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Militares e acadêmicos debatem a defesa do Brasil

por Mauro Bellesa - publicado 05/12/2016 12:30 - última modificação 10/02/2017 17:33

Seminário "A Defesa no Brasil", no dia 29 de novembro, abriu a série Diálogos Estratégicos.
Arthur Mendes, Ary Pelegrino Filho e Adriano Nascimento
Os expositores militares (a partir da esq.): o capitão do mar e guerra Arthur Mendes, o coronel Ary Pelegrino Filho e o coronel Adriano do Nascimento

A defesa nacional é orientada por três documentos produzidos pelo Poder Executivo: a Política Nacional de Defesa (PND), a Estratégia Nacional de Defesa (END) e o Livro Branco da Defesa NacionaL (LBDN). As novas versões desses documentos estão sendo analisadas pelo Congresso Nacional, para sua oficialização por meio de decreto-legislativo. Isso acontece a cada quatro anos, dada a dinâmica dos eventos nacionais e internacionais, com impacto direto nas estratégias e decisões de defesa.

A PND é direcionada, sobretudo, a orientar a postura do país contra ameaças externas e constitui o mais importante documento balizador do planejamento da defesa. Ela define objetivos e diretrizes para o preparo e o emprego dos recursos de defesa dos setores militar e civil em todas as esferas de governo.

As diretrizes para a preparação e capacitação das Forças Armadas, de modo a garantir a segurança do país em tempo de paz e em situações de crise, são estabelecidas pela END. Seu outro objetivo é atender às necessidades de equipamento dos comandos militares por meio da reorganização da indústria de defesa, para que as tecnologias mais avançadas sejam de domínio nacional.

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Segundo o Ministério da Defesa, a produção e divulgação do LBDN visam a esclarecer a sociedade brasileira e a comunidade internacional sobre as políticas e ações que norteiam os procedimentos de segurança e proteção à soberania do país, servindo também como instrumento de estímulo ao debate sobre o tema pelo Congresso Nacional, Executivo Federal, academia e pela sociedade em geral.

A atualização desses documentos e os panoramas nacional, regional e mundial motivaram o IEA a organizar o seminário A Defesa no Brasil, realizado no dia 29 de novembro, com a participação de representantes das Forças Armadas, da academia e da indústria do setor.

PEC 55

O cenário nacional agora conta com um componente extra: as restrições orçamentárias previstas na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55 em tramitação no Senado (aprovada na Câmara dos Deputados sob o número 241). De acordo com a proposta, a atualização do orçamento da União deve se restringir à variação da inflação do ano anterior, ou seja, não ter crescimento real, por um período de 20 anos.

As Forças Armadas ficarão sujeitas às mesmas limitações e terão de eleger atividades, projetos, programas e metas a terem prioridade, continuidade ou interrupção.

Sérgio Ernesto Alves Contente
O general da reserva do Exército Sérgio Ernesto Alves Conforto, co-coordenador do seminário

Apesar das dificuldades geradas pela crise econômica, o país tem de estar preparado para defender seus interesses. O general da reserva do Exército Sérgio Ernesto Alves Conforto, coordenador do encontro e novo pesquisador do Instituto, falou na abertura sobre "as seis principais disputas em termos de defesa no século 21": áreas marítimas, domínio aeroespacial, água doce, alimentos, energia, biossegurança e espaço cibernético.

Para ele, é preciso haver uma mudança de mentalidade: "Quando os pais consideram uma perda de tempo o filho prestar o serviço militar e quando não há desenvolvimento tecnológico da indústria de defesa, o país fica fragilizado".

Apesar de os documentos falarem de segurança e defesa, Conforto faz uma distinção entre elas, definindo segurança como "o sentimento de se estar seguro, ao passo que a defesa é uma ação efetiva com esse fim”.

Marinha

O capitão de mar e guerra Arthur Mendes, expositor em nome da Marinha, afirmou que as questões de defesa atingem até áreas fora do controle do país, como o Golfo da Guiné, na costa ocidental da África, onde a pirataria pode colocar em risco a importação de petróleo africano (de melhor qualidade) para ser misturado àquele produzido no Brasil.

Ele comentou que 95% do comércio internacional brasileiro é feito por mar e que os portos do país registram 1.640 embarcações em média saindo ou chegando diariamente. Mendes disse que as principais ameaças no mar que o país deve considerar são os riscos às plataformas de petróleo, pirataria e tráfico de armas e drogas.

Pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, aprovada em 1982, na Jamaica, e que entrou em vigor no Brasil em 1994, as áreas marítimas referentes ao Brasil são:

  • da arrebentação até 12 milhas (22,2 km) - mar territorial, com soberania total do país
  • do limite do mar territorial até 24 milhas (44,4 km) - zona contígua, onde o país continua a ter o direito de fiscalizar e explorar os recursos naturais
  • do limite da zona contígua até 200 milhas (370 km) - zona econômica exclusiva (ZEE), onde o país detém os direitos de exploração comercial da camada de oceano, leito e subsolo

Além dessas faixas, o Brasil reivindica o acréscimo de 950 mil km2 à sua ZEE por constituírem extensão de sua plataforma continental. A convenção permite esse tipo de reivindicação até o limite de 350 milhas.

