Uma nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) não traduz os processos e o contexto em que uma escola faz seu trabalho. Se duas escolas tiraram notas 7 e 6, respectivamente, é evidente que uma teve um desempenho melhor do que a outra. Agora, se analisarmos a evolução das escolas e vemos que uma passou de 6 para 7, enquanto a outra avançou de 4 para 6, é possível ver como a escola com nota menor ainda tem desenvolvido um trabalho interessante.
Avaliação e desenvolvimento como pares
Ensinar, aprender, avaliar e desenvolver: Macedo usa esses quatro verbos como referências do que se desenrola na relação entre aluno e professor. "Se eu ensino, o aluno aprende. Se eu avalio, o estudante se desenvolve", diz. Nesse modelo, avaliação e desenvolvimento são processos conectados entre si.
Quem é Lino de Macedo |
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Mestre, doutor e livre docente em psicologia. É membro da Academia Paulista de Psicologia e Professor Emérito do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. É também assessor do Instituto Pensi, Fundação José Luiz Egydio Setubal e integra a Cátedra de Educação Básica do Instituto de Estudos Avançados, USP. Especializou-se no construtivismo de Jean Piaget (1896-1980) e na psicologia aplicada à educação e à saúde infantil, recorrendo aos jogos e brincadeiras para observar e promover processos de aprendizagem e desenvolvimento. |
O desenvolvimento é encarado como transformação e a avaliação é o que possibilita observar esse processo e planejar para que ele continue acontecendo. Competências como as propostas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) precisam ser desenvolvidas. "Não ensinamos competências, mas ensinamos habilidades que possibilitam a mobilização de competências", afirma o palestrante.
A avaliação de itens como autonomia, autogestão e empatia não é simples. "Avaliar significa atribuir valor àquilo que pôde se desenvolver graças ao nosso trabalho em sala de aula", explica Macedo. Por isso, é importante que ela se dê de maneira sincrônica e diacrônica.
No fim das contas, o trabalho do professor ao avaliar se assemelha ao de um juiz. Não como aquele que impõe uma medida, mas como alguém sereno, calmo, que avalia as circunstâncias e faz um julgamento justo do que ele pôde observar. "De forma humilde, generosa, responsável, tolerante, autônoma, o professor pode se colocar sem medo, sem arrogância, como juiz porque, na sala de aula, ele é a referência dos alunos", conclui Macedo.