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IEA 25 Anos

por Marilda Gifalli - publicado 13/08/2013 16:30 - última modificação 12/09/2013 14:51

Alfredo Bosi

Quando a diretoria do Instituto de Estudos Avançados (IEA) começou a planejar a comemoração dos 25 anos de vida da instituição, não deixei de sentir uma certa surpresa. Comemorar 25 anos, apenas um quarto de século, no fundo a chegada à juventude, mal saída da adolescência, não seria precoce? Será porque somos um país novo e nossas instituições não podem ombrear-se com as do Velho Mundo, que contam por centenas e centenas de anos as suas universidades e instituições? 

Depois, porém, relativizei a estranheza inicial. Sim, somos um país novo, mas o tempo que vivemos é um tempo extraordinariamente acelerado. Tudo rola e passa depressa, e a saturação de informações e signos é tal que, ao contrário dos tempos longos e lentamente acumulativos da Europa, temos que assegurar pela memória o que o cotidiano veloz foi  dissipando. Precisamos  lutar contra a desmemória, que é o mal que nos ronda diariamente, ao passo que em culturas antigas é necessário libertar-se do peso asfixiante da memória que, onipresente,  não deixa brechas para pensar no futuro, acreditar no futuro.

A HISTÓRIA, que em países como a Alemanha, a Itália e certamente Espanha e Portugal, pode tornar-se um pesadelo e um cárcere, para nós é um processo vertiginoso que temos de salvar, lembrando, estudando, compreendendo. E, embora o termo seja gasto e já provoque alguma impaciência,  sentimos que se torna um dever resgatar. Resgata-se um prisioneiro amigo pagando ao inimigo o preço da sua liberdade. O preço que pagamos ao passado, mesmo o mais recente, é  re-cordá-lo, no sentido etimológico de guardá-lo no coração,  antes que ele se perca nas águas profundas do  Letes, que era para os gregos  tanto o rio do esquecimento como a corrente letal e letárgica  da morte.

Então, faz sentido que uma das mais novas instituições desta Universidade, o Instituto de Estudos Avançados, re-corde,  re-memore e  co-memore o seu fugaz quarto de século. E pense no que foi, no que é, no que pode ser.

Olhando para trás, do ponto de vista limitado pela minha experiência pessoal, não posso deixar de evocar com alegria o tempo de fundação do IEA. Meados da década de 1980. Foi no contexto esperançoso de democratização, criado  a partir do fim da ditadura militar,  que um grupo de docentes da Adusp  resolveu instaurar um clima de resistência à fragmentação que a Reforma Universitária estava produzindo, em virtude do desmembramento de nossa alma mater, a Faculdade de Filosofia, em vários institutos especializados. A divisão  impusera-se como  tributo racionale moderno à especialização científica e humanística. Mas perdera-se a convivência entre os professores e alunos, e o risco da atomização atrofiante deveria ser esconjurado. Como fazê-lo se os espaços institucionais se haviam isolado uns dos outros? A ideia de uma comunidade universitária se convertera em figura retórica vazia. Era preciso dar-lhe vida nova, congregando de novo homens da ciência, da cultura, da arte, das disciplinas básicas e das aplicadas. Democracia também quer dizer coexistência, diálogo, confronto civilizado entre partes que julgam ter interesses opostos.

Desse contexto de valores nasceu o projeto de um locus que cultivasse a interdisciplinaridade, algo que alguns tenazes sonhadores perdidos nos seus Departamentos não poderiam sozinhos levar adiante. Rocha Barros, físico de ampla cultura humanística e forte empenho político, era um deles. Acredito que essa combinação de forças históricas e vontades individuais seja o motor que mantêm vivas as instituições universitárias.

Sabemos que a vontade política do Prof. Goldemberg, então reitor, foi um desses motores. E que o fato de o IEA não ter corpo fixo de pesquisadores e apoiar-se em uma infraestrutura modesta, mas funcional, e em uma direção colegiada de pequenas dimensões terá contribuído para a alavancar aquele projeto em si delicado e complexo.

O que veio depois, o que aconteceu nestes 25 anos, confirma o programa de inter-relacionar áreas diversas da ciência e da cultura. Grupos de estudos em que biólogos trocavam ideias com físicos e químicos; professores universitários e educadores de base conviviam com filósofos e homens de letras, das artes; economistas e administradores discutiam com cientistas sociais e políticos; geógrafos, geólogos, botânicos e zoólogos concebiam pesquisas que iriam desaguar no que hoje se chama desenvolvimento sustentável; em suma, procurou-se empenhadamente dar conteúdo ao ideal de transdisciplinaridade, mediante encontros, seminários, conferências do mês. E uma equipe mínima de funcionários dedicados jamais faltou nos momentos às vezes difíceis da execução de um programa tão inovador. .

O IEA cresceu e sobreviveu sob as direções diversas de um historiador atento ao passado e ao presente (Carlos Guilherme Mota), um administrador e economista excepcional (Jacques Marcovitch), um geólogo sem fronteiras (Umberto Cordani), um professor de literatura um tanto perdido em meio a tamanhas competências, um biólogo eminente (Gerhard Malnic), um astrônomo que olhava para o céu sem tirar os pés do chão (João Steiner) e um psicólogo doublé de etólogo (César Ades). Até na ascendência de seus dirigentes cumpriu-se a sua vocação bem brasileira de caldear etnias diversas...

