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Dimensão Cyborg

por Fernanda Rezende - publicado 29/11/2021 10:45 - última modificação 29/11/2021 10:42

por Fabiana Mitsue Najima, artista visual, performer e doutoranda no Programa Interunidades Estética e História da Arte na USP. Aborda o tema de pesquisa: Ciberperformance: artes do corpo e revolução cibernética, com apoio da CAPES.

por Fabiana Mitsue Najima, artista visual, performer e doutoranda no Programa Interunidades Estética e História da Arte na USP. Aborda o tema de pesquisa: Ciberperformance: artes do corpo e revolução cibernética, com apoio da CAPES.

8 de novembro

No momento em que se fala de transformações em inteligências artificiais na tecnociência podemos supor que a relação entre consciência e corpo pode entrar numa fase de outras complexidades. Estamos em um processo simbiótico com as revoluções cibernéticas e informacionais que podem também influenciar a descontinuidade do Humano em Gaia. Na atual conjuntura o humano é colocado em xeque, convivemos com investimentos pesados em ciberpoliciamento e projetos de alta complexidade em biotecnologia implicando, também, em uma economia civil ciborgue. Ao refletir sobre os primeiros ciborgues da humanidade, pensamos na potência das imbricadas relações híbridas que surgem com a própria mutação simbiótica do período pós-moderno.

O ciborgue enquanto ser híbrido pode desenvolver-se sintetizado ou impelido pela nossa nova era? Haraway supõe que a humanidade se converta em seres híbridos como em um circuito integrado por meio de biologias modernas, reconfiguração e remodelamento de corpos e de relações através de apropriação de linguagem na ciência e tecnologia. Somos afetados e afetamos pela microeletrônica em um lugar de fronteira seguido pela transgressão entre o devir homem e animal.

Qual seria o ônus da tecnociência incorporada no corpo de um artista? A Cyborg Foundation (2010) organização de âmbito internacional que defende os direitos dos ciborgues foi instituído por Neil Harbisson e Moon Ribas. Ambos são ativistas ciborgues e investem seriamente no propósito de expandir percepções e sentidos e sanar limitações impostas pelo ser humano. Em resumo os direitos ciborgues seriam a liberdade de morfologia, o direito à soberania corporal, a liberdade de desmontagem, a igualdade para mutantes e o direito à naturalização orgânica.

O músico e artista audiovisual transhumanista cyborg Neil Harbisson nasceu com acromatopsia, quando possuía 20 anos, instalou um olho eletrônico implantado on-line chamado eyeborg, conectado por um cabo de áudio a um chip localizado na altura do seu pescoço que permite ao artista escutar as cores, como infravermelhos e ultravioletas, por meio de frequências de luz que ele capta como frequências de ondas sonoras, produzindo sinestesias do universo ao seu redor. Esse novo sentido contínuo é denominado sonocromatopsia. Ele foi premiado com o Guinness World Records (2004) e o Europrix Multimedia Award, sendo reconhecido como primeiro ser humano ciborgue do mundo. Para Harbisson o verdadeiro ciborgue é aquele em que a união com a tecnologia é constante e supõe uma comunicação com o corpo.

Moon Ribas é uma artista catalã, dançarina e ativista cyborg que desenvolveu um implante de sensores sísmicos on-line em seus pés que lhe permitem sentir a vibração de terremotos com pelo menos 2º de magnitude na escala de Richter sincronizados com sismógrafos. Ela sente essas vibrações nas plantas dos pés a todo o momento. Em sua visão “poderia ser melhor desenharmo-nos a nós próprios para nos adaptarmos melhor ao planeta em que vivemos.” Essa adição de sentido influi diretamente em suas criações coreográficas investigando movimentos através da extensão tecnológica em seu corpo relacionada ás transformações sísmicas. Em “Waiting for Earthquakes” realiza uma apresentação de dança solo na qual ela só se movimenta a partir que as vibrações de terremoto sejam sentidos. Ribas explora uma série de dispositivos tecnológicos como forma de perceber e interagir com o mundo como a luva de velocímetro e o par de brincos chamado Speedborg com o qual adquire uma percepção de 360°.

Um desdobramento desse projeto seria a Associação Transpecies Society (2017) que pretende contemplar o protagonismo de individualidades não humanas, defender o direito de auto-design, a explorar as espécies futuras ligadas à tecnologia humana, oferece o desenvolvimento criativo de novos sentidos e órgãos na comunidade de ativistas. Ela é formada por uma equipe multidisciplinar composta por engenheiros, filósofos, designers e artistas que investigam a relação entre espécies, máquinas e órgãos naturais e artificiais em Barcelona. O diferencial é que em seu laboratório atuam também, makers dedicados a experimentos com uso de arduinos, sensores explorando como dar vida a órgãos cibernéticos em projetos com impressoras 3D. Eles discutem amplamente a questão da bioética nas intervenções no corpo levantando questões éticas e a real necessidade de potencializar as capacidades cognitivas e percepticas humanas.

Manel Muñoz é um artista ciborgue espanhol que integra também a comunidade de ciborgues. Ele desenvolveu um órgão artificial instalando implantes sensoriais nas orelhas diretamente em sua cabeça, em forma de barbatanas conhecida como “Weather Fins” que faz com que ele possa perceber a temperatura, umidade e pressão atmosférica através do som conduzido pelos seus ossos. Fazendo com que preveja as mudanças climáticas e altitude escutando a pressão atmosférica, umidade e mudanças de temperatura. Considera sua intervenção como performance art com duração indeterminada, forte consciência ambiental e crítica ao antropocentrismo.

Ciborgues já foram considerados seres de segunda ordem que habitam o ciberespaço em uma compreensão totalizante. Há um desejo que essa mutação ocorra de maneira responsável, bioética e consciente, à luz da epistemologia e validados pela filosofia da ciência. Ao mesmo tempo em que se descortina a possibilidade de transgredir a condição humana, somos questionados sobre como lidar com limitações. O homem é constantemente modificado pela tecnologia e em contrapartida também a transforma, gerando novos índices relacionais e, agregando questões psíquicas e sociais. Seria possível conceber um ciberperformer ou ciborgue como um ser sustentável fomentando a criação de economias criativas no século XXI?

Preocupados com os desafios da quintessência para convivência neste milênio, pode caracterizar-se como ciborgues que exploram este techno-zeitgeist dos mundos, configuram-se na relação entre metadados e habitam zonas do ciberespaço. Por meio de inteligências artificiais podemos considerar, até mesmo, um inconsciente da máquina formado por memórias adquiridas, significados ou outra configuração histórica alegórica.