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A potência das manifestações artísticas de corpos e vozes das periferias

por Mauro Bellesa - publicado 08/04/2019 10:55 - última modificação 08/04/2019 10:58

O Ciclo Centralidades Periféricas, organizado pela Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultural e Ciência, realizou seu quinto encontro no dia 25 de março, com o tema "Expressões de Corpos Periféricos na Cidade | Sons que Ecoam das Periferias".

Centralidades Periféricas - Dança e Música - 25/3/2019
1) mesa da manhã tratou da dança produzida na periferia; 2) à tarde, a discussão foi sobre música; 3) encerramento teve apresentação do DJ KL Jay
A importância cultural, conscientizadora e profissionalizante do rap, funk, samba-soul, passinho e outras estilos de dança, inclusive a contemporânea, foi discutida por alguns de seus principais produtores, críticos e pesquisadores no quinto encontro do ciclo Centralidades Periféricas, no dia 25 de março. [Veja abaixo a programação do ciclo.]

O encontro teve duas mesas: Expressões de Corpos Periféricos na Cidade  e Sons que Ecoam das Periferias, coordenadas pela educadora e ativista sociocultural Eliana Sousa Silva, também coordenadora do ciclo, promovido pela Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência, parceria entre o IEA e o Itaú Social. Foi a última atividade de Eliana como titular da cátedra, da qual continuará a participar como professora visitante. [Leia sobre a posse dos novos titulares, Paulo Herkenhoff e Helena Nader.]

Expressões de Corpos
Periféricos na Cidade

A mesa da manhã, dedicada à dança, teve a participação de: Rubens Oliveira, dançarino e coreógrafo; Lia Rodrigues, coreógrafa e produtora, Renata Prado, dançarina e pesquisadora; William Severo dos Santos, dançarino e produtor; e Helena Katz, professora da PUC-SP e crítica de dança.

Dança como 'intrumento'

Nascido em Vila Velha, Espírito Santo, Rubens Oliveira foi morar no Campo Limpo, na Zona Sul da cidade de São Paulo, no início da adolescência. Era o mais novo de cinco irmãos. Cada um dos quatro mais velhos ganhara um instrumento musical dos pais, "para que os acompanhasse durante toda a vida", mas quando chegou a sua vez isso não aconteceu, pois os tempos eram difíceis e os país estavam se separando. "Meu primeiro contato com a dança foi ao chegar ao Campo Limpo, vendo a dança na rua, na laje, na garagem. Percebi que aquele instrumento que eu não tinha ganhado já existia dentro de mim, era a dança."

Aos 17 anos, ingressou no projeto Dança Comunidade, criado pelo Sesc-SP, e lá ficou por oito anos, sendo o primeiro deles de formação. Foi professor e participou de workshops do projeto. Depois criou o grupo Pélagos, no Campo Limpo. "Tentei passar tudo que aprendi para os jovens dali. Hoje eles estão tendo a oportunidade que não tive de fazer um curso superior."

Há mais de uma década, Oliveira soube da Gumboot Dance, criada por mineiros sul-africanos a partir de um código de comunicação entres eles, já que falam línguas diferentes. Ele foi para a África do Sul estudar essa dança. "Ela era necessária para a sobrevivência dos mineiros. Quando eles perceberam que ela os unia, passaram a utilizá-la politicamente em protestos e atos culturais."

De volta ao Brasil, ele criou o grupo Gumboot Dance Brasil. "Fiquei dez anos dançando sem entender bem o que era aquilo. Mas há dois anos pedi para minha mãe me contar a história de meu avô e soube que ele morreu soterrado na construção de uma estrada da Vale em Minas Gerais."

Rubens Oliveira - 25/3/2019Ao refletir sobre essa identificação de destinos num "sistema que mata e onde quem morre tem uma cor e um lugar", ele criou o espetáculo "Subterrâneo" no final de 2018: "Para contar histórias de milhares de homens e mulheres que trabalham em condições precárias, é preciso ir a esses 'subterrâneos'".

Dança na Maré

Desde 2004, a Lia Rodrigues Companhia de Dança está sediada no Centro de Artes da Maré, integrante da organização não governamental Redes da Maré, na cidade do Rio de Janeiro, a qual tem entre seus diretores Eliana Souza Silva. Lia, que se dedica à dança há mais de 40 anos, falou sobre sua trajetória e como atuar na Maré a partir de 2003 mudou sua perspectiva para projetos de dança.