Até aqui dei ênfase ao plano de articular campos em geral afastados do conhecimento como sendo a prioridade de um instituto que se nomeia ambiciosamente de avançado.

Mas havia outro componente do projeto inicial que acabou conferindo uma dimensão peculiar ao IEA. Quem saía de vinte anos de censura política caindo sobre uma nação que vivera a esperança das reformas nos anos 1960, não poderia subtrair-se à responsabilidade histórica de retomar animosamente os seus objetivos de conhecimento da sua terra, do seu povo, que se chama Brasil. O IEA não cessou, em nenhuma das gestões que mencionei, de pensar o Brasil na sua enorme diversidade natural e cultural e nas suas carências estruturais. Sem, porém, apelar para o pesado e obsoleto jargão que nos condenava ao atraso e a uma condição eternamente periférica. Demos as costas aos pessimistas paralisantes forrados de determinismos pseudomarxistas. Periferia é termo espacial, mas não ontológico nem eterno. Não estamos atrelados ao atraso, como supõem os intérpretes eurocêntricos que se congelam em um ceticismo estéril. Avançamos, tropeçamos, retrocedemos, avançamos de novo, pois estamos sempre em movimento e enfrentamos o risco das mudanças.

Por isso, o IEA pensou um plano extraordinário de reflorestamento, o Projeto Floram, de que o Prof. Ab'Saber foi um dos timoneiros. Por isso, criamos grupos de Educação e Cidadania, o Fórum Capital e Trabalho, a visão de um Brasil na era da globalização com projeções em setores variados, o Brasil na América Latina, o Brasil do negro, o Brasil do índio, o Brasil das múltiplas religiões, o Brasil das regiões, da Amazônia, do Nordeste, da cidade de São Paulo, o Brasil da questão agrária e do desenvolvimento rural, o Brasil das formas poluentes e não poluentes de energia, o Brasil da segurança alimentar e das epidemias, o Brasil dos direitos humanos, o Brasil dos migrantes, o Brasil em plena crise financeira internacional, o Brasil do teatro, do cinema e da poesia, o Brasil da cultura popular... Quantos Brasis em um só Brasil, quantos dilemas e desafios foram objeto de estudos, seminários, debates ao longo destes 25 anos!

E, ao destacar esses dois vetores, o do encontro das ciências e o do conhecimento do Brasil, vejo que, falando do IEA, falei ao mesmo tempo da revista estudos avançados, que tenho a honra de editar, e que hoje lança o seu septuagésimo terceiro volume. A revista espelhou todo esse intenso trabalho cultural e militante do Instituto. A revista divulgou o IEA, com seus 15 milhões de acessos virtuais, e do IEA recebeu seiva e estímulo.

Neste número, que estamos lançando no dia de hoje, o seu raio de interesse franqueia os limites da nossa Universidade. Vai à procura dos seus congêneres. abraçando institutos nacionais e internacionais, em um horizonte que se estende das Américas à China... Muitos IEA terão mais recursos do que o nosso; poucos, porém, a mesma garra e sobretudo a mesma abertura aos temas candentes de um mundo em mudança.

Definitivamente, os conceitos de centro e periferia estão merecendo uma revisão equilibrada superando o maniqueísmo de base que nos tem acompanhado há pelo menos meio século.

Mas este número não contempla apenas as entidades irmãs espalhadas pelo Brasil e pelo Exterior. É também dentro da USP que a revista reconhece os seus parceiros: no caso, os quatro museus que contêm verdadeiros tesouros em seus acervos, além de atuarem como admiráveis centros de pesquisa e extensão cultural. Recebam nosso agradecimento e nossa homenagem o Museu de Arte Contemporânea, na pessoa do seu diretor, Tadeu Chiarelli; o Museu Paulista, na pessoa de sua diretora, Cecília Helena Lorenzini de Salles Oliveira; o Museu de Arqueologia e Etnologia, na pessoa de sua diretora, Maria Beatriz Borba Florenzano; o Museu de Zoologia, na pessoa de sua diretora, Maria Isabel Landim. E nosso agradecimento especial ao Prof. Adilson Avansi Abreu pelo texto que serve de prefácio aos depoimentos dos dirigentes dos museus.

A festa é, portanto, de todos os que têm o que recordar e fazem dessa memória o motivo mais puro para prosseguir no bom combate e esperar por um futuro que começa aqui e agora.

 

Alfredo Bosi é titular de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo e pertence à Academia Brasileira de Letras. Publicou, entre outras obras, História concisa da literatura brasileira, O ser e o tempo da poesia, Céu, inferno, Dialética da colonização, Machado de Assis: o enigma do olhar, Literatura e resistência, Brás Cubas em três versões e Ideologia e contraideologia. É editor da revista estudos avançados. @ – abosi@usp.br
* Depoimento pronunciado na Sala do Conselho Universitário da USP em 12 de dezembro de 2011, na sessão comemorativa dos 25 anos do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.