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Antropoceno em Crise Existencial

por Sandra Sedini - publicado 06/05/2024 12:25 - última modificação 06/05/2024 12:24

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de 04/06/2024 - 15:00
a 04/06/2024 - 17:00

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Mesmo que a legenda “A Grande Aceleração” não seja usada, qualquer razoável historiador admite que o êxito material da maioria das sociedades vem passando por inigualável turbinagem nos últimos setenta e poucos anos. A grande dúvida é sobre a longevidade de tanta rapidez. Se evitado um inverno nuclear, em algum momento a prosperidade precisará até se livrar do crescimento econômico, depois de o ter vagarosamente esverdeado.

É justamente este possível caráter passageiro da contemporânea disparada o que mais distingue a visão das Humanidades daquilo que seria o limiar de um período posterior ao Holoceno. Uma nova Época - a ser chamada de Antropoceno -, caso aceita pelas geociências a proposta do prêmio Nobel de química Paul Crutzen (1933-2021). A sua duração poderia ser milenar.

Vale lembrar que uma nova Época - definida por frenética agressão dos humanos ao restante da natureza -, já havia sido proposta, com outras denominações, muito antes do frisson, provocado por Crutzen, em fevereiro de 2000, numa conferência do IGBP - International Geosphere-Biosphere Program realizada no município mexicano de Cuernavaca.

Do IGBP ao AWG

Desde meados do século passado, conforme caducava a separação entre geosfera e biosfera, muitos pesquisadores das ciências naturais foram preferindo usar o termo “sistema”, no sentido de conjunto de entidades unidas por alguma forma de interação regular ou interdependência. Visão que começou a amadurecer na segunda metade dos anos 1980, quando a NASA promoveu simpósios com o propósito de consolidá-la.

Entre 1987 e 2015, tal desafio foi levado adiante pelo IGBP e, a partir de 2002, também pela ESSP (Earth System Science Partnership), que, no final de 2012, se tornou a organização Future Earth. Há dois periódicos científicos inteiramente consagrados à temática: Earth System Dynamics e Earth’s Future

Sete anos depois do lançamento da proposta de Crutzen nas páginas da revista Nature, no finzinho de 2009, foi criado pela IUGS (International Union of Geological Sciences) o agora célebre AWG, ou ‘Grupo de Trabalho sobre o Antropoceno’, na Subcomissão do Quaternário (SQS), parte de sua mais antiga estrutura, a Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS).

No AWG, foi se formando, aos poucos, um outro consenso sobre quais seriam os sinais de início do Antropoceno. Em vez do surgimento de crescentes concentrações de dióxido de carbono e metano, desde fins do século 18 - como cogitara Crutzen -, o grupo se voltou ao começo da “Grande Aceleração”, já tão estudada pelos historiadores ambientais. Passou, então, a procurar por testemunhos da radioatividade deixada pelas primeiras detonações de armas nucleares.

Em julho de 2023, teve ampla repercussão midiática a identificação do que seriam os melhores indicadores do início da nova Época: no Lago Crawford, da província canadense de Ontário. Essencialmente, amostras de sedimentos coletados a 24 metros de profundidade, referentes a 1950, com resquícios do elemento radioativo plutônio.

A partir daí, pareceu a muitos observadores desta lenta evolução institucional que as conclusões do AWG estariam maduras para finalmente serem aceitas no 37º Congresso da IUGS, programado para a última semana do próximo mês de agosto, em Busan, na Coréia do Sul.

Daí a forte reversão de expectativa imposta pela rejeição de tais conclusões na Subcomissão (SQS), por 12 a 4 e 2 abstenções. Mais: com simultâneas alegações de que poderia ter havido “irregularidades processuais”, o que até motivou especulações sobre possível “fraude”.

Todavia, posteriores manifestações das duas partes parecem confirmar a profundidade de um dissenso científico que ainda não está claro.

Hipótese

Uma possível interpretação é de que geólogos muito apegados à sua tradição disciplinar não vejam razões para instituir o fim do Holoceno em sedimentos como os do lago Crawford. Afinal, continuam a ser ínfimos os impactos das atividades humanas na Geosfera. No máximo, algumas cócegas em sua camada superior, a Litosfera.

Já seus colegas que mais se empenharam pela tese oposta - ao longo dos últimos quinze anos - são os que já haviam adotado perspectiva transdisciplinar, intensamente direcionada às conexões com a Atmosfera, Biosfera, Criosfera e Hidrosfera. São pesquisadores voltados a estudos do complexo Terra.

Em outras palavras, a propalada “morte” do Antropoceno - conforme o título de artigo do repórter Paul Voosen na revista Science -, teria por causa a tensão entre o cânone da Geologia e a adesão de boa parte de seus pesquisadores à chamada ‘Ciência do Sistema Terra’, de legitimação ainda incipiente.

Entre as muitas recentes evidências sobre tal tensão disciplinar/transdisciplinar merecem ser destacadas estas três:

 

Tudo parece indicar, portanto, que ainda será longo o atual estresse motivado pela rejeição do Antropoceno. Assim como a certeza de que a noção permanecerá muito demandada e indevidamente usada pelas Humanidades, pois o uso do sufixo “ceno” pertence à escala geológica do tempo.

Mas esta é apenas uma das interpretações possíveis.

Participantes:

Silvia Figueirôa (Unicamp)

José Augusto Pádua (UFRJ)

Coordenação e Mediação:

José Eli da Veiga (Programa Professor Sênior)

Transmissão

Acompanhe a transmissão do evento em www.iea.usp.br/aovivo

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