"Sou branca, classe média e tive a oportunidade de escolher ser artista. Construí minha história, me formei em balé clássico, trabalhei com a coreógrafa francesa Maguy Marin. Fui para o Rio e em 1990 criei minha companha de dança. Em 92 criei o festival Panorama da Dança, que dirigi por 14 anos", resumiu Lia ao falar sobre sua formação e produção pré-Maré.

O meio da dança é muito fechado, segundo ela. "Eu ficava me perguntando: 'Por que faço isso?' Viajava, participava de festivais, num meio onde todo mundo lê as mesmas coisas. Vivendo numa cidade tão complexa, eu queria muito mais. Foi então que conheci Eliana e o projeto da Redes da Maré. Nós duas e minha produtora, Silvia Soter, começamos a pensar em estratégias de produção na Maré."

Lia Rodrigues - 25/3/2019
Lia Rodrigues

A primeira constatação foi de que era preciso construir um lugar para a arte na Maré, um complexo de favelas com 140 mil habitantes e "sem nenhuma atenção do governo em nenhum aspecto". Foi então que elas descobriram um galpão abandonado com 1.200m2 na favela Nova Holanda, próximo à avenida Brasil. O galpão se tornou o Centro de Artes da Maré em 2009.

Lia criou a Escola Livre de Dança da Mare em 2011, constituída de dois núcleos, que atendem a 300 pessoas. Um dos núcleos é aberto a todos os moradores da Maré e permite a prática de qualquer modalidade de dança. No outro, de formação continuada, jovens entre 14 e 25 anos ganham bolsa e 12 deles já se formaram (quatro atuam na companhia de Lia). "Um dos nossos objetivos é colocar esses jovens na universidade; e todos estão no ensino superior."

Mulheres do funk

Estudante de pedagogia da Unifesp em Guarulhos, na Grande São Paulo, Renata Prado é dançarina de funk há 15 anos. Ao lado da dança e do estudo na universidade, ela se dedica ao movimento negro e à valorização da participação feminina no funk. É fundadora da Frente Nacional de Mulheres do Funk, "projeto que surgiu da necessidade de destacar a narrativa feminina dentro do funk".

O trabalho que resultou na frente começou quando ela procurou relacionar o funk com os objetivos da Lei 10.639/03, que instituiu a obrigatoriedade de ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio públicas e privada.

"Vi que as publicações estavam defasadas em relação à presença das mulheres no funk. Comecei a pensar em ferramentas para descobrir a experiência dessas mulheres. Num encontro no Rio de Janeiro, um garoto me perguntou sobre o machismo no funk e eu não soube responder. Uma amiga me falou que havia a Frente Nacional de Mulheres do Hip-Hop. Nesse momento resolvi criar a frente do funk."

Renata Prado - 25/3/2019
Renata Prado

Renata abandonou a dança para estudar e entrar na universidade, mas sentia falta de voltar a trabalhar com o funk, que ela chama de sua "força-motriz": "O que me reconectou com a dança foi o movimento da frente. Me inscrevi num edital para fazer um documentário sobre a história das mulheres como produtoras, MCs e dançarinas de funk. Durante um ano e quatro meses tive de ir para o Rio de Janeiro várias vezes. Agora acabamos de filmar. O vídeo será lançado no segundo semestre".

Outro objetivo da frente é falar da liberdade do corpo da mulher, segundo Renata. Ela contou que recentemente estava entrevistando uma pessoa para o vídeo no Rio de Janeiro e ficou sabendo que Marielle Franco, vereadora assassinada em 2018, tinha sido dançarina da Furacão 2000, a principal equipe de som, produtora e gravadora de funk carioca nos anos 90. "O último projeto de lei apresentado por Marielle, em 17 de fevereiro de 2018, colocava o funk como patrimônio cultural e imaterial do Rio de Janeiro."

Para Renata, "falar sobre o corpo da mulher dançando funk é algo político, pois são elas que estão morrendo, tendo seu corpo criminalizado na arte e na sociedade". Para ela, existe uma dificuldade em compreender que "ao esboçar sua sensualidade no funk a mulher está fazendo arte. O preconceito vê a dança de forma muito erotizada. O direito de exibir a sensualidade não é respeitado".

