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A ênfase abstracionista e a criação da Bienal Internacional de São Paulo

por Mauro Bellesa - publicado 08/11/2017 13:30 - última modificação 08/11/2017 13:51

Agnaldo Farias, da FAU-USP, foi o expositor do encontro "Exposições 1: Do Figurativismo ao Abstracionismo e Bienais", no dia 24 de outubro, evento integrante do ciclo Cultura, Institucionalidade e Gestão, organizado pela Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência.
Léon Degand
O crítico francês Léon Degand, organizador da exposição "Do Figurativismo ao Abstracionismo", com obra de Wassily Kandinsky participante da mostra

Falar da exposição "Do Figurativismo ao Abstracionismo", de 1949, significa tratar da introdução da arte moderna no Brasil, principalmente a abstrata, no final dos anos 40, época que também presenciou a criação do MAM (Museu de Arte Moderna) de São Paulo (1948) e do MAM do Rio de Janeiro (1949).

A exposição, organizada pelo MAM paulista, e o surgimento da Bienal Internacional de São Paulo foram os temas de abertura do módulo do ciclo Cultura, Institucionalidade e Gestão dedicado a exposições que se tornaram marcos na história das artes visuais brasileiras a partir do pós-guerra. O expositor convidado foi o crítico e curador Agnaldo Farias, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.

O ciclo é uma realização da Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência, parceria do IEA com o Itaú Cultural. A coordenação do ciclo e a moderação dos encontros é de Ricardo Ohtake, titular da cátedra e diretor do Instituto Tomie Ohtake.

Compromisso

Segundo Farias, a criação de um museu de arte moderna naquela época significava assumir um compromisso com o presente e com o futuro. "Era uma forma de avaliar a arte moderna, a arte produzida no momento, e isso gerava discussão: se um museu é um lugar para obras paradigmáticas, não deixa de ser arriscado colocar arte moderna nele, que pode não ser tão relevante depois, com o risco até de alguns artistas deixarem a atividade."

A historiografia aponta o MAM de São Paulo e o do Rio de Janeiro como os primeiros espaços desse tipo, mas o escritor Sérgio Milliet, quando dirigia a Biblioteca Mário de Andrade, adquiriu obras de arte moderna em papel para a instituição, como o livro "Jazz", de Henri Matisse, e trabalhos de Fernand Léger, comentou Farias.

Ele relembrou também o processo de criação do Museu de Arte de São Paulo (Masp) em 1947 pelo empresário de comunicação Assis Chateaubriand, que enviou Pietro Maria Bardi à Europa para comprar obras para o futuro acervo, a ser constituído com trabalhos do Renascimento ao Impressionismo.

"No caso do MAM paulista, a sensação é que o industrial Ciccillo Matarazzo, seu criador, ficava de olho no que Chateaubriand estava fazendo. Nos dois casos, a cultura foi utilizada para projetá-los socialmente. Os dois eram discriminados pela burguesia cafeeira, Chateaubriand por ser nordestino e Ciccillo, ainda que tivesse vindo da Itália com recursos, era considerado um 'carcamano'."

O Masp também tinha uma relação forte com a arte contemporânea: "Bardi dava muito destaque para isso. Expôs muita gente boa, abriu o museu para debates e tendências, criou até o Instituto de Arte Contemporânea em 1951, uma das primeiras iniciativas em design no Brasil."

Agnaldo Farias - 24/10/17
Agnaldo Farias: "O objetivo da exposição 'Do Figurativismo ao Abstracionismo' era atualizar o Brasil"

Atualização

A intenção da mostra “Do Figurativismo ao Abstracionismo” era nitidamente atualizar o Brasil com o que estava acontecendo no panorama internacional das artes visuais, de acordo com Farias.

Havia uma tendência de estímulo ao abstracionismo no próprio título ambíguo da exposição, pois podia ser entendido como uma referência a "um 'leque' entre as duas correntes ou como uma indicação de que a moda então era o Abstracionismo".

O fato é que não havia obra figurativa na exposição, apesar de o MAM ter continuado a expor trabalhos figurativos, explicou.

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O clima de beligerância entre abstratos e figurativistas era intenso na época, com artistas muitas vezes "saindo no tapa", segundo Farias. "Basta ver o "Manifesto Ruptura', de Waldemar Cordeiro, onde ele desce o sarrafo no naturalismo e diz que a representação do visível estava ultrapassada."

Até mesmo a pintura abstrata informal era chamada de hedonismo, comentou. "As tendências abstratas brigavam na cozinha e entravam na sala para enfrentar o inimigo comum, o Figurativismo."

Bienal

Também no final dos anos 40, perguntaram a Ciccillo por que não se fazia no Brasil uma exposição similar à Bienal de Veneza para apresentar uma amostra da produção artística internacional: "A ideia era organizar uma exposição no Hemisfério Sul alternativa à exposição veneziana e privilegiar países que a mostra italiana não conseguia apresentar".

Assim nasceu a Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, como uma extensão do MAM e voltada à "prospecção da arte contemporânea a cada dois anos". Havia prêmios de aquisição, com "as obras compradas por Ciccillo depois vindo para a USP" e dando origem ao MAC [Museu de Arte Contemporânea]."

A 2ª Bienal, em 1953, "talvez tenha sido a mais importante exposição de arte moderna de todos os tempos, contando até com 'Guernica', por interesse do próprio Picasso".

"Diferente do caso de Veneza, na Bienal de São Paulo os países eram convidados pelo Itamaraty [Ministério das Relações Exteriores] e traziam as obras até o porto de Santos, com todo o resto sendo de responsabilidade da Bienal. Ela era realizada em São Paulo, mas financiada pelos diversos países participantes, que mandavam remessas impressionantes."

A criação da bienal foi benéfica, pois diante da falta de museus, "ela cumpria seu papel a cada dois anos, trazendo escolas e exposições individuais de vários artistas". Até os europeus vinham para ver os artistas daqui e aqueles que não haviam encontrado espaço na Bienal de Veneza, disse Farias.

Em sua exposição, Farias traçou um histórico da Bienal até a atualidade, com as boas e más fases. Ele considera que a Bienal continua a cumprir o seu papel de apresentar um panorama da arte contemporânea a cada dois anos, algo importante num país que "é uma província e só expõe artistas locais e artistas internacionais mortos, pois a preocupação dos patrocinadores é que a mostra 'dê público'".

Para ele, no entanto, a Bienal ainda padece de um problema comum ao setor no Brasil: a terceirização do curador. "O Museu Oscar Niemeyer e a Fundação Iberê Camargo não possuem curador próprios. Um curador de fora vê seu espaço de atuação como o momento de apresentar sua plataforma".

Fotos (a partir do alto): Fundo Léon Degand/Biblioteca Kandinsky/MNAM-CCI/França e Leonor Calasans/IEA-USP