Consideradas todas as faixas e o acréscimo à ZEE, chega-se a uma área de 4,5 milhões de km2, próxima à área da Amazônia Legal e por isso chamada de Amazônia Azul.

Atualmente, segundo Mendes, para cumprir sua missão em relação à Amazônia Azul e rios do país, a Marinha trabalha com três eixos estruturantes de suas ações: organização da força, desenvolvimento da indústria de defesa e qualificação do efetivo. (Leia sobre planos e programas no site da força.). Em termos de desenvolvimento tecnológico, a ênfase está no programa de construção de submarinos nucleares em parceria com a França.

Diante das restrições orçamentárias que possam acontecer em função da PEC 55, a Marinha espera que pelo menos os projetos já em andamento tenham sua continuidade assegurada, afirmou o representante da força.

Exército

As ações do Exército e as transformações pelas quais ele passa foram apresentadas pelo coronel Ary Pelegrino Filho. Ele comentou que as diretrizes das mudanças foram consolidadas no documento "Concepção da Transformação do Exército 2013-2022", que alinha e consolida o pensamento e planejamento estratégico da força.

Em sua exposição, Pelegrino destacou as participações do Exército em missões de paz e os projetos estratégicos que estão sendo desenvolvidos sob coordenação e gestão do Escritório de Projetos do Exército (EPEx). Para ele, as missões de paz "possibilitam a cooperação entre exércitos de nações amigas e são um instrumento de projeção global da América do Sul".

A força trabalha atualmente com base em 18 projetos, sendo que sete deles são considerados indutores de transformação, pois "contribuem para novas capacitações, maior mecanização e melhor consciência situacional das fronteiras", entre outros fatores. Os sete projetos indutores são:

  • Projeto Guarani – desenvolvimento de uma família de blindados sobre rodas para a modernização das brigadas de infantaria e cavalaria;
  • Projeto Astros 2020 – sistemas de artilharia de mísseis e foguetes;
  • Projeto Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) - presença do Estado nas fronteiras, combate a crimes transfronteiriços e benefícios sociais às comunidades fronteiriças;
  • Projeto Defesa Antiaérea - proteção de estruturas estratégicas com pessoal altamente qualificado e domínio da tecnologia de radares e C2;
  • Projeto Proteger – proteção de estruturas estratégicas terrestres e apoio em casos de desastres naturais e calamidades públicas;
  • Projeto Defesa Cibernética – capacitação para combate a espionagem, terrorismo e crimes cibernéticos
  • Projeto Ocop (Obtenção da Capacidade Operacional Plena) - dotar as unidades operacionais com o material de uso militar (armamentos e outros) imprescindíveis para sua atuação.

O custo dos em 2016 é de R$ 1,5 bilhão, segundo o coronel. Com as dificuldades que o país atravessa, será preciso "reestudar o escopo, o prazo e o custo dessas iniciativas".

FAB

As prioridades da Força Aérea Brasileira (FAB) foram apresentadas pelo coronel Adriano do Nascimento. Segundo ele, as formulações do Plano Estratégico Militar da Aeronáutica 2010-2031 estão em processo de mudança em função das atuais diretrizes da política e da estratégia nacional de defesa.

Nascimento explicou que as perspectivas estratégicas da FAB estão relacionadas com a incorporação de novas capacidades, reorganização administrativa e operacional e melhor capacitação do pessoal.

Os planos específicos são:

  • reestruturação organizacional, com concentração das atividades administrativas;
  • controle do espaço aéreo e defesa aérea relativo ao mar territorial e contíguo e responsabilidade aérea até o meridiano 10, o que corresponde a 22 milhões de km2;
  • construção de 36 caças Gripen NG, sendo que 13 serão produzidos na Suécia com a participação de brasileiros, 8 produzidos na Suécia por brasileiros e supervisão sueca e os 15 restantes produzidos no Brasil por brasileiros.

Outro projeto destacado por Nascimento é o desenvolvimento com a Embraer do cargueiro KC-390, já em fase de voos de teste.

Anastácio Katsanos
Anastácio Katsanos, representante do Departamento da Indústria de Defesa da Fiesp

Indústria

A perspectiva do setor privado quanto à defesa foi o tema da apresentação de Anastácio Katsanos, diretor titular adjunto do Departamento da Indústria da Defesa (Comdefesa) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp),

Katsanos disse que a globalização está em crise e há a necessidade de revisão do papel das instituições internacionais, pois há um crescimento do risco de conflitos armados. Esse quadro tem levado ao crescimento dos gastos com defesa no mundo e, consequentemente, à valorização de 20% em média das empresas de defesa, de acordo com ele.