"Até agora não encontrei nenhuma outra pessoa funkeira que esteja na academia tratando do assunto", afirmou. "O que li foi escrito por brancos que tem o funk como tema, mas não viveram o funk. A gente não precisa ser mais objeto de estudos, precisa ser protagonista."

Profissionalização do passinho

William Severo dos Santos, dançarino de passinho, MC e líder do grupo Imperadores da Dança, falou do seu envolvimento com a dança tanto como dançarino quanto ativista cultural. "Conheci a dança através da capoeira, que tive de parar de praticar por causa de um acidente. Em 2006 vi um grupo de passinho e resolvi virar dançarino", disse Severo 25, como ele é mais conhecido.

William Severo dos Santos - 25/3/2019
William Severo dos Santos

Patrimônio cultural imaterial da cidade do Rio de Janeiro desde junho de 2018, o passinho surgiu na favela do Jacarezinho, segundo o dançarino. "Só era conhecido por moradores de favelas. Em 2008, estourou na internet, no Orkut, antiga rede social, e em 2012 houve a Batalha do Passinho, patrocinada pela Coca-Cola. Em 2016, participamos da abertura das Olimpíadas".

Ele e seu grupo desenvolvem um projeto social em torno da dança para que meninos das comunidades consigam se profissionalizar. Ele contou que depois de receber só 40% de um cachê publicitário porque não tinha registro profissional, pois o passinho não era reconhecido como modalidade pelo Sindicato dos Profissionais da Dança do Estado do Rio de Janeiro, se engajou na campanha para que houvesse a regulamentação.

Severo25 destacou o papel inclusivo do passinho, explicando que para essa dança não importa sexo, biotipo ou até certas deficiências físicas. "O moleque que dança passinho pode até transitar por favelas controladas por facções diferentes da que controla a sua comunidade. O pessoal do tráfico diz: 'Deixa o moleque passar. Ele é dançarino'. E eles chegam até a dançar também."

Dança na universidade

Helena Katz, que se dedica há 40 anos à dança como estudiosa e crítica, falou do ponto de vista da academia. Para ela, a questão é como a universidade deveria olhar para uma produção existente fora dela e da qual ela não dá conta. "Nós, da universidade, precisamos nos alfabetizar sobre aquilo que não conhecemos. Enquanto as centralidades não se entenderem como periféricas não sairemos do lugar. E esperamos que um dia possamos nos livrar dessa distinção."

Para Helena, apesar das cotas raciais, bolsas do Prouni e financiamento pelo Fies, a inclusão de estudantes vindos da periferia ainda é reduzida. "Se eles não chegam, a universidade não se mexe", continuando a lidar com aspectos como o racismo apenas como objeto de estudo, afirmou.

Helena Katz - 25/3/2019
Helena Katz

Só em 1956 a dança ingressou na universidade, disse. "E durante 30 anos, o curso de dança da Universidade Federal da Bahia foi o único do país. Em meados dos anos 80, foi criado o curso da Unicamp. Agora são 35 cursos, com mestrado, mestrado profissional e doutorado, os dois últimos surgidos em 2019". Ainda assim, ela considera que são poucas as possibilidades de estudar a dança na universidade.

No debate que se seguiu às exposições, Lia Rodrigues disse que a universidade tem um papel muito importante para a dança, mas não é o único. "Há muitos doutores fora da universidade." Quanto à realidade profissional, ela disse que, ao contrário da área de entretenimento, como o funk e o passinho, "onde gira uma grana", a dança contemporânea carece de recursos e mercado de trabalho. "Os que saem da nossa escola na Maré não encontram mercado para atuar." Em relação às dificuldades de financiamento, exemplificou com o fato de a maioria dos recursos para os projetos de dança da Maré virem do exterior.

Helena reafirmou a necessidade de a arte da periferia estar na universidade, mas frisou que o ingresso na nela é uma opção para quem deseja isso, possibilidade que "depende de política pública". A criação de um mercado de trabalho para a dança foi prejudicada por ações como a política de ingresso gratuito na cidade de São Paulo, em sua opinião: "É preciso criar um público que pague pelo espetáculo. O artista estudou, precisa sobreviver".

Sons que Ecoam das Periferias

Os expositores da mesa da tarde, que tratou da música da periferia, foram de: KL Jay, DJ dos Racionais MC's; Cláudio Miranda, do grupo Poesia Samba Soul; Karol Conka, cantora e compositora; e Acauam Oliveira, pesquisador.

Sabedoria do hip-hop

Incluindo a fase como amador, KL Jay atua como DJ há 31 anos e considera que deve grande parte do que se tornou "à sabedoria que o hip-hop" lhe trouxe. "O hip-hop é o pai que muitos garotos e garotas não tiveram. Me trouxe autoestima, independência, força, poder e liberdade, ser o que sou, falar o que eu quiser, trabalhar como eu quiser, ter minha própria gravadora, não ter prazo para entregar o meu trabalho, escolher no que quero trabalhar.”

DJ KL Jay - 25/3/2019
KL Jay

Para ele, o músico deve fazer "um trabalho de guerrilha, vender seu CD em festas, levar seu som onde não há condições para ele chegar". Além disso, disse acreditar no trabalho cooperativo, onde "um ajuda o outro a partir das condições que possui".

O rap mudou a mentalidade sobre questões raciais, apesar de ainda existir racismo e perseguição, disse. Em sua opinião, "os jovens estão cada vez mais ambiciosos, agressivos [na busca do que querem] e inteligentes". Considera, no entanto, que “o favelado dramatiza muito”. “O hip-hop me ensinou a não dramatizar tanto.”

A universidade tem de ter ações nos lugares mais afastados, para que as informações cheguem a todos, afirmou KL Jay. “Existem muitos artistas extremamente talentosos no gueto, mas existem muitas barreiras para que não cresçam intelectualmente. O Brasil é o país mais racista do planeta. O racismo estrutural está presente na própria USP.”

Música e sustentabilidade

Além da importância do rap como componente do movimento Hip-hop para a conscientização e autoestima dos jovens, o encontro também apresentou um exemplo de parceria entre a música e a preocupação com a sustentabilidade. Claudio Miranda, do Jardim Ângela, Zona Sul da cidade de São Paulo, relatou como a partir do trabalho com a música surgiu o contato de seu grupo com as questões de sustentabilidade e a incorporação disso num instituto que recebe pessoas de ecovilas de várias partes do mundo.

Claudio Miranda - 25/3/2019
Claudio Miranda

O Poesia Samba Soul surgiu em 1989 e gravou alguns discos até 95. Em paralelo a isso, o grupo passou a dar aulas de músicas na casa do pai de Miranda (atualmente recebe 300 músicos por mês), que depois também a cedeu para um estúdio, laboratório (o irmão de Miranda é desenvolvedor tecnológico), cozinha vegana e outras atividades.

O grupo chegou a excursionar pelo Nordeste e Minhas Gerais, num projeto viabilizado com a venda de um carro velho pelo pai de Miranda. “Em 2009, fui para Tamera, uma ecovila em Portugal, sem saber o que ia fazer lá. Vi um outro mundo, uma comunidade com painéis solares, biogás, alimentação vegana”, relatou o músico. Desde então, ele já fez mais de 40 viagens para comunidades em países da África, Palestina e outros lugares.

Foco na autoestima

A rapper Karol Conka disse que começou sua carreira aos 16 anos e pouco depois, no último ano do ensino médio, decidiu “fugir” da universidade: “Não queria conviver com gente diferente, ouvir piadinhas e sabendo que os professores não iriam me defender”. Ela chegou a ganhar uma bolsa num colégio particular para cursar o “terceirão”, preparatório para o vestibular. Queria estudar psicologia. “Fiquei um mês. Era uma sala com 300 alunos, não aguentava o papo das pessoas com quem não tinha empatia, as frescurinhas.”

Acabou seguindo o caminho de muitas meninas com baixa autoestima, afirmou: “Fui fazer neném. Tive um filho e entrei em depressão pós-parto. Tinha uma grande tristeza. Queria ter entrado na universidade, mas agora tinha 19 anos, um filho e me sentia um nada”.