O Brasil precisa ser visto em termos de defesa sob outra ótica, segundo ele, pois, a exemplo dos EUA, China, Rússia e Índia, "conjuga vasto território, grande população e grande economia", excetuando-se desse grupo apenas pelo fato de não possuir armas nucleares. Afirmou que esse perfil não combina com o ocorrido na indústria de defesa: "Destruímos nosso programa espacial e nossa indústria naval. Outras iniciativas, como a Engesa [fabricante de veículos militares], se autodestruíram".

Ele considera que a lei de incentivo ao setor (12.598/12) precisa ser revisada para que tenha melhor aplicação, "com as empresas estratégicas de defesa podendo ser contratadas pelas Forças Armadas com dispensa de licitação e, também, isenção de impostos, uma vez que os produtos estrangeiros são isentos."

"O Brasil gastava cerca de US$ 8 bilhões até 2014, mas em 2015 e este ano esse gasto caiu pela metade, devendo se manter nesse patamar nos próximos anos. Precisaríamos gastar US$ 18 bilhões por ano."

Para ele, a indústria de defesa é um instrumento de poder geopolítico, mas não é utilizado dessa forma pelo governo brasileiro, que "pouco ajuda nas vendas ao exterior".

Academia

As apresentações dos militares foram comentadas por três acadêmicos: Wanderley Messias da Costa, do IEA e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP; Rafael Duarte Villa, da FFLCH-USP; Alberto Pfeifer, do IEA e do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP.

Costa disse que o debate sobre os três documentos (PND, END e LBDN) que norteiam a defesa no Brasil "desperta pouco interesse do grande público e há o grande risco de acontecer novamente 'interna corporis', com a participação de entidades e de um ou outro parlamentar, sobretudo num momento de grave crise econômica e política como o atual".

Ele destacou três aspectos da nova versão dos documentos:

  • reafirmação da América do Sul como prioridade estratégica;
  • importância da intensificação da presença brasileira no Atlântico Sul ("Mas deve-se pensar que há também Moçambique, do outro lado da África; e outra discussão é se devemos ir além do Oceano Índico");
  • relevância das relações com a Otan e a Europa ("Isso estava esmaecido na versão anterior dos documentos").

Em relação ao maior incentivo à indústria de defesa defendido por Katsanos, Costa disse que é preciso uma defesa da industrial nacional como um todo, não só a de defesa: "A indústria respondia por 24% do PIB em 1991 e agora representa apenas 10%. Nada contra o agronegócio, mas ele não basta, é preciso retomar o processo de industrialização do país. Devem ser fortalecidas as áreas de bens de produção, bens de capital, biotecnologia, química fina e eletrônica".

A partir da esq.: Ary Plonski,  Alberto Pfeifer, Wanderley Messias da Cosa e Rafael Duarte Villa
Mesa dos debatedores: (a partir da esq.). Guilherme Ary Plonski, co-coordenador do evento, e os pesquisadores Alberto Pfeifer, Wanderley Messias da Costa e Rafael Duarte Villa

Costa disse sentir que "a Amazônia está escapulindo da agenda nacional e o Exército não tem o direito de se esquecer da dela".

Assim como Costa, Villa também defendeu uma maior participação da sociedade nas discussões sobre a defesa. "Na primeira versão do "Livro Branco da Defesa Nacional", em 2012, houve a incorporação de setores da sociedade civil, e isso não se repetiu na revisão atual." Ele defendeu também a criação de uma carreira civil no Ministério da Defesa.

Outro aspecto de "nível conceitual e operacional" comentado por Villa refere-se às mudanças no quadro de ameaças, com a incorporação de riscos não estatais, que levam as Forças Armadas a atuar em questões de segurança pública: "O Brasil sempre se opôs à ideia de que as Forças Armadas deveriam ser usadas em funções desse tipo, como o combate ao narcotráfico, por isso há uma certa surpresa com a participação em operações nos morros do Rio de Janeiro".

Uma ideia que avançou bastante, segundo ele, é a de se tentar uma identidade sul-americana de defesa regional. Citou como exemplo a proposta de construção de um avião de transporte numa associação entre vários países. Para ele, a ideia de fechar o mercado das Forças Armadas brasileiras à indústria de defesa nacional defendida por Katsanos é conflituosa com as propostas de integração regional.

Para Pfeifer, o Brasil talvez seja um dos países mais vulneráveis a ameaças transnacionais no século 21, e "isso exige a aquisição de novas competências para combater o tráfico de drogas, armas e biodiversidade e também a lavagem de dinheiro".

Em relação à Amazônia, destacou que a região é bastante vulnerável do ponto de vista da transnacionalização, com o risco de ser considerada um bem planetário. Defendeu que o país seja propositivo quanto a isso, adiantando-se em elaborar normas próprias que salvaguardem seus interesses na região.

Pfeifer defendeu uma "tropicalização" dos esforços de defesa, com as Forças Armadas dedicando-se mais à inovação e à capacitação do uso da força e de outros saberes no combate tropical.

Outra prioridade indicada por ele é a necessidade de o país desenvolver uma doutrina de desenvolvimento e defesa sustentáveis para Amazônia. Também sugeriu a incorporação de civis em projetos militares e vice-versa.