Karol Conka - 25/3/2019
Karol Conka

Um dia começou a ler o livro “Como Curar sua Vida” – obra de autoajuda da americana Louise L. Hay  lançada em 1984 – e começou a pensar nas meninas que viviam em situação muito pior do que a dela. Chegou à conclusão de que “se vitimizar só faz com que racistas e preconceituosos batam palmas para a  derrota” de pessoas como ela era.

Segundo Karol, ela era cobrada por gente que considerava que suas músicas não refletiam a vida na favela, “mas o que é essa representação, é sempre falar de sofrimento?”, indagau.

“O artista quando é periférico quer aparecer. Se não está na universidade, já se considera algo que é menos. Ele quer provar que é melhor do que isso”, afirmou. “Quando digo isso, estou levando uma bomba de energia que as pessoas não encontram na televisão, na novela.”  Essa energia ela diz “absorver da vida, não da internet”.

No debate posterior, Karol disse que quem trabalha com música trabalha com educação: “No rap, não dá para cantar sem passar uma mensagem. Sempre procurei falar de assuntos sérios de uma forma divertida, procuro ser didática, sempre levando uma informação. O foco das canções é a autoestima”.

Mudando mentalidades

A reflexão acadêmica sobre a música da periferia, especialmente quanto ao rap, foi abordada por Acauam  Oliveira, professor da Universidade de Pernambuco (UPE). Ele é doutor em literatura brasileira pela FFLCH-USP, onde defendeu a tese "O fim da canção? Racionais MC's como efeito colateral do sistema cancional brasileiro".

Oliveira é autor da introdução do livro “"Sobrevivendo no Inferno", que traz as letras das músicas do álbum homônimo de 1997 dos "Racionais MC's", o qual vendeu 1,5 milhão de cópias. O livro foi lançado em outubro de 2018, alguns meses depois de a Unicamp adotar o álbum como uma das obras a serem lidas pelos candidatos do vestibular de 2020.

Mas por que um livro se as letras das músicas estão todas na internet? “Consigo pensar em algumas razões, nem que seja a celebração de uma das maiores contribuições artísticas do século 20 no Brasil”, respondeu Oliveira.

Acauam Oliveira - 25/3/2019
Acauam Oliveira

Ele se preocupava com a reação das pessoas que gostam de rap, poesia produzida na periferia e slam (campeonatos de poesia oral) ao lançamento do livro. “A recepção está sendo muito boa, as pessoas sentem orgulho. Acham massa que os boys da Unicamp vão ler Racionais. Sentem muito mais como uma conquista delas, a periferia subindo um degrau, do que uma apropriação cultural.”

Para Oliveira, se uma obra de rap como essa continua a ser estudada, mas as pessoas a que ela se refere continuam excluídas da vida acadêmica, é sinal que os problemas denunciados pelo rap desde os anos 80 continuam existindo. “Faz parte da história brasileira a valorização da cultura periférica sem que os responsáveis por ela sejam incorporados às esferas básicas da cidadania.“

Para ele, num momento que a cultura artística e a academia “são ameaçadas pelo governo, é compreensível que a universidade se volte para a produção da periferia, que elaborou uma reflexão sobre a decadência da esfera pública”. No entanto, “resta pensar o que a periferia ganha com isso, ou se será apenas uma apropriação, com a periferia recebendo muito pouco”.

“Em termos de qualidade estética, o ‘Sobrevivendo no Inferno’ é tão bom quanto qualquer clássico, mas em termos político-sociais, nenhum clássico é tão importante quanto aquele álbum, pois ele salvou vidas”, afirmou o pesquisador.

Indagado pelo público sobre como os integrantes dos Racionais MC’s receberam a inclusão de “Sobrevivendo no Inferno” no vestibular da Unicamp, KL Jay disse que não esperavam isso, mas que viam o fato como um reconhecimento do mérito do álbum – “não sei dizer se tardio ou na hora certa” – , pois é um trabalho de “história, sociologia e até de ciência, tudo isso e mais ainda”.

“O ‘Sobrevivendo no Inferno mudou a história e a mentalidade dos jovens, mostrou o que o país nunca quis mostrar nas novelas, nas revistas. É o começo de uma mudança de mentalidade, de comportamento, de país. Isso tem de chegar aos altos cargos do Estado. A gente vai mudando, mas o Estado é o grande transformador. A atitude da Unicamp é o começo da mudança. A mudança tem de começar onde o erro está.